Entrevista da Semana - Homem que eliminou Cassol da vida pública adverte àqueles que se julgam poderosos demais para prestar contas à justiça: " Ninguém está acima da Lei"

O homem que ousou enfrentar o poderio político e econômico de um dos políticos mais ricos do Brasil, o ex-governador e atual senador, condenado a quatro anos de prisão, Ivo Cassol, fala sobre tudo que pode ou poderá ser alvo da ação do MPF.

Publicada em 27 de October de 2013 às 16:25:00



Por Carlos Araújo

Na entrevista desta semana o tudorondônia.com.br tem uma conversa franca com o procurador da República, Reginaldo Pereira da Trindade, sobre os vários assuntos em que o Ministério Público Federal (MPF) atua aqui em Rondônia e aborda desde a estrutura do MPF no Estado e as melhorias que deverão advir ainda este ano, para ampliar o raio de ação do órgão ministerial.

“É muito medíocre a gente achar que a Justiça só é feita quando ganhamos a causa, até porque do outro lado tem um advogado e uma pessoa que vai se defender. E essa pessoa pode ter razão e nós podemos estar errados”. Este é um dos momentos em que Reginaldo Pereira da Trindade, 39 anos, tido como um homem duro no combate à improbidade administrativa e outros atos de corrupção, professa humildade e reconhece que nem sempre o acusador está com a razão.

Ele recebeu, na quinta-feira, em sua sala abarrotada de inquéritos, o jornalista Carlos Araújo, para uma entrevista, programada inicialmente para durar de quarenta minutos a, no máximo, uma hora, mas que se estendeu por duas horas e 20 minutos. Na entrevista, o homem que ousou enfrentar o poderio político e econômico de um dos políticos mais ricos do Brasil, o ex-governador e atual senador, condenado a quatro anos de prisão e inelegível pelos próximos anos, Ivo Cassol, fala sobre tudo que pode ou poderá ser alvo da ação do Ministério Público Federal. Sem rodeios e sem meias palavras.

“Em relação ao senhor Roberto Sobrinho nós conseguimos processá-lo, e desbaratar essa quadrilha toda ainda dentro do mandato dele”, afirma Trindade ao lembrar que há pouco tempo o trabalho do MPF demorava de dez a quinze anos para resultar em ação na Justiça. Isso, segundo ele, é fruto da melhorar estruturação do MPF e das parcerias que celebra com os demais órgãos de controle.

Consciente do vespeiro que cutuca ao questionar a ação de políticos poderosos, ele sabe que corre risco de vida e assegura que adota providências para se resguardar. Mas mando um aviso a aqueles que, por ventura queiram tentar contra sua vida: “ai daquele que achar que por ostentar um cargo público, por ser endinheirado, por ter uma grande poder político ou econômico, achar que está livre da ação do MPF. A pessoa que tiver essa consciência poder acordar, um belo dia, na cadeia, processada, com os bens em indisponibilidade etc. E essa experiência pode ser dolorosa”.

Vamos à entrevista:

Tudorondonia.com.br – Na qualidade de procurador da República como o senhor avalia as várias operações que são realizadas aqui em Rondônia, notadamente aquelas que têm a participação do MPF?

Reginaldo Trindade – Inicialmente agradeço pelo espaço, muito importante para que o MPF preste esclarecimentos à sociedade. Nós nos sentimos muito envaidecidos com a lembrança do nosso nome. Respondendo a sua pergunta, avalio as operações como algo positivo e necessário à defesa do erário. As pessoas tendem a achar que o fato de as operações serem feitas diariamente, semanalmente, com pessoas sendo presas, enfim, que isso é o fim dos tempos, que todo mundo é corrupto. Muito pelo contrário. Minha avaliação é completamente oposta a esta. É extremamente positiva, porque significa que os órgãos de controle estão trabalhando. Que as instituições estão funcionando. E isso é muito bom para a democracia, para o processo de depuração da sociedade e das instituições.

Em Rondônia tivemos sucessivas operações em que pessoas do alto escalão fora alvo de ação. Isso reforça a ideia que estamos no caminho certo. Que as pessoas nesse país, do mais alto mandatário, do presidente da República, ao mais humilde, todos eles, se cometerem irregularidades, respondem e são submetidas aos rigores da lei. Isso é muito confortador para nós.

Claro que os pessimistas de plantão vão dizer que quem tem dinheiro não fica preso nesse país. Ficam apenas algumas horas, alguns dias. Nós temos muitos problemas na Justiça, mas, a uns quinze ou vinte anos era impensável que um juiz, um membro do MP, um desembargador, um senador, governador, deputado, ministro, pudesse ser preso. Hoje, essa realidade está muito modificada. Ninguem está acima da lei.

O processo do Mensalão, a condenação de parlamentares federais e estaduais aqui no Estado, evidenciam isso e reconfortam muito a todas as pessoas de bem que querem que o país entre nos rumos.

Tudorondonia.com.br – O senhor falou agora a pouco que em Rondônia existem apenas 12 procuradores da República. Sete na capital, um em Guajara Mirim, três em Ji-Paraná e um em Vilhena. Esse número é satisfatório para atender a uma população de 1,5 milhões de habitantes?

Reginaldo Trindade – Não. De forma alguma. Esse é um número muito abaixo do ideal do número mínimo necessário para o MPF bem desenvolver seu trabalho no Estado. E isso dá um agravante, porque há um baixo número de servidores, uma estrutura ruim com pouquíssimos técnicos. Nosso gargalo é a ausência de um corpo técnico adequado. Temos muitos problemas. Mas esse número já melhorou. Quando eu entrei no MPF, há dez anos, nós éramos apenas quatro. Esse número triplicou. Só que quanto mais procuradores venham, quanto mais a gente trabalha, mais aumenta a demanda. Em parte pelo aumento da expectativa e da confiança da sociedade, em parte pela demanda reprimida. Quanto mais procuradores venham, mais a gente conseguirá atender a expectativa da sociedade em ver os desmandos serem combatidos. Mas o fato é: atualmente, em 2013, o número de doze procuradores no Estado é muito pequeno.

Tudorondonia.com.br – Sobre a questão dos poderosos. A impressão que passa é que eles não ficam presos por terem dinheiro. Tivemos a operação Endemias onde ocorreu a prisão do prefeito Roberto Sobrinho e alguns membros do primeiro escalão da prefeitura. Em outra operação do MPF, quase todo o primeiro escalão da prefeitura foi preso. No caso do prefeito Roberto Sobrinho, ele ficou apenas 48 horas e saiu. Qual a sensação quando um acusado é posto em liberdade? Isso lhe causa alguma frustração?

