Desafios urbanos - Professor Edilson Lôbo

Refletindo sobre o universo urbano de Porto Velho. Qual a saída? Porto Velho ainda tem jeito?

Publicada em 06 de March de 2015 às 09:41:00

1 – Breve contextualizaçãodo urbano na contemporaneidade

Uma das maiores preocupações dos que pensam a gestão das cidades em todo o mundo, nesse primeiro quartel de século, diz respeito aos fenômenos urbanos.

Para alguns especialistas da área, se o final do século XX, foi marcado pelo processo de globalização, o início do século XXI será o da era da cidade.

A inversão do vetor população, que residia majoritariamente no campo e passa a migrar para as cidades,traz consigo, uma série de implicações.

Hoje, segundo dados do Projeto Urban Age, mais da metade da humanidade vive em centros urbanos.

Esse quadro, que é motivo de preocupação de urbanistas, arquitetos, planejadores, economistas, políticos e pesquisadores de outras áreas, ensejou a criação do Projeto Urban Age (Era Urbana). Esse projeto, através dos estudos e pesquisas proporcionados por conferências,realizadas em seis grandes metrópoles do globo, entre as quais podem ser citadas, Cidade do México, Londres e Xangai, tinha a participação de renomados profissionais, profundos conhecedores da temáticaurbana, que resultou na obra, The Endless City (A cidade infinita), organizado pelo urbanista e arquiteto Inglês, Rick Burdett e o Diretor do Design e Museum,DeyanSudjic.

Este trabalho, pauta uma agenda para as questões que implicam, o futuro do ambiente urbano contemporâneo. É um estudo com múltiplos olhares sobre as cidades globais, numa perspectiva de orientar e se tornar um instrumental importante para o planejamento e desenvolvimento do espaço urbano.

O fenômeno da urbanização, começaa ganhar contornos mais visíveis, com o advento da Revolução Industrial no século XVIII, nas cidades dos países onde ela ocorreu. Num segundo momento, ele se intensifica, nos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, impulsionado pelo processo de industrialização, à partir dos anos cinquenta.

Temos aqui, a conjunçãode elementos, desencadeadores de processos urbanos, que parecem estar em constante antagonismo, na perspectiva de ser resolvida a equação: desenvolvimentosustentável das cidades e, a segurança da boa qualidade de vida e, o bem estar das pessoas. O intenso fluxo migratório que incha as cidades,a ausência de planejamento, portanto, incapacidade de melhor gestão, e os escassos recursos necessários para a criação da infraestruturado espaço urbano, o torna cada vez mais problemático, ensejadopelo seu processo de profunda desarmonia que é gerada, face o colossal descompasso das suas estruturas físicas, sociais e humanas. Nessas condições, o direito à cidade, enquanto espaço a ser habitável dignamente por todos, torna-se cada vez mais para poucos.

2 – O agravamento desse quadro no Brasil

Nas últimas cinco décadas e meia pelo menos, presenciamos uma brutal transformaçãonas estruturas das cidades brasileiras, na medida, que até os anos 50, a zona rural abrigava 70% da população. Essa situação se inverte de forma drástica, fazendo com que o Brasilao final do século XX, já tenho o predomínio da população brasileira, morando nas cidades.
Hoje, mais de 80% do contingente populacional do País,já vive nos centros urbanos. A consequência mais imediata desse fenômeno, diz respeito ao agravamento dos problemas e conflitos sociais, próprios dos conglomerados urbanos.
Os desafios para a solução dos graves problemas gerados com o inchaço das grandes cidades ocorridas no Brasil, são colossais. Para superá-los, fundamental é ataca-los em suas raízes, numa articulação que envolva governantes, políticos, segmentos organizados da sociedade e o povo em geral, através de uma ação planejada que envolva a participação de todos.

3 – Refletindo sobre o universo urbano de Porto Velho

Há uma frase presente em alguns textos, quando se trata da temática urbana, que não saberia precisar a sua autoria que diz: “Pode-se medir o nível de civilização de um povo, pela qualidade das calçadas de suas cidades”.

