Entrevista da Semana - O pioneiro Miguel Arcanjo conta a aventura de viver em Porto Velho há mais de seis décadas

Em entrevista concedida a Carlos Araújo, o comerciante e pioneiro conta histórias e estórias da Porto Velho construída por desbravadores que, assim como ele, chegaram aqui para construir riqueza e constituir família.

Publicada em 01 de December de 2013 às 13:05:00

Por Carlos Araújo


Aos 87 anos e há 63 vivendo em Porto Velho, Miguel Arcanjo fez fortuna e família, mas se diz um homem simples que não gosta de ostentação

Ele saiu do Ceará ainda menino, nos anos 1940, acompanhando um conhecido da família que se encaminhava para a Amazônia, onde se tornaria soldado da borracha. O destino inicial era o então longínquo território da Roraima, onde queria trabalhar no garimpo. Conseguiu garimpar algumas pedras de diamantes e resolveu mudar de atividade.

Convencido por um amigo, a bordo do navio em que voltava do Ceará, para onde teria retornado apenas com o intuito de comprar rede, cigarro e outras miudezas para revender na Amazônia, o jovem Miguel Arcanjo Filho, resolveu mudar seu destino e, ao invés de retornar aos garimpos de Roraima, veio parar em Porto Velho, quando a cidade ainda dava seus primeiros passos como aglomerado urbano. Muito comunicativo e focado no objetivo de ganhar dinheiro no comércio, fez amizades, conviveu com várias gerações de políticos e hoje é um dos pioneiros, talvez o mais antigo em atividade no ramo da venda de material de construção, com sua Construferro, instalada há cerca de 40 anos à Rua Duque de Caxias.

O tudorondonia.com.br conversou com o comerciante e pioneiro Miguel Arcanjo para a Entrevista da Semana ouvindo dele histórias e estórias da Porto Velho construída por desbravadores que, assim como ele, chegaram aqui para construir riqueza e constituir família. Considerado um homem rico, dono de inúmeros imóveis em Porto Velho, Miguel Arcanjo é um simples, que não ostenta carro do ano, está de pé todos os dias às 5 da manhã e dá expediente em sua loja de segunda a sábado.

“Uso o mesmo carro há mais de três anos, não porque sou miserável, mas porque considero que não preciso de ostentação, né”, confessa, em meio a muitos e antigos produtos no imenso galpão onde funciona a Construferro. “Não é uma loja moderna, mas aqui se encontra tudo que você precisar”, reitera, feliz por saber onde está cada produto dos mais de cinco mil itens que oferece ao público.

Acostumado a conviver com os políticos que o assediam em busca de apoio financeiro ou pessoal, Miguel Arcanjo lembra passagens de sua convivência com os cutubas e com os peles-curtas, reclama da ausência do cumprimento de palavra do governador Confúcio Moura, a quem diz que apoiou e só pediu a construção de banheiros públicos no Espaço Alternativo e espera um encontro com o prefeito Mauro Nazif para reclamar do abandono da cidade. “O Confúcio prometeu construir banheiros no Espaço Alternativo, mas não honrou a palavra”, reclama.

A seguir a entrevista:


Tudorondonia – Quem é Miguel Arcanjo?


Com a esposa Mirtes, na Construferro, onde dá expediente de segunda a sábado e sabe onde está cada um dos cinco mil itens que oferece ao público
Miguel Arcanjo – Eu vim aqui passar uma semana e estou a 63 anos em Porto Velho. Eu tive uma firma de secos e molhados durante 18 anos e abastecia todo o comércio da cidade de Porto Velho a vila de Candeias, onde tinha uma merceariazinha. Um mês antes da semana santa eu embarcava no avião da Panair e ia a Belém comprar bacalhau e camarão e embarcava no navio do SINAPP. Na semana santa eu tinha mercadoria pra vender. O doutor Pianna - pai daquele que foi governador - ia às cinco da manhã comprar no mercado e levava o filho que ele chamava de “ferrugem”, por ser muito branco. Esse que foi governador.

Tudorondonia – O que motivou o jovem Miguel Arcanjo, a sair do Ceará e vir para a inóspita selva amazônica, nos aos 40, em Roraima e depois Porto Velho?