Reginaldo Trindade – A operação Endemias posteriormente, foi absorvida pela operação Sempre/MPF.

Tudorondonia.com.br – Foi o desdobramento da primeira?

Reginaldo Trindade – Isso. A operação Endemias tinha um foco mais específico na questão dos igarapés que era um procedimento apenas da prefeitura. Era gravíssimo, tanto que justificou a prisão do secretário Israel Xavier e de outras pessoas da prefeitura. Mas agora temos uma operação muito maior que é a operação Sempre/MPF. Essa, sim, busca fazer uma devassa na administração do senhor Roberto Sobrinho, não apenas na questão dos igarapés, mas em todo e qualquer processo que envolva recurso federal.

Esse trabalho ainda está em curso. A população precisa ter um pouquinho mais de confiança e paciência. Nós estamos trabalhando firme para propor as ações o mais rápido possível. Esse trabalho foi feito em conjunto com várias outras instituições, por exemplo, a Controladoria Geral da União (CGU), a Polícia Federal, o Tribunal de Contas do Estado e o Ministério Público Estadual. É um grande esforço, provavelmente inédito no Estado, para apurar irregularidades gravíssimas que ocorreram na administração do senhor Roberto Sobrinho.

Acontece que a partir da execução das operações, em dezembro/2012, a operação Endemias, no braço federal, e a operação Vórtice, no braço estadual, as instituições federais continuaram trabalhando no braço federal e as estaduais, no braço local.

A prisão do então prefeito aconteceu nesse braço estadual. O MPE pediu e obteve essa prisão. Mas, logo em seguida ela foi cassada por um ato do Tribunal de Justiça. Como nós não trabalhamos diretamente nessa operação, nesse trabalho específico, especialmente nessa prisão, fica muito difícil de avaliar as razões que conduziram á sua soltura.

De qualquer forma, falando em tese, não deixa de ser uma frustração, quando nós gastamos meses, ou anos, de trabalho árduo, e quem trabalha com o controle sabe o quanto é difícil buscar provas a respeito de irregularidades. Infelizmente, o crime organizado fica cada vez mais organizado e complexo. Então, quem trabalha nesse ramo sabe que é frustrante desenvolver um trabalho e o Poder Judiciário, por uma razão qualquer, razão essa, não rara, de difícil sustentação, por assim dizer, acaba promovendo solturas, não acolhendo nossas pretensões.

Por outro lado, há muito tempo, eu deixei de condicionar o meu trabalho, e a minha alegria em fazer meu trabalho, ao que o Judiciário vai fazer. Eu acho que cada pessoa tem seu próprio travesseiro, sua própria consciência. E cada pessoa tem que fazer o seu papel da melhor forma possível. Não tem cabimento em fazer o meu trabalho, só processar A, B ou C, se eu tiver certeza que o Poder Judiciário vai pensar da mesma forma que eu.

Nosso trabalho é feito com a máxima dedicação, com a máxima alegria e com o máximo empenho possível. Se o judiciário vai concordar conosco ou não aí é outra história. Ai é cabeça de juiz. Ele tem o travesseiro dele, ele tem a consciência dele.

É muito medíocre a gente achar que a justiça só é feita quando ganhamos a causa, porque do outro lado tem um advogado, uma pessoa que vai se defender. E essa pessoa pode ter razão e nos podemos estar errados.
É muito pequeno você pensar que a Justiça só é feita quando se ganha a causa. Não. Você deve fazer com que a Justiça seja feita. Se a outra parte tiver melhores fundamentos que você, paciência. Aí, o Judiciário é que vai arbitrar, que vai decidir tudo isso. O mais importante é que você faça sua parte, acreditando que está contribuindo para um país melhor. Faça com honestidade e boas intenções, se empenhe o máximo possível, principalmente, quando envolver atos de corrupção, que as pessoas que realmente mereçam paguem na Justiça.

Tudorondonia.com.br – Na segunda administração do prefeito Roberto Sobrinho, e aí a gente pode direcionar a pergunta para o caso dos viadutos, havia uma percepção geral que alguma coisa estava errada. Fazia-se o pagamento de parte da obra, como foi o caso com a construtora Camter, que recebeu dez milhões de reais e abandonou a obra, e o resultado é um trânsito caótico e obras inacabadas. O MPF demorou a agir nesse caso, ou agia, mas em função da pouca estrutura não foi possível interferir? Por que a prisão do prefeito somente ocorreu quando faltavam apenas vinte dias para acabar a gestão?

Reginaldo Trindade – Nós podemos abordar muitos aspectos para responder a essa pergunta. Primeiro: não me parece justo tributar essa conta – e o senhor. tem razão – essas pessoas barbarizaram o município. Não apenas o prefeito. Roberto Sobrinho. Ele e quase toda a administração. Boa parte dos integrantes do alto escalão barbarizou mesmo aqui na capital e a prova viva, manifesta, visível a olho nu, são essas obras paralisadas, e os viadutos são apenas o emblema maior. Mas não me parece justo tributar essa conta toda ao MPF. Na verdade, todos nós estivemos dormindo esse tempo todo. Eu, você, fulano, beltrano, as instituições de controle, etc.

O MPF, a polícia, as controladorias gerais, o Tribunal de Contas e toda a sociedade estiveram mesmo dormindo por muito tempo. Todos nós somos responsáveis pelo fato de a cidade chegar ao estado em que chegou. As instituições de controle, é óbvio, tem sua parcela de culpa muito maior. Elas são, natural e primariamente, responsáveis para conter esses desmandos. Só que, como eterno otimista que sou, tenho uma visão muito positiva disso, e a avaliação que faço é objetiva, concreta, fática.

Na administração anterior, do prefeito Carlinhos Camurça, que também não foi das mais virtuosas, isso agora falando só do MPF. Nessa administração, que andou cometendo suas diabruras, vamos dizer assim, só conseguimos processar o senhor Carlinhos Camurça e alguns membros da administração dele, mais ou menos cinco anos após eles terem deixado a prefeitura, no limite do prazo prescricional.

Em relação ao Roberto Sobrinho, nós conseguimos processá-lo, e desbaratar essa quadrilha toda ainda dentro do mandato dele. Foi no último mês do mandato? Foi. Mas foi num mês crucial. Foi no mês que tradicionalmente se raspa o tacho. Limpam-se todos os cofres municipais.