Certamente, o uso desse parâmetro, não é o melhor indicador para aferir o nosso grau de civilidade. Quer seja pela má qualidade das que existem, ou pelas péssimas condições da sua manutenção. Há uma parcela de cumplicidade dos munícipes com a autoridade municipal, referente a esse quesito, na medida em que ambos o negligênciam.
Os problemas que se acumularam no tempo histórico, nas médias cidades e metrópoles, principalmente os de baseinfra estrutural, e que marcama paisagem urbana nos Países periféricos, são consequências das grandes desigualdades que se reproduz no mundo.

Numa perspectiva dialética,(segundo os supostos de Henri Lefebvre, David Harvey, Milton Santos e Manuel Castells, autores dos quais subtraí de algumas de suas obras, base teórica para a construção desse texto), o espaço urbano, enquanto produto das relações sociais e históricas, ao se tornar parte integrante do processo geral de reprodução do capital, constitui-se num espaço social complexo e gerador de conflitos.

Nestas condições, conforme a colocação de Ester Limonadem Reflexão sobre o Espaço, o urbano e a urbanização: “A cidade, o espaço urbano, assim passa a integrar a paisagem geográfica do capital enquanto parte necessária de um espaço social complexo e pleno de contradições que simultaneamente estimula e obstaculiza o desenvolvimento e reprodução das relações sociais de produção a nível geral, num movimento de construção de novos espaços e destruição/apropriação de espaços pretéritos”.

À partir dessa contextualização, é possível fazer algumas ilações, pelo menos como ponto de partida, para uma melhor compreensão de como se dá a reprodução dos espaços urbanos na cidade de Porto Velho. Podemos dizer, que do ponto de vista da sua gênese, ela já nasce segregada.

Ao passarmos um ligeiro olhar pelos escritos de nossos historiadores e geógrafos, sobre a formação desta cidade, vamos constatar que o elemento mais determinante para sua constituição em cidade, foi a construção da lendária EFMM, que ao seu término, em 1912, dos trabalhadores que aqui ficaram, somavam em torno de mil habitantes.

Esse pequeno contingente, tinha forma de habitação muito distinta, de acordo com a sua condição social. Esse, era separadosegundo a sua classe social, por uma linha dita fronteiriça, denominada Avenida Divisória, hoje Av. Presidente Dutra e, dispunha de comercio, segurança e até determinados aspectos de ordem legal próprios. Portanto, Porto Velho já nasce uma cidade, sendo condicionada pela reprodução das suas desigualdades, como consequências, das suas relações produtivas.

Do início de sua formação, até os dias atuais, tem nos eventos mais marcantes da sua evolução histórica, os chamados ciclos ou surtoseconômicos (borracha, garimpo de cassiterita, garimpagem de ouro) juntamente com os conflitos fundiários, que se constituem em situação de conflitos, pela posse do espaço urbano.

Essa conformação na construção da sua base social e econômica, que de certa forma vai determinar os seus aspectos de ordem política, é geradora (muito embora ainda não disponibilizemos de dados sistematizados), dos maiores conflitos da sua reproduçãoespacial, considerando que ela se assenta, no processo de concentração da renda e do salário, geradores das profundas desigualdades que ocorrem no município.

Some-se a isso, o acelerado crescimento da nossa cidade, no início dos anos setenta, não como propõe Castells e outros, enquanto consequência do processo industrial mas, pelo advento da expansão da fronteira agrícola na Amazônia, como espaço de retenção, dos agricultores expulsos do centro sul do País e outras regiões, pela mecanização da lavoura e outros fatores que, segundo Bertha Becker, em Fronteira e Urbanização na Amazônia, foi uma estratégia básica do Estado para a ocupação da região.