Miguel Arcanjo – Eu era menor de idade e vim com o Zé Cardoso, compadre do meu pai, que veio a Roraima como soldado da borracha. Quando ele voltou ao Ceará eu vim com ele para garimpar em Roraima. Gostei demais de terra. Peguei uns diamantes, vendi e fui ao Ceará comprar rede, cigarro, roupa pra vender nos garimpos de Roraima. Então eu fiz amizade com Edmar Gaspar, a bordo do navio, e ele me convenceu a vir a Porto Velho. Disse que era uma terra boa. Ele trabalhava no governo. Disse que eu poderia vender mercadorias para os amigos deles. Depois eu comecei a vender secos e molhados. Comprei estivas dos comerciantes João Sena, Raimundo Sena, Ari Fouadad. Eles passaram a confiar em mim. Eu comprava deles e quando eles voltavam de Manaus eu os pagava.

Tudorondonia – Quanto tempo gastava-se para chegar de Roraima a Porto Velho?

Miguel Arcanjo – Muito tempo. Tinha que descer para Manaus. Mais ou menos 10 dias. Eu vinha para Porto Velho direto do Ceará. Aqui eu conheci o João Barril, um comerciante. Um dos maiores comerciantes de Porto Velho?

Tudorondonia – Como era a cidade de Porto Velho na época?

Miguel Arcanjo – Porto Velho só tinha o bairro Caiary. O construtor daquele bairro era Humberto Correa. Eu comecei então a vender material de construção junto com secos de molhados. As pessoas iam a Manaus para comprar material de construção. Abri a primeira loja desse ramo em Porto Velho e fiquei uns quinze anos sozinho na venda de material de construção. Hoje tem mais de mil lojas. Mas a minha foi a primeira.

Tudorondonia – O senhor viveu numa cidade que estava em construção. Daí a ideia de vender material de construção. Mas até hoje sua loja é do mesmo jeito, com uma antiga estrutura. O senhor não pensa em modernizar as instalações?

Miguel Arcanjo – Eu sou do tipo conservador. Eu tenho um carro que comprei do meu filho em Santa Catarina e vim rodando com ele. Era usado e até hoje estou com ele. Tem mais de três anos e não furou nenhum pneu.

Tudorondonia - O senhor vivenciou nesses anos a vida política e todos os governadores passaram pelo senhor, o que o senhor tem a dizer sobre isso?

Miguel Arcanjo – O coronel Aluízio Ferreira ia à minha loja, na Floriano Peixoto, de sandália japonesa. Uma vez ele disse que queria falar comigo no fundo do armazém. Eu perguntei: o que está acontecendo coronel? Ele falou: eu descobri que o Chiquinho, seu irmão, não vota no meu candidato. Eu lhe disse: mas a mulher dele vota com você, coronel. E ele respondeu: mas a gente perde por um voto, Miguel. Mas eu mandava o Chiquinho votar na oposição porque se o meu candidato perdesse o outro ganhava. Eu amarrava o voto. Paulo Leal vinha na minha loja. O Zeno Ferreira, irmão do Aluízio Ferreira vinha aqui (na loja da Floriano Peixoto, no centro antigo de Porto Velho). Mas hoje.... O Confúcio Moura veio aqui. Eu fiz campanha para o Confúcio Moura a pedido do senador Valdir Raupp. Depois que ele foi eleito, eu pedi para mandar construir banheiros no espaço alternativo da Jorge Teixeira, quando ele caminhava. Ele disse: pode deixar, Miguel. Mas não fez até hoje.


Miguel Arcanjo orgulha-se do vigor físico aos 87 anos e recomenda aos mais novos não ficar parados. “Tem de mexer o corpo, a atividade física nos mantém vivos”
Tudorondonia
– Naqueles tempos, na política de Porto Velho, tinha os cutubas e os peles-curtas, Joaquim Vicente Rondon, Aluizio Ferreira, Renato Medeiros. Como foi sua relação com esses políticos?

Miguel Arcanjo – O doutor Renato Medeiros era meu médico e amigo. Mas eu votei no Paulo Leal para deputado federal.

Tudorondonia – Como o senhor analisa cidade de Porto Velho atual em relação àquela que o senhor vivenciou nos anos 50, 60, 70?

Miguel Arcanjo – A diferença é bem acentuada. A cidade mudou totalmente.

Tudorondonia – Desde 1948 o senhor participa de eleição de vários governantes e prefeitos. O senhor está satisfeito com a administração do prefeito Mauro Nazif?

Miguel Arcanjo
– Não. Eu vou chamar ele aqui para conversar. Já telefonei para a secretária dele. Mas ele não veio. Eu no lugar dele teria vindo. A cidade tem muito buraco eu vou pedir para ele pegar o carro e andar pela cidade para ver os buracos e os outros problemas.

