Conselho Administrativo de Defesa Econômica não pode usar interceptação de comunicação telefônica como prova em processo administrativo

Por Carlos Eduardo Rios do Amaral

Publicada em 22 de May de 2015 às 09:22:00

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu limites e restrições às investigações realizadas pelas autoridades e órgãos públicos brasileiros. Algumas dessas moderações constitucionais encontram-se consubstanciadas em cláusulas pétreas, no rol dos direitos e garantias fundamentais do cidadão e da coletividade. Portanto, imutável e indiscutível o conteúdo desses valores políticos supremos eleitos pela Assembleia Nacional Constituinte.

Dentre as cláusulas constitucionais de barreira à investigação estatal ilimitada contra o cidadão temos a inscrita no Art. 5º, Inciso XII, da Constituição, nestes termos:

“Art. 5º (...)

(...)

XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.

É o chamado princípio da inviolabilidade do sigilo das comunicações. No caso das comunicações telefônicas, como se extrai do dispositivo constitucional, somente poderá ser violado, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.

Noutras palavras, o que não seja especificamente para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, será constitucionalmente vedada a violação e o compartilhamento do sigilo das comunicações telefônicas, mesmo através de ordem judicial.

Assim, autoridades e órgãos públicos administrativos e civis, de qualquer natureza, inclusive do Poder Judiciário, jamais poderão instruir suas investigações, processos e procedimentos com base em interceptação de comunicações telefônicas, muito menos na condição de cessionários destas provas excepcionais.

Regulamentando o Art. 5º, Inciso XII, da Constituição, a Lei Federal nº 9.296, de 24 de Julho de 1996, limitou ainda mais os poderes investigatórios do Estado.

Logo em seu Art. 1º estabelece sem nenhuma ressalva ou exceção o segredo de justiça absoluto da interceptação das comunicações telefônicas usada como prova em investigação criminal e em instrução processual penal.

Destarte, se a Constituição não autoriza qualquer modo de empréstimo ou cessão da interceptação de comunicações telefônicas como prova em outro tipo de investigação, processo e procedimento, inclusive de natureza criminal (prova por derivação), a Lei 9.296/96 ao consagrar expressamente o manto do segredo de justiça desta prova, afasta qualquer possiblidade de sua reutilização por quem quer que seja e, ainda, aonde quer que seja.

O Art. 8º da Lei 9.296/96 mais uma vez repete o segredo de justiça da interceptação de comunicação telefônica: “A interceptação de comunicação telefônica, de qualquer natureza, ocorrerá em autos apartados, apensados aos autos do inquérito policial ou do processo criminal, preservando-se o sigilo das diligências, gravações e transcrições respectivas”.

Produzida a prova fruto de interceptação de comunicação telefônica, para demonstração de determinado fato, nos autos do inquérito policial ou do processo criminal, estará completamente esgotada sua função e objetivo legais. O sigilo das diligências, gravações e transcrições respectivas, assim como o segredo de justiça desta prova, imporá a proibição de seu empréstimo de qualquer natureza.

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE é uma autarquia federal, vinculada ao Ministério da Justiça, com sede e foro no Distrito Federal, que exerce, em todo o Território nacional, as atribuições dadas pela Lei nº 12.529/2011.

O CADE tem como missão zelar pela livre concorrência no mercado, sendo a entidade responsável, no âmbito do Poder Executivo, não só por investigar e decidir, em última instância, sobre a matéria concorrencial, como também fomentar e disseminar a cultura da livre concorrência.

É evidente, o CADE não possui competência para investigação criminal ou instrução processual penal. É o que basta para dizer que esta autarquia não pode utilizar em suas atribuições institucionais prova obtida através de interceptação de comunicações telefônicas. Muito menos poderá utilizá-la por empréstimo, uma vez que sigilo das diligências, gravações e transcrições, assim como o segredo de justiça desta prova, por força da Constituição e da lei, são oponíveis erga omnes.

Por fim, cabe registrar que a interceptação das comunicações telefônicas não será cabível em toda e qualquer investigação criminal ou instrução processual penal. O fato investigado deverá constituir infração penal punida com reclusão e, ainda, a prova não poderá ser obtida por outros meios disponíveis.

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Carlos Eduardo Rios do Amaral é Defensor Público do Estado do Espírito Santo