Então, avalio que da administração do Carlinhos Camurça para a do Roberto Sobrinho, nós saltamos em termos de eficiência e qualidade, mais ou menos cinco anos. Está muito longe do ideal? É óbvio. Jamais vou sustentar que a população tenha que amargar oito anos de roubalheira, desmandos desse ou daquele administrador para, no apagar das luzes, os órgãos de controle agirem. Ninguem vai sustentar isso.

Acontece que nossa estrutura, não apenas a do MPF, mas do MPE, Polícia, Tribunal de Contas, as controladorias gerais, todos temos uma estrutura muito deficitária, muito ruim mesmo, muito abaixo do minimamente razoável para desenvolver um trabalho de maior fôlego, eficiente, que estivesse mais próximo dos anseios da sociedade. Isso é fato. Nós não temos a estrutura minimamente adequada para desempenhar e dar conta de todos os problemas que nos chegam.

O que nos falta? Nos falta agir com estratégia, com sabedoria, com inteligência. Falta estreitarmos parcerias com os demais órgãos, afinal, estamos jogando no mesmo time. Minha avaliação é positiva, porque ganhamos em termos de velocidade e eficiência, de tempo a processar uma pessoa que, teoricamente, está cometendo desmandos em um cargo público. Nós tivemos um salto qualitativo, de um governo para outro, de algo em torno de cinco anos. Tem muito que melhorar? Com certeza. Mas, eu avalio que estamos no caminho certo.

Tudorondonia.com.br – E no caso dos viadutos, qual é o trabalho que o MPF está fazendo para tentar resolver esse problema criado com as obras inacabadas?

Reginaldo Trindade – A linha de atuação do MPF sempre foi em duas vertentes. A primeira, talvez até a mais grave, mais urgente, que interessa mais diretamente à sociedade é a conclusão dessas obras. Cada vez que essa obra é paralisada e retomada temos uma chuva de frustrações, de aumento do dinheiro que vai ter que ser empregado nessas obras. Tem o aumento do risco de novos prejuízos, de tragédias, etc., etc. Então é mito ruim que essas obras demorem tanto tempo para serem construídas.

Então o enfoque de nossa atuação é esse. Talvez o mais direto. A esse respeito, fizemos uma audiência pública em 2011, e ingressamos com uma ação judicial, no início de 2013, e conseguimos determinação judicial para que a prefeitura e o DNIT apresentem um plano de trabalho que compreenda todas as ações necessárias para a definitiva conclusão dessas obras, inclusive definindo prazos.

A partir do momento em que se definem prazos fica mais fácil. O próprio cidadão pode nos ajudar a desempenhar nosso trabalho. Esse enfoque está bem encaminhado, na medida do possível, porque desde então nós participamos de uma audiência pública muito dura contra a prefeitura. E aí, a administração municipal, feliz ou infelizmente, “devolveu” as obras para o DNIT. O DNIT tem todos os problemas possíveis. Está saindo de uma greve, se é que saiu.

Vamos continuar fiscalizando e acompanhando isso. Não vamos sossegar enquanto essas obras não forem concluídas. Já peticionamos nessa mesma ação judicial para que a Justiça Federal intime o DNIT para que este órgão diga quais ações vai desenvolver, possibilitando que todos nós possamos fiscalizar e acompanhar.
Esse é uma obra que interessa a toda a sociedade de Porto Velho e todos nós temos que estar vigilantes. Não podemos dormir de forma alguma, se não, vai entrar 2014, 2115, 2016 e essas obras vão estar inacabadas gerando toda sorte de aborrecimentos e prejuízos aos cofres públicos e a sociedade é quem estar pagando a conta.

Outro enfoque das nossas ações é a responsabilização de todas as pessoas que, eventualmente, por ação ou omissão, por dolo ou culpa, tenham contribuído de alguma forma para esse absurdo que são essas obras dos viadutos. Essa é uma atuação difícil, muito técnica. Nós dependemos de um assessoramento técnico de primeiríssima qualidade.

As pessoas pensam que a Camter paralisou e vamos responsabilizá-la. A mesma coisa é a Engesa. As coisas não são tão simples quanto parecem. Para ingressar com uma ação contra a Camter e a Engesa, contra o Israel Xavier ou contra o ex-prefeito Roberto Sobrinho eu preciso de evidências razoáveis de que essas pessoas cometeram irregularidades.
Nós estamos trabalhando firmes para identificar essas responsabilidades e submeter essas pessoas, físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, aos rigores da lei.

Tudorondonia.com.br – Outro caso emblemático da inação, ou da inoperância da administração passada são os conjuntos habitacionais inacabados, hoje invadidos. Qual é a ação da MPF nesse caso?

Reginaldo Trindade – Essas obras, ou pelo menos algumas delas, contam com recursos federais e estão no mesmo contexto da operação Sempre/MPF, isso no âmbito do meu ofício de combate à corrupção e à improbidade administrativa. Essas obras estão também neste contexto de investigação. Nós estamos trabalhando arduamente para conseguir, principalmente, a perícia técnica e esperamos ingressar com essas ações o mais rápido possível.

O outro problema social gravíssimo que é a construção em si. Sobre as invasões e as várias famílias que tem interesse direto e indireto nessa questão, esse aspecto especificamente, não fica ao nosso encargo. Fica sob a responsabilidade de outro colega.

Tudorondonia.com.br – No caso dos viadutos, o senhor está em paz com o seu travesseiro?

Reginaldo Trindade – Com certeza. Estou completamente em paz com o meu travesseiro. Nós, do MPF, estamos indo muito além do que nos seria uma responsabilidade natural, própria, comum nossa. Seria muito cômodo para mim. Eu ingressei com essa ação judicial em janeiro ou fevereiro desse ano. Conseguimos uma ordem judicial para a apresentação de um cronograma e dos prazos para a conclusão de todos os serviços.

A partir do momento em que ingressamos, nós chegamos ao limite da nossa atuação, se consideramos audiências públicas, recomendações e TAC (Termos de Ajuste de Conduta), como atos preparatórios para uma ação judicial, como momento culminante da nossa atuação, poderia dizer que fomos muito além disso. Não nos limitamos a realizar várias atividades extrajudiciais, e ingressar com uma ação judicial. Estamos indo muito além. Nesse ano, já participamos de várias reuniões, uma audiência pública e estamos, sistematicamente, cobrando a prefeitura e o DNIT. Nossa atuação judicial e extrajudicial foi até além do que seria normal, do que seria comum para a atuação do MPF.