Tudorondonia – Onde estão os seus filhos?

Miguel Arcanjo – Três filhas moram nos Estados Unidos. Um filho é advogado em Santa Cantarina. Uma filha mora no Rio de Janeiro. Dois moram em Porto Velho.

Tudorondonia – O senhor ajuda aos políticos, além de pedir votos, com a parte financeira? O senhor banca campanhas eleitorais?

Miguel Arcanjo – Não. Eu peço voto diariamente aqui na firma, com amigos.

Tudorondonia – Aos 87 anos, o que o senhor faz para manter esse vigor físico e essa disposição para o trabalho?

Miguel Arcanjo – Toda madrugada em faço barra, que um garotão de 15 anos não consegue. Lá no parque circuito eu faço 33 barras. Não bebo. Não fumo. Não tomo café. Minha pressão é 12/8. Minha alimentação, geralmente, é peixe ou galinha.

Tudorondônia – O senhor teve uma boa relação com o ex-governador Jorge Teixeira?

Miguel Arcanjo – Demais da conta. A esposa dele vinha sempre aqui conversar com a minha.

Tudorondonia – O senhor viveu o ciclo da ferrovia Madeira-Mamoré, dos garimpos de cassiterita e do ouro. O final de cada ciclo provocou alguma queda no seu comércio, nos seus negócios?

Miguel arcanjo – Não.

Tudorondonia - O senhor nunca teve inclinação, ou foi impelido para concorrer a um cargo público?

Miguel Arcanjo
– Não. E tenho medo de chegar lá em cima e me corromper. De perder o controle.

Tudorondonia – Como o senhor se sente quando vê na TV tanta notícia de corrupção?

Miguel Arcanjo
– Eu não entendo. Ás vezes a pessoa parece tão honesta, mas quando chega lá em cima se corrompe. Estou com 63 anos que vivo em Porto Velho, estou muito bem, não devo a ninguém. O problema são os impostos que são muito altos no estado e no país. Veja o caso do prefeito de São Paulo (Fernando Haddad, do PT) que aumentou o IPTU. Não pode. Os impostos já são muito altos.

Tudorondonia – O senhor viaja muito, aproveita sua boa condição para conhecer o Brasil e o mundo, ou prefere ficar em Rondônia?

Miguel Arcanjo – Eu prefeito ficar aqui. Tudo que tenho devo a Rondônia. Viajei apenas aos Estados Unidos.

Tudorondonia – Na sua idade, o senhor tem medo de alguma coisa na vida? Essa violência que assola a cidade lhe assusta?

Miguel Arcanjo
– Não. Eu já fui assaltado três vezes, mas não tenho medo de nada. Às cinco da manhã vou caminhar.

Tudorondonia – Quantos empregados o senhor tem na sua empresa?

Miguel Arcanjo
– Poucos. Já tive 56. Mas alguns me roubaram mercadoria. Teve gerente que construiu mansão, outro comprou várias casas em Humaitá. Hoje só tenho cinco. São empregados leais.

Tudorondonia – Mas o caso mais rumoroso de empregado que roubou o senhor, foi o do gerente?

Miguel Arcanjo – Ele era gerente e meu cunhado. Cuidava dos armazéns. Ele construiu oito casas no Humaitá, às minhas custas.

Tudorondônia – O senhor ainda se lembra dos comerciantes da época em que chegou a Porto Velho?

Miguel Arcanjo – Sim. Lembro o Toufic Matny. O meu amigo e compadre Antonio Nóbrega. Chico Torres, Abdon Atallah e o Chukre Atalla. Às vezes o velho Abdon enviava dinheiro por mim para entregar ao filho, Jacob Atallah, que fazia faculdade de medicina em Belém. O velho João Resky, um turco, era meu relojoeiro.

Tudorondonia – O senhor é cearense. Tem ido ao Ceará?

Miguel Arcanjo – Eu não sou mais cearense. Faz 40 anos que não vou lá.

Tudorondonia – Na sua idade, qual sua perspectiva da vida? O que o senhor espera da vida futura?

Miguel Arcanjo – Eu penso em continuar assim, com o mesmo vigor físico, pressão 12/8, de garotão....

Tudorondonia – O senhor tem uma mensagem para os jovens e para a população de um modo geral?

Miguel Arcanjo – Fazer esporte. Manter o vigor físico. Eu estou às cinco da manhã, juntamente com outras pessoas, caminhando e fazendo barra no parque circuito. Por isso mantenho essa disposição para o trabalho e para a vida.