Coluna da Mara - Os indígenas, outra vez

Mara Paraguassu

Publicada em 30 de September de 2013 às 03:09:00

Depois do Abril Indígena, e agora com novas regras para a entrada na Câmara dos Deputados, que no início de setembro passou a limitar o número de pessoas que podem acessar plenários e galeria, indígenas de todo país de novo irão surpreender incrédulos deputados que saíram correndo ao ver os parentes seminus tomarem conta do plenário. De certo consideraram levar flechada ou ser atingido por algo mágico que, imaginaram, lhes tiraria o odioso - para nós, sociedade brasileira - foro privilegiado.

Foro privilegiado, aliás, que dá abrigo a 224 deputados e senadores, um recorde, segundo levantamento feito pelo Congresso em Foco, site especializado na cobertura do parlamento nacional e que produz o ranking desde 2004. Mas são os indígenas que motivam o rabiscado dessa semana, para a bancada ruralista privilegiados em porções de terra sem plantação, sem boi, sem exploração mineral, sem grandes madeireiras ou hidrelétricas.

É por isso que, para fazer tudo isso, colocando a engrenagem capitalista para produzir montanhas de dinheiro, a bancada não dá trégua com projetos legislativos que ousam desconstruir o que a Constituição Federal de 1988, prestes a completar 25 anos no dia 5 de outubro, garantiu: a permanência dos povos indígenas em terras por eles ocupadas tradicionalmente.
Terras, vale lembrar, que são bens da União, do povo brasileiro, não do poder econômico que a pretexto de regulamentar a Constituição e considerar que os entes federados devem se pronunciar sobre demarcações apoia e engendra projetos como a PEC 215/2000 e o PLP 227/2012. Nada mais, nada menos, são tentativas de colocar no mercado fundiário terras ocupadas pelos indígenas ou instalar grandes empreendimentos, sem que ao menos eles ou qualquer um de nós sejamos consultados.
A peleja não está fácil. Encontra formidável resistência no movimento indígena que não foi às ruas nos protestos de junho, mas faz embate permanente na capital do poder, e promete agora colocar mil indígenas no bem cuidado gramado do Congresso Nacional. Mesmo com uma correlação de forças desigual no parlamento, até o momento as estratégias para se evitar a aprovação de quaisquer matérias que afetam o direito à terra tem sido bem sucedidas com o apoio da atuante Frente Parlamentar de Apoio aos Povos Indígenas.

Mas, ironia, é justamente no aniversário da Constituição que o caldo pode entornar: o presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Alves, promete instalar a Comissão Especial encarregada de analisar a PEC 215.


Semana quente A temperatura se eleva também em Brasília com a expectativa da criação ou não do partido da ex-senadora Marina Silva. Meu palpite é o mesmo do vice-procurador eleitoral Eugênio Aragão: “Depois que aprovaram o PROS e o Solidariedade, acho que seria de se esperar que aprovasse a Rede também. Eu tenho um sentimento de justiça de que já que os outros conseguiram, e conseguiram de um modo bastante questionável, não permitir isso para a Rede pelo menos não soa para o leigo como uma medida justa”. De entrevista ao portal de Veja, deste domingo.


Solidariedade Aragão disse também que os partidos nascem para virar moeda de troca. Sim, é o que Paulinho, da Força Sindical e mentor do Solidariedade, já anda fazendo, tricotando conversas e acordos no cafezinho da Câmara e do Senado. Já chega com 40 deputados pelo menos. Se depender do ex-pedetista, que trata a presidente Dilma Rousseff como “inimiga”, o partido marchará ao lado de Aécio Neves em 2014.

Violência contra a mulher
Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) concluiu que a Lei Maria da Penha fracassou na tentativa de redução de assassinato de mulheres vítimas da violência doméstica. O problema é parecido com a lei que criou o Estatuto da Criança e Adolescente: as ações e medidas previstas passam ao largo das demandas acumuladas porque o poder público não faz o dever de casa. No caso da Maria da Penha, faltam delegacias, centros de referência, casas abrigo, juizados especiais etc.

Clichês
Talvez o pior seja ouvir coisas do tipo “se as mulheres querem direitos iguais, para que exigir uma lei só para elas?” ou “para que os índios querem tanta terra?”. Já se tornaram clichês, abomináveis, às vezes candidamente brandidos. Imperativo dizer que somos o sétimo país do mundo em violência contra as mulheres, e faltam terras para os Guarani kaiowá de Mato Grosso do Sul, o povo mais sofrido e violentado do Brasil. São fatos que merecem alguma reflexão, ou não?