Estamos completamente em paz com o nosso trabalho. Mas se você perguntar: o senhor está feliz coma situação dos viadutos? Não. De forma alguma. Sou cidadão e sofro como qualquer pessoa nessa cidade. Mas isso, de forma alguma, pode ser tributada à nossa atuação. Nós fizemos muito além do que seria razoável esperar da nossa parte. E continuaremos fazendo com muita alegria e satisfação porque creio que estamos no caminho certo.

Tudorondonia.com.br - Em relação à construção das Usinas do Madeira, como se dá a atuação do MPF e como o senhor avalia os impactos, como o desbarrancamento aqui em Porto Velho, de alguns pontos turísticos e também nas localidades à margem do rio Madeira. O MPF tem proposto alguma ação nesse sentido?

Reginaldo Trindade – A questão das usinas tangencia várias áreas de atuação do MPF.

Tudorondonia.com.br - Por exemplo?

Reginaldo Trindade – A área mais diretamente envolvida é a questão do meio AM ambiente. Seja natural ou urbano.

Tudorondonia.com.br - O patrimônio histórico.

Reginaldo Trindade – O patrimônio histórico, também. A questão das minorias, índios, ribeirinhos, etc. A questão dos direitos humanos, o impacto disso na saúde, na educação, na segurança e também tangencia a questão do meu ofício de combate à corrupção e defesa da probidade administrativa. Especificamente ao meu ofício, temos uma investigação sobre a regularidade dos financiamentos públicos dessas construções.

Tudorondonia.com.br - Sobre as compensações?

Reginaldo Trindade – Não as compensações, mas o dinheiro público que foi gasto, de bancos e instituições, em particular do BNDES e da Caixa Econômica Federal, envolvido nestas construções, e agora com o viés dos impactos.
Infelizmente não posso detalhar nesse momento qual nossa linha de atuação, porque o caso ainda está em investigação. Mas, o que eu posso dizer é que estamos coletando evidências de que muito dinheiro público envolvido nestas construções foi gasto sem a observância de todas as regras e normas devidas, em relação ao meio ambiente, em relação aos impactos, etc.

Essa conta, nós já pagamos e, eventualmente, continuamos a pagar, com todo esse estrago que está sendo feito na capital. Estamos coletando evidências para daí pensar numa estratégia de atuação.

Tudorondonia.com.br - Os seus desafetos, ou aquelas pessoas atingidas pela ação do MPF alegam, vez por outra, que o senhor atua com um viés político. O senhor leva em conta a cor partidária do investigado ou tem uma atuação meramente republicana?

Reginaldo Trindade – Nós não olhamos a cara de quem nós acusamos. As pessoas que cometem irregularidades e chagam pra nós, vamos processá-la. Tenho dezesseis anos de Ministério Público, entre MPF e MPE. Processei todas as autoridades possíveis no Estado. Processei prefeitos, deputados, senadores, governadores, diretores de órgãos e instituições. Aqui não escapa ninguém. Se a pessoa erra e for meu parente, me dou por suspeito. Se errou e não é parente nem amigo – e eu tenho pouquíssimos amigos a ponto de me declarar suspeito – nós processamos. Esse tipo de alegação faz parte.

Geralmente, a pessoa se apega a isso. Quanto mais verdadeira a acusação, mais a pessoa se volta contra o acusador. É muito cômodo. A pessoa se esquece que está sendo acusada de corrupção, de improbidade e de ter roubado o dinheiro público, para se voltar contra o acusador, na tentativa de desqualificá-lo. Infelizmente, no Brasil, isso é utilizado de forma muito escandalosa, muito torpe, muito escancarada, muito vil. Mas nós estamos com a consciência absolutamente tranqüila de que estamos fazendo o nosso papel, e continuaremos, doa a quem doer.

Ai daquele que achar que por ostentar um cargo público, por ser endinheirado, por ter uma grande poder político ou econômico, que está livre da ação do MPF. A pessoa que tiver essa consciência poder acordar, um belo dia, na cadeia, processada, com os bens em indisponibilidade, etc. E essa experiência pode ser dolorosa.

E a prova maior do caráter republicano, institucional, puramente funcional de nossa atuação é que nossas ações têm sido acolhidas pelo Poder Judiciário. Vou dar um exemplo só, emblemático. E o caso envolvendo o senador Ivo Cassol. Nós concluímos uma investigação em Rolim de Moura, ainda quando era promotor de justiça do estado e ele era prefeito. Mas, na época em que concluímos, ele já era governador. Ingressamos com oito ações de improbidade administrativa. Como ele era governador, a questão criminal teria que ingressar no Superior Tribunal de Justiça (STJ), pela Procuradoria Geral da República. Extraímos cópia desse material da nossa investigação e mandamos para a PGR, que denunciou o senhor Ivo Cassol ao STJ, recebida pela unanimidade.

Posteriormente, ele assumiu uma vaga no Senado e o caso foi para o Supremo Tribunal Federal (STF) e, em julho ou agosto desse ano, ele foi julgado e condenado por unanimidade pelos ministros do Supremo.

Onde está a pessoalidade, a parcialidade dessa atuação? Se for pessoal, como é que uma ação é recebida por unanimidade pelo STJ e depois é acolhida integralmente pelo STF? A evidência maior da regularidade de nossa atuação, é isso.

O poder judiciário, invariavelmente, tem concordado com nossa tese. Sem falar que, não raras pessoas nos representam na Corregedoria, no TRE, no Conselho Nacional do Ministério Público. É impressionante como eu coleciono representações e todas foram sepultadas, foram arquivadas e em todas elas se reconheceram a regularidade da nossa atuação.

Tudorondonia.com.br - Como membro do MPF, qual sua opinião sobre o atual estágio do julgamento do Mensalão?

Reginaldo Trindade – Eu sempre espero e confio muito nas pessoas e nas instituições. Acredito piamente que tanto o STF como a Procuradoria Geral da República estão agindo com boa fé, honestidade e voltados para o interesse público. Esse é um caso emblemático. Esse é um caso que, no país inteiro, nós ansiamos que nos aumente a esperança de dias melhores, porque, mais cedo ou mais tarde - e a gente espera seja o quanto antes -, pessoas do mais alto escalão do governo, que se achavam absolutamente intocáveis, insuscetíveis de qualquer responsabilização, pagarão suas penas, sejam elas quais forem.

A sensação nossa é a melhor possível. Reforça a sensação que já tenho a muito tempo de que o Brasil e nós estamos todos no caminho certo, da ética e da transparência, que o país tem jeito, sim.

Esse é um processo lento, sinuoso, cheio de curvas, um caminho com altos e baixos. Não pense que são apenas flores nesse caminho. Mas é um caminho rumo a um país mais justo, em que pessoas que estejam no serviço público tenham mais responsabilidade e maior decência. Essa é a avaliação que tenho do processo do Mensalão, a despeito de tudo.

Tudorondonia.com.br - O MPF atua com a mesma intensidade, com a mesma desenvoltura nos outros municípios, e a gente não percebe porque Porto Velho está mais próximo? Ou aqui tem uma estrutura melhor e faz um acompanhamento mais intenso das ações do poder público?

Reginaldo Trindade – Veja bem. Atualmente, nós temos representação em Porto Velho e Ji-Paraná. Em Vilhena ainda não foi sequer instalada e são procuradorias muito recentes, criadas esse ano. Falando apenas da questão da improbidade administrativa, feliz ou infelizmente, eu sou o único procurador que tem permanecido aqui há muito tempo.

Tudorondonia.com.br - Por uma opção pessoal?

Reginaldo Trindade – Por uma opção pessoal. Desde 2004, quando eu passei no concurso para o MPF, poderia até ter assumido em minha cidade, Uberaba, mas fiquei aqui porque tenho raízes, gosto daqui, meus familiares estão aqui, devo muito ao Estado. Por uma série de razões permaneci aqui e tenho ficado aqui.

A partir do momento em que um determinado procurador – não precisa ser necessariamente eu – permanece num local por muito tempo, ele consegue desenvolver um trabalho e aí as investigações vão amadurecendo e se chega num estágio que consegue ingressar com as ações judiciárias.

Esse é o caso aqui da capital. No caso do interior, especificamente Ji-Paraná, porque as outras duas são muito recentes mesmo. Na verdade, os procuradores ainda não estão sequer trabalhando nas cidades – não tem como avaliar.

Mas, em relação à Ji-Paraná, os colegas estão completamente assoberbados, muitas responsabilidades, muitas preocupações, muitas dificuldades. Ji-Paraná é relativamente recente, se não me engano, é de 2007 ou 2008 a instalação da Procuradoria em Ji-Paraná. Sem falar que houve duas ou três trocas, ou mais, nesse período. E aí fica difícil desenvolver um trabalho.

Mesmo assim, eu tenho acompanhado à distância, e os colegas têm feito aquilo que podem, aquilo que está ao alcance deles. É isso que um homem público precisa fazer. Principalmente em se tratando de corrupção, de improbidade administrativa. Os problemas em Rondônia chegaram a um nível tal de comprometimento de variadas pessoas dos mais altos escalões do poder público que os órgãos de controle vão ter de render mais do que podem. É essencial porque se não, nós não daremos conta de chegar nem perto dos anseios da sociedade. Precisamos render mais do que podemos. Precisamos estreitar as parcerias, somar esforços e nos conscientizar que nós somos os mocinhos. Precisamos nos organizar para combater o crime organizado.

Tudorondonia.com.br - Vamos falar da reserva Cinta Larga? O procurador tem uma atuação muito firme, muito presente naquela reserva indígena. Qual o propósito dessa atuação?

Reginaldo Trindade – O propósito é amenizar – não digo resolver porque é quase utópico – ao menos amenizar a dramática situação que aqueles índios vivem. Contrariamente ao que todos pensam, os índios passam fome, toda sorte de privações, sofrem com a falta de assistência na saúde, na educação, nas moradias, nas estradas deles e tem sobrado preconceito contra eles. Tem um garimpo de diamantes nas terras deles. Se o governo federal não fizer a sua parte, esse garimpo, mais cedo ou mais tarde, vai impor a extinção do povo cinta-larga. Nosso trabalho tem sido no sentido de amenizar o problema dos índios com o objetivo muito claro, nessa atual quadra do nosso trabalho, que é esclarecer o Governo Federal, abrir-lhes os olhos, acuar, se preciso for, porque ele é o responsável por ter deixado ela situação chegar ao ponto que chegou.

Tudorondonia.com.br - Dizem que há figuras relacionadas com Poder Público, de grande poder econômico, envolvidas na questão do garimpo. O MPF já detectou se há políticos, ou grandes empresários, envolvidos no garimpo ilegal da Reserva Cinta Larga?

Reginaldo Trindade – Desde que o garimpo foi impulsionado, há 15 anos, a partir de 1999/2000, os trabalhos do MPF, em conjunto com a Polícia Federal, evidenciam isso. Tivemos delegados da Polícia Federal, servidores do IBAMA, da FUNAI, advogados, políticos, enfim, muitas pessoas envolvidas com essa praga desse garimpo de diamantes. Esse histórico, por si só, já nos autoriza a dizer que existe muita gente graúda interessada nesse estágio que a coisa se encontra. Além disso, sempre tivemos a desconfiança de que é muita incompetência, muita omissão para um governo só.

Claro que essa questão do garimpo, da mineração em terras indígenas, é muito complexa, muito mais ampla. Pelo que nós acompanhamos, não enxergamos a mais mínima boa vontade, a mínima preocupação em resolver o problema dos índios.

Tudorondonia.com.br - Especificamente nesse tópico, o MPF, ou o procurador Reginaldo Trindade, é contra ou a favor da legalização do garimpo nas áreas indígenas e, no caso específico, na reserva Cinta Larga, que seria a maior reserva de diamantes do mundo?

Reginaldo Trindade – Somos contra, mas também a favor.

Tudorondonia.com.br - Como elucidar esses dois polos?

Reginaldo Trindade – Depende muito em que termo vai vir essa regulamentação. Costumo dizer que é um erro acreditar que com uma lei se vai resolver os problemas da sociedade. No caso específico, e se vier, ela pode até agravar os problemas dos índios Cinta Larga, e todos os povos indígenas que tenham, eventualmente, minérios em suas terras.
Por exemplo: tem um ponto que me parece capital que é o poder de veto das comunidades indígenas. Na sistemática que está sendo desenhada, o Congresso Nacional é quem vai dar a palavra final, vai ouvir as comunidades indígenas. No modelo apresentado atualmente no projeto, se os índios disserem que não querem mineração em suas terras, mesmo assim, o Congresso pode autorizar a mineração nessas terras desses índios que disseram não.

Esse é um ponto absolutamente crucial. Se o projeto passar dessa forma, vai ser uma grande violência contra os povos indígenas do país. É a mesma coisa que quisessem fazer algo na minha ou na sua casa, e nós disséssemos não, e mesmo assim, o governo passasse por cima disso. É uma violência grande.

Se o projeto passar dessa forma vai ser muito ruim. Infelizmente, nós teremos muitos povos indígenas pegando em armas para guerrear e não aceitar isso. Não se nem onde nós vamos parar.

Especificamente com relação ao povo Cinta Larga, essa regulamentação de forma alguma vai resolver o problema deles, se o governo continuar omisso, indiferente, dando de ombros. E nós vamos ter uma situação ainda pior porque o garimpo que atualmente é ilegal vai estar, em tese, regularizado, regulamentado.

Não vou negar. Não vou ser inocente a ponto de acreditar que teremos todas essas riquezas no sobsolo do povo Cinta Larga e eles passando fome e todo mundo feliz da vida. Essa visão romântica, talvez inocente, não cabe de forma alguma. Mas não posso acreditar que essa regulamentação venha resolver o problema dos índios.

Tudorondonia.com.br - Há algum tempo atrás, a mídia nacional noticiou seu seqüestro por aqueles índios. Houve mesmo o seqüestro ou o senhor simulou essa situação, combinou com os índios como forma de chamar a atenção do Brasil para a problemática do povo Cinta Larga?

Reginaldo Trindade – Esse incidente aconteceu em dezembro/2007. Não houve simulação de forma alguma. Se houve sequestro ou não, eu não sei por que não me cabe julgar. O que eu tenho certeza absoluta é que nós fomos detidos pelo povo Cinta Larga e pelo povo Suruí, de 8 a 11 de dezembro/2007, de sábado a terça-feira.

Fomos contatados por um funcionário do Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU. Trocamos vários e-mails. Ele dizia que a ONU iria ministrar um curso para os índios lutarem por seus direitos, no âmbito internacional. Falamos do nosso total interesse em participar e fomos à terra indígena com esse propósito. Chegamos ao sábado, às 10 da manhã. Os índios já estavam reunidos. Os trabalhos começaram logo depois do almoço. Na primeira manifestação dos índios, já deixaram bem claro que nós não sairíamos de lá.

Sucederam-se várias manifestações vigorosas, para não dizer violentas, de que nós ficaríamos presos na terra indígena.

Eram manifestações vigorosas, mas não houve violência contra nós. Eles queriam a presença do presidente da FUNAI nesse evento. Mas ele não foi e eles ficaram indignados e resolveram nos deter na aldeia Roosevelt. As manifestações foram violentas, vigorosas, com machadadas na mesa, murros na mesa, ameaçaram tocar fogo nos documentos que eu tinha. Os índios estavam completamente indignados.

Essas manifestações só foram amenizadas quando eu falei, quando o representante da ONU falou, por volta das 17h30 às 18h, do sábado ainda.

Eu disse a eles que estavam cobertos de razão. Falaram o que é verdadeiro, que o governo federal os abandonou, que passam fome, que são vilipendiados nos seus direitos mais elementares.

Eu falei que eles estavam canalizando seus esforços e sua ira contra pessoas erradas. Nós estamos o mesmo barco que vocês. Nós sofremos tanto quanto vocês. Para nós é frustrante. Era frustrante naquela época e hoje em dia é frustrante, reunir com esses índios e ouvir a mesma ladainha, as mesmas reclamações que ouvia cinco, dez anos atrás, e saber que continuamos praticamente na mesma.

Em princípio, quando as manifestações começaram a acontecer, eu fui pego absolutamente de surpresa. Meu plano não era dormir na aldeia. Era trabalhar e voltar para pernoitar em Espigão do Oeste. Fui pego de surpresa. Não esperava por aquilo. Jamais concordaria, de forma alguma. Fiquei, em princípio, chateado, talvez até indignado. Cheguei até a pensar em deixar de trabalhar com eles, pela quebra da confiança.

Mas, pensei melhor porque o povo Cinta Larga está em uma situação extrema e um povo em uma situação extrema tende a adotar, em algum momento de sua história, atitudes excepcionais. Pensei que eles não estavam agindo por maldade. Apesar das manifestações vigorosas não fizeram maldade física nenhuma comigo nem com as outras pessoas.

Continuamos trabalhando. Desde então construímos uma relação de muita confiança, muita reverência, de respeito mútuo e superamos completamente o incidente. Só saímos quando o presidente da FUNAI, Marcio Meira, compareceu na aldeia Roosevelt e nos libertou a todos.

Essa história de que houve sequestro de mentirinha foi uma publicação infeliz por parte da revista VEJA, que alguns veículos de comunicação do Estado exploraram o quanto puderam.

Na raiz disso tudo estava, em 2008, uma grande conspiração para, senão nos destruir, mas nos causar o máximo de problemas possíveis, jogar o máximo de lama possível na nossa atuação. Desacreditar o nosso trabalho. E a prova mais evidente disso tudo é que muitas daquelas pessoas que estavam envolvidas nessa conspiração, foram recentemente processadas pelo MPF, num trabalho desenvolvido por outros colegas, e sou vítima nesse contexto. Os colegas ingressaram com uma ação de improbidade administrativa contra essas pessoas. 2008 foi um ano muito complicado, muito difícil, respondemos a representações na Corregedoria do MPF, no Conselho Superior do MPF, no Conselho Nacional do Ministério Público, até na OAB. Mas, felizmente, conseguimos superar todos esses obstáculos, porque o MPF, não eu, é muito maior do que todo isso e, felizmente, a verdade está do nosso lado.

Tudorondonia.com.br - Eu queria fazer um contraponto às suas afirmações de que o povo Cinta Larga vive em situação difícil, até passa fome. Quando a gente circula na região de Cacoal, Espigão e Pimenta Bueno, a gente vê os índios, não sei se são os líderes ou se são todos, circulando em caminhonetes caras, carros de luxo. E houve informações que o garimpo na terra indígena contaria com a anuência de alguns líderes daquela nação. Isso é verdade ou mentira? E como o senhor vê a questão dos índios serem proprietários de carros de luxo?

Reginaldo Trindade – A partir do momento em que o governo do Brasil não faz a parte dele, propicia que outras pessoas preencham essa lacuna. E essas pessoas, raramente, estão bem intencionadas. Elas querem espoliar, querem roubar os índios. Isso não vem só dos diamantes, não vem só dos últimos quinze anos. Vem dos últimos trinta, quarenta anos, também com a questão da madeira. A lógica é essa.

A partir do momento em que o governo fez o contato, ele levou doenças, violência, vícios e toda sorte de coisa ruim para os índios. Eles não conseguem mais sobreviver lá no mato sem esse contato, sem essa interface com a sociedade não índia. Para isso, eles precisam de dinheiro, de saúde, de educação, como nós precisamos. E o governo não possibilita que eles adquiram essa autossustentabilidade.

É o que acontece? Os índios são forçados a se envolver em atividades criminosas, falemos sem rodeio. Nós não desconhecemos que, em algum momento, algumas lideranças tenham se envolvido com atividades criminosas – madeira e diamantes -. O que nós defendemos é que eles são mais vítimas do que bandidos nessa história. A partir do momento em que o governo não propicia os meios mínimos para a autossustentabilidade do povo Cinta Larga, ele permite que outras pessoas acabem cooptando algumas lideranças.

De dez mil índios Cinta Larga, nós estimamos entre dez ou vinte, uma quantidade ínfima, que estiveram envolvidas com a extração irregular de madeira e diamantes. Esse “lucro” era gasto com carro, uísque, casa, bebedeira, etc. Na verdade, o mais equivocado é achar que os índios Cinta Larga são milionários, como muita gente alardeia, e como a própria FUNAI já alardeou. O discurso da FUNAI de que o povo Cinta Larga não precisa de ajuda do governo por que tem garimpo de diamantes, é uma ideia destorcida, preconceituosa e ignorante, desculpe a expressão.

Mesmo os índios que eventualmente participem dessas atividades criminosas, um ou outro tem carro, sim. Mas para se ter uma ideia, nós fazemos eventos aqui em Porto Velho. Se eles não contarem com a boa vontade da FUNAI, da SESAI (Secretaria de Saúde Indígena), ou mesmo da Canindé, uma ONG que trabalha conosco, para bancar o combustível, eles não tem dinheiro para vir à capital.

Esqueça a ideia de que o povo Cinta Larga é milionário. O povo Cinta Larga está, sim, passando fome. Temos algumas poucas lideranças envolvidas com atividade criminosa, mas eles têm feito isso por conta da omissão. Na raiz de tudo está essa omissão selvagem do governo federal.

Tudorondonia.com.br - O senhor que acompanha com bastante atenção a legislação indígena brasileira, concorda com a retirada do poder de demarcar terras indígenas da FUNAI para o Congresso Nacional?

Reginaldo Trindade – De forma alguma. Se está ruim nas mãos da FUNAI, que ainda é o órgão que está institucionalmente vocacionado para defender os índios, que dirá colocar essa responsabilidade no Congresso Nacional. Diga-me um deputado que é índio. Um deputado ou senador que defende abertamente, com coragem, os interesses dos índios. Temos pouquíssimos. Talvez, nenhum.

Em contrapartida, a bancada ruralista conta com dezenas de parlamentares. Sem falar que o Congresso Nacional está sujeito a uma gama variada de interesses. O interesse que menos vai ser defendido ali é o interesse do pobre e do índio. Essa regulamentação, se passar, vai ser o maior retrocesso na luta pela defesa dos povos indígenas. Vai ser muito ruim.

Essa atribuição demarcatória é do poder executivo, não é do Congresso Nacional, de forma alguma. Eu ando com muita preocupação, assim como todo o movimento indígena. É importante que a sociedade tenha conhecimento e acompanhe isso. Os povos indígenas do país foram massacrados nesses quinhentos anos. O governo atual não tem interesse algum na defesa dos povos indígenas. A situação tende a piorar ainda mais se isso sair da FUNAI para o Congresso Nacional.

Tudorondonia.com.br - Estamos encerrando nossa entrevista, mas tem três perguntas que eu não poderia deixar de fazer. A primeira: nós temos uma ponte inacabada, construída com recurso federal, aqui em Porto Velho. Está pronta, mas a população não pode usar porque não foi providenciado o deslocamento dos moradores do entorno para concluir a cabeceira da ponte. Lá no Abunã, temos uma situação grave. O transbordo do rio é feito por balsa e há mais de vinte anos se propaga a construção daquela ponte e toda vez que sai a licitação, entra uma ou outra empresa e contesta e a Justiça acaba postergando o início desse processo. O MPF, através da Procuradoria de Rondônia tem acompanhado o caso?

Reginaldo Trindade – Antes de responder, só me permita voltar um pouco à questão dos Cinta Larga, que acabei esquecendo um aspecto crucial do nosso trabalho. Nós trabalhamos quase dez anos nesta questão. Inclusive, nós assumimos bem na época da morte dos vinte e nove garimpeiros.

Tudorondonia.com.br - Em 2007?

Reginaldo Trindade – Em 2004. Assumimos dia 29 de março. Dia 7 de abril morriam os vinte e nova garimpeiros. Tivemos uma atuação maciça, expressiva. Foram dez ações propostas, nove recomendações, mais de cem reuniões. Uma atuação de fôlego, expressiva. E nós conseguimos muito pouco. Quase nada. E não conseguimos porque nos falta o essencial, a espinha dorsal, que é a boa vontade política do governo federal.

Reconhecendo com certa humildade nossas limitações, entendo que o problema está muito acima de nossas forças. Reconhecendo que temos muitas idéias e pouquíssima capacidade para executar essas idéias, nós constituímos, em abril desse ano, uma parceria com a sociedade chamada Grupo CLAMOR, que significa Cinta Larga Amigos em Movimento pelo Resgate.

A estratégia é somar esforço com a sociedade e procurar sensibilizar as pessoas de bem, principalmente no Estado, e fora dele, que queiram nos ajudar nessa causa. O Grupo CLAMOR já está trabalhando firmemente. No bojo do Grupo CLAMOR nós conseguimos emplacar uma reunião com o governador, com o presidente de Assembleia Legislativa, com vários deputados, juízes e membros do Ministério Público.

Em uma dessas reuniões, o senador Acir Gurgacz, que também estava presente, conseguiu a aprovação de uma audiência pública no Senado Federal. Esse trabalho do Grupo CLAMOR é uma parceria que conta com mais de trinta pessoas de nossa sociedade e vai frutificar. Vai gerar resultados mais positivos que esse povo indígena tanto precisa. É uma nova dimensão do nosso trabalho e eu tenho muita fé.

Tudorondonia.com.br – E sobre as pontes?

Reginaldo Trindade – Respondendo à sua pergunta. A questão envolvendo as duas pontes é alvo também de investigação do MPF. Nós temos procedimento para acompanhar essas duas pontes, que envolve recursos federais. As duas situações estão sob nossa investigação.

