ESPECIAL - Favoráveis à PEC 37 apontam descontrole do Ministério Público

A Constituição estabelece que o Ministério Público deve agir em defesa dos interesses da sociedade (como o direito à vida, à liberdade e à saúde) e como fiscal da lei.

Publicada em 30/04/2013 às 18:13:00

Débora Zampier
Repórter da Agência Brasil 
Defensores da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 37, que limita a atuação criminal do Ministério Público (MP), dizem que o órgão aproveita suposta brecha na Constituição para exercer um papel investigativo que não lhe compete. Além disso, o MP estaria escolhendo os casos em que quer atuar e desrespeitando garantias previstas nos inquéritos policiais, como o fornecimento de informações aos investigados.

A Constituição estabelece que o Ministério Público deve agir em defesa dos interesses da sociedade (como o direito à vida, à liberdade e à saúde) e como fiscal da lei, propondo ações civis e penais. Em geral, as denúncias criminais derivam de provas colhidas pelas polícias, mas o MP também vem atuando de forma subsidiária e até mesmo independente nas investigações. Críticos argumentam que essa função não é autorizada pela Constituição, e que propostas nesse sentido apresentadas na Assembleia Constituinte de 1988 foram rejeitadas.

Para o presidente da Associação de Delegados da Polícia Federal, Marcos Leôncio Sousa Ribeiro, o Ministério Público deve priorizar suas funções exclusivas, como os inquéritos civis. Nesse caso, a proporção entre procedimentos abertos e arquivados chega a quase 60%. Na área criminal, Leôncio destaca estudo do Ministério da Justiça indicando que 3,4 milhões de inquéritos policiais aguardam avaliação do Ministério Público. “E ainda acha que terá fôlego para investigar diretamente crimes, se nem as denúncias estão em dia?”, pergunta.

O representante da Associação de Delegados de Polícia do Brasil, Magnus Barretto, acredita que a PEC provocou uma discussão necessária sobre a atuação “sem controle” do Ministério Público. “O MP não quer o dever de investigar. Quer o poder de investigar, de escolher o que ele quer investigar. E isso é direcionado a pessoas poderosas, ricas e famosas. Não gira para qualquer um, porque é venda de mídia”, argumenta.

Segundo Barretto, os favoráveis à PEC não querem que o MP deixe de atuar criminalmente, e sim que as demandas passem pelas polícias. “O MP, como titular da ação penal, tem o controle externo da polícia, pode pedir a instauração do inquérito policial. Pode pedir diligências fundamentadas para robustecer suas denúncias. O que não pode acontecer é ele fazer investigação como está fazendo hoje”.

A mesma opinião é compartilhada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Durante audiência pública na Câmara dos Deputados, o representante da Ordem Edson Smaniatto disse que o sistema atual, além de permitir investigações em segredo, dá ao Ministério Público a possibilidade de "criar a verdade material que mais lhe interesse”. A entidade defende que, ao focar na apuração criminal, o MP está se desvirtuando de sua função pública voltada à coletividade