Estes fatores, acabaram por, ao longo dos seus processos, contribuírem sobre maneira para a desagregação urbanística da, na medida em que o acelerado crescimento da população da capital rondoniense, não foi devidamente acompanhado, pela estruturação da cidade, pela criação dos equipamentos urbanos, tão necessários ao atendimento dos diversos segmentos da população, bem como pela contínua má gestão dos seus prefeitos, ao longo da história das suas administrações.
Hoje, dentre todas as capitais do Estado brasileiro, muito provavelmente Porto Velho, seja a que mais apresente, no que tange a sua configuração urbanística, os maiores déficits infra estruturais, como saneamento básico, mobilidade urbana, iluminação pública, sinalização, segurança e gestão planejada da cidade. Temos do ponto de vista estético, uma cidade profundamente desfigurada.

Uma rápida visita pelos seus principais logradouros, é suficiente para constatarmos uma paisagem desoladora da cidade. Do ponto de vista da sua plasticidade urbana, Porto Velho é um horror. Nem as praças, que já foram para alguns, (na ausência de realizações substantivas) motivo pelo menos de laser, verificamos, que ao longo dos últimos anos, têm sido válvula de escape, para contingentes refratários de ambulantes e micro comerciantes, desalojados dos seus espaços originários e, que deveriam receber uma maior atenção do poder municipal, em função de terem sidos retirados, premidos por imposições circunstanciais, dos seus espaços de trabalho. Foram sacrificados inclusive, para atender o melhor ordenamento das funções do agente público municipal, e como recompensa,para utilizar uma linguagem bastante popular,estão “jogados ao léu”. No mínimo desumano.

Qual a saída? Porto Velho ainda tem jeito?
David Harvey, no seu texto “O direito à cidade”, nos chama a atenção, no sentido de que, saber que tipo de cidade queremos, é uma questão que não deve estar dissociada sobre qual o tipo de vínculos sociais, ambientais, tecnológicos, estilo de vida, valores estéticos e eu acrescentaria valores humanos, nós desejamos.E continua: “O direito à cidade é muito mais que a liberdade individual de ter acesso aos recursos urbanos:é um direito de mudar a nós mesmos, mudando acidade. Além disso, é um direito coletivo, e não individual, já que essa transformação depende do exercício de um poder coletivo para remodelar os processos de urbanização. A liberdade de fazer e refazer as nossas cidades, e a nós mesmos, é, a meu ver, um dos nossos direitos humanos mais preciosos e ao mesmo tempo mais negligenciados”.

Temos que reconhecer que mudar a feição de uma cidade, não é tarefa apenas do gestor municipal. Como disse Harvey, é um exercício coletivo. No entanto, há que se ver na administração do município, um mínimo de determinação, vontade, capacidade técnica. Ação planejada dos recursos disponíveis e das atividades demandadas. Sem isso, não há ação coletiva que possa prevalecer.

É visível, que a concentração da renda, que reproduz as relações de desigualdades em nosso município, cria um verdadeiro apartheidsocial, com segmentos abastados da população, vivendo em condomínios fechados ou em bairros mais nobres, dispondo dos melhores equipamentos urbanos e, um contingente composto pela maioria desprovida do que é de mais elementar ao ser humano, deixando-o expostos muito mais, à violência crescente que toma conta da cidade.

Governar uma cidade, é enfrentar grandes desafios, na medida em que uma série de interesses conflitantes estão colocados para que o gestor da cidade, tenha a devida capacidade, e a eficiência necessária, para por em movimento, ações e medidas capazes de vir ao encontro da maioria, sem causar prejuízo ou processos de exclusão ao demais.

Existe um instrumento de participação coletiva, a Lei 10.257/2001, que criou o Estatuto da cidade, justamente para se tornar num elemento motor, que promova maior articulação entre os vários segmentos da sociedade, formule a política urbana e faça cumprir, através do Plano Diretor, as funções sociais da cidade, articulando a participação coletiva no planejamento do espaço urbano, assegurando um ambiente sustentável a todos os munícipes.

Afim de que esse instrumental, não fique apenas no papel, e se converta numa peça de ficção,é preciso a junção do Estado, nas suas diversas esferas, a parceria com o empresariado comprometido com a questão da cidade, encontrar líderes comunitários, ONGs, e demais segmentos organizados da sociedade, e assim todos juntos, possam definir os rumos e a dinâmica que possa adquirir, a cidade que os acolhe.