Infelizmente, não podemos detalhar em que pé está isso, e principalmente, o que nós vamos fazer. O que eu posso garantir é que são duas questões graves, elencadas como prioritárias, assim como é o caso das usinas do Madeira. Temos seiscentas ações em curso. Dessas, vinte ou trinta casos são elencadas como prioritários. Dessas vinte, cinco, pelo menos, justificariam sozinhas a nossa atuação. Eu posso até exemplificar: o caso da Prefeitura de Porto Velho, o caso da Unir, o caso dos Cinta Larga, embora não seja de combate à corrupção, mas também está no nosso ofício.

No caso da Prefeitura de Porto Velho temos serviço que justificaria todo nosso efetivo. Nosso trabalho tem sido pensar estratégia, diuturnamente, para colher alguns frutos, mesmo diante dessa montanha de serviço (apontando para uma pilha de inquéritos identificados com uma tarja vermelha, que significa prioridade -, muito superior às nossas forças. Mas, vamos chegar a algum lugar. Nós faremos tudo que estiver ao nosso alcance para moralizar, para responsabilizar os agentes públicos que, eventualmente, não se comportarem bem ou cometerem desmandos com o dinheiro público.
Nossa atuação está muito longe do ideal. Mas, eu gostaria de deixar bem claro: vamos dar andamento, de acordo com os anseios e esperanças da sociedade. Não é por culpa nossa ou porque gostamos dessa ou daquela pessoa. Não é por nenhuma razão não republicana. É porque realmente é muito serviço pra poucas pessoas.

Tudorondonia.com.br – Pelo tamanho das encrencas que o senhor enfrenta, o senhor não teme pela sua vida, ou dos seus familiares?

Reginaldo Trindade – Eu tenho certo receio. O nosso trabalho é um trabalho de risco. Muito perigoso. Nós mexemos com bandidos. São pessoas que roubam o dinheiro público. A gente não sabe até aonde vai a má índole dessas pessoas, até aonde elas podem ir.

Eu estaria até sendo inocente demais se dissesse que não tenho medo. Mas esse receio não nos impede de fazer o que é certo. Nós continuamos a processar as pessoas que mereçam ser processadas.

Nós evitamos facilitar os trabalhos da bandidagem. Adotamos alguns cuidados. Não posso dizer quais são por questão de segurança. É normal ter receio, principalmente, porque não sou sozinho no mundo. Tenho meus familiares. Agora, a bandidagem deve saber que se fizer alguma coisa contra meus familiares ou contra mim, no dia seguinte teremos trinta procuradores do país inteiro aqui em Rondônia e eles vão virar este estado de pernas pro ar.

Nós temos a tranqüilidade de saber que a instituição (MPF) e a Justiça estão conosco. A gente precisa ter fé. Para ser uma pessoa honesta, uma pessoa de bem num mundo tão desigual, tão injusto, a gente precisa acreditar que está fazendo a coisa certa e que uma força superior vai nos proteger. E ela tem nos protegido. Essa proteção nos acompanha há muito tempo. Eu já tive vários momentos em minha vida profissional e pessoal em que tive a certeza absoluta que a gente é protegido, que há uma força superior que nos vela e guarda.

A gente tem que seguir firme. Com coragem. Com honestidade e fazendo o que é certo. E detalhe: coragem não é ausência de medo. A pessoa que é corajosa sente medo também. Só que esse medo não impede essa pessoa de fazer o que é certo.

Tudorondonia.com.br – Além de atuar na frente de combate à improbidade administrativa, o senhor também tem uma atuação dura no MPF Eleitoral. O senhor disse que confia que o Brasil está avançando e a sociedade deve acreditar. O senhor reputa a Lei da Ficha Limpa como um desses avanços? Qual a sua opinião a respeito dessa Lei?

Reginaldo Trindade – Ela é um avanço. É um instrumento jurídico muito interessante para a gente banir – e não tem outra palavra para definir isso – da vida pública, mesmo que provisoriamente, por alguns anos, aquelas pessoas que não forem dignas, que não forem decentes, que não forem dignas de nos representar a todos no executivo e no legislativo.

Foi um avanço. Mas achar que a Lei da ficha limpa, por si só, vai dar um jeito nesse país, nos parece demais. É um avanço que precisa ser bem absorvido por todos nós, principalmente, pelos tribunais.

A Lei da ficha limpa tornou inelegíveis as pessoas condenadas por improbidade administrativa. Só que essa condenação depende de vários requisitos. Se os tribunais se acovardarem na aplicação das leis quando forem julgar ações de improbidade, então a Lei da ficha limpa terá prestado um desserviço à nação.

Os tribunais já são naturalmente conservadores, em se tratando e improbidade administrativa. É uma raridade você conseguir as penas de perda de cargo e de suspensão dos direitos políticos, que considero as mais graves, principalmente, quando envolve políticos. Então, é uma raridade se conseguir uma condenação dessa natureza.

E se os tribunais forem ainda mais conservadores, ainda mais receosos de fazer Justiça, de fazer o que é certo, por não quererem que aquela condenação por improbidade, justifique uma inelegibilidade, então a Lei da ficha limpa vai piorar a situação do país. Mas eu sou sempre otimista. Devemos ser sempre otimistas. Sempre esperar o melhor das pessoas. No caso da lei da ficha limpa, nós esperamos que seja um divisor de águas para realmente fazer uma faxina na política brasileira, para que pessoas que não ostentem condições morais de nos representar, no Legislativo e no Executivo, não possam nem concorrer a esses cargos.

Tudorondonia.com.br – Qual sua mensagem para o povo de Rondônia?

Reginaldo Trindade – Minha mensagem é: tenha fé e esperança. Mas não é no MPF. Não é no procurador Reginaldo Trindade. Tenha fé no ser humano. As coisas estão muito difíceis. Nós sabemos o tanto que nossa saúde é ruim. O tanto que nossa educação é ruim. Que a segurança fica cada vez mais complicada. Mas precisamos acreditar que estamos no caminho certo. Precisamos acreditar que existem pessoas de bem. Que a maioria das pessoas existentes na sociedade é do bem, pessoas honestas, pessoas cumpridoras de suas obrigações. Precisamos nos agarrar a isso. Ter fé no ser humano e continuar em frente. Tem que assumir o seu papel na construção de um país e de um estado melhores.

Tudorondonia.com.br – Muito obrigado pela entrevista.

Reginaldo Trindade – Eu é que agradeço pelo espaço para divulgar o trabalho do Ministério Público Federal no estado de Rondônia.