CARTA ABERTA À COMUNIDADE ACADÊMICA E A SOCIEDADE

Por que a greve nas universidades públicas e nos institutos federais continua e chegou à impressionante marca dos cem dias?

Publicada em 31/08/2012 às 19:07:00

 

Por que a greve nas universidades públicas e nos institutos federais continua e chegou à impressionante marca dos cem dias?

Apesar de ser do conhecimento da população, mesmo que intuitivamente, é bom relembrar alguns dados. Ao contrário do que tem sido noticiado na imprensa tendenciosa, diga-se de passagem, e muitas vezes despreparada, bem como contrariamente ao que osdiscursos do governo federal e sua equipe vem propagando e que apenas comprovam a ignorância sistêmica dos fatos, há uma seleção enorme de requisições.

Esse governo federal que alarma a população com informações imprecisas, de que concedeu aumento salarial de até 40% aos docentes, e que esconde a real proposta enganosa apresentada aos docentes, de que o aumento é de 25% a 40%, de que os 40% atingirá apenas uma minoria dos professores, que esse aumento na verdade se trata de um realinhamento na carreira, que será implantado em 03 anos, a partir de 2013 até 2015, e que possivelmente a inflação do período corroerá todo esse realinhamento, com perdas reais aos docentes.

A greve nas universidades públicas brasileiras e nos institutos federais não é apenas por melhorias salariais (ou na verdade reposição salarial). Há por parte do movimento grevista exigência de contratação de docentes e técnicos administrativos, definição de plano de carreira docente, edificação e infra-estrutura, unificação e fixação das gratificações na forma de salário (uma só linha no contra-cheque), entre outros pleitos da comunidade acadêmica.

A maioria da população não sabe, mas se o professor federal se aposentar hoje, não irá incorporar mais da metade dos seus vencimentos, por que esta metade não é constituída de salário, mas de meras gratificações de caráter indenizatórias que são retiradas quando da aposentadoria dos docentes. É assim que se estimula a pesquisa e a ciência em nosso país.

Cabe destacar ainda que boa parte dos projetos de pesquisa e extensãorealizados pelos professores são custeados com recursos próprios: combustível, papel, tonner, passagem aérea e terrestre, alimentação, diversos materiais de consumo e outros custos que acabam reduzindo a remuneração dos professores. Esses mesmos professores são obrigados a publicarem artigos em congressos nacionais e internacionais, requisito exigido pelo Ministério da Educação – MEC e pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES/MEC para a manutenção da qualidade do ensino superior. Contudo, o governo federal não libera recursos de passagens e diárias para custear a participação dos professores nesses conclaves científicos, nem sequer paga a inscrição dos professores para o evento. Faltam materiais de expediente e os professores custeiam com recursos próprios as avaliações acadêmicas, a emissão de materiais de estudos, apostilas, projetos e outros custos, que chegam a representar, em alguns casos, acima de 10% da remuneração do docente.

Desse modo, os salários, é óbvio, são indicativos básicos da forma como o governo federal trata a educação no Brasil. Portanto, é possível observar, comparativamente, alguns dos salários iniciais ofertados pelo governo federal e suas respectivas titulações:

1.      Senado Federal: com exigência de nível médio, a remuneração inicial é de R$ 13.833,64 para técnico legislativo e polícia legislativa; e R$ 18.440,64 para analista legislativo e R$ 23.826,57 para consultor legislativo.

2.      Câmara dos Deputados: para o exercício de função em cargo similar é exigido a mesma titulação limitada ao ensino médio, a remuneração inicial é de R$ 11.914,88.

3.      Receita Federal: o inicial para analista tributário (nível superior) é de R$ 7.624,56.

4.      Tribunal de Contas da União: para as vagas de nível médio, no cargo de técnico federal de controle externo, a remuneração inicial pode chegar a R$ 9.334,55.

5.      Ministério Público da União: o último concurso realizado para analista (nível superior) tinha remuneração inicial de R$ 6.551,52.

6.      Polícia Federal: ofertou salários iniciais de R$ 7.818,00 para escrivão (nível médio) e R$ 13.672,00 para delegado e perito (nível superior).

As discrepâncias, todavia, parece não ter fim, a exemplo do cargo de auditor fiscal de tributos da Secretaria de Estado de Finanças do Estado de Rondônia – SEFIN que, em 2009, já previa remuneração de R$ 13.067,00.

Nesses concursos, é preciso ressaltar, as progressões são automáticas após determinado período de tempo e a maioria dessas funções e cargos recebem outros incentivos desconhecidos nas universidades públicas federais e nos institutos federais. Além de que as cobranças por publicações, participação em eventos científicos, oferta de cursos e turmas de pós-graduação com a respectiva orientação de mestrando e doutorandos, não é exigida de nenhum dos técnicos e burocratas, somente para a classe docente.

O leitor percebeu que nem se destacou o salário de juízes, promotores, médicos e outras especialidades, como determinadas engenharias contratadas na Petrobrás, por exemplo, e isto por uma razão simples: se os professores doutores já iniciam suas carreiras recebendo menos do que um analista mediano, em qualquer dos três poderes, o que dizer comparativamente aos cargos mais bem pagos?

Rassalte-se, ainda, que mesmo o concurso de nível superior exige apenas a graduação, enquanto os concursos nas universidades federais exigem, no mínimo, a titulação de mestre.

A ironia maior, entretanto, está no fato de que a universidade só tem sentido se houver aprimoramento intelectual de seus docentes como pesquisadores, formando-se massa crítica, aprofundando-se o conhecimento científico. E como se mediria essa qualificação ou produção de seus docentes/pesquisadores? Por meio da realização e defesa de teses e da publicação de suas pesquisas, algo somente exigido para os docentes do ensino superior.

Porém, contraditoriamente ou antagonicamente, ao bom senso, à lógica do homem médio, de nada adianta ao docente da universidade federal defender dois mestrados ou doutorados, pois não haverá implicação alguma em seu contracheque. Aliás, de nada serve um pós-doutorado, pois a conclusão da pesquisa, por mais relevante que seja, não terá impacto direto em sua progressão.

Este é o plano de carreira e promoção que se oferece ao ensino superior federal no Brasil? É com essa postura arrogante, agora ameaçando reitores com processos administrativos, que se quer melhorar a educação superior no país? Na verdade, é somente mais uma demonstração da truculência daqueles que se alimentam da desinteligência, do analfabetismo. É o trato do contra-senso no lugar do contracheque.

 

 

 

COMANDO LOCAL DE GREVE – CAMPUS CACOAL.

 
 
 
 
-- 
Prof. Dr. Fabrício M. de Almeida (pós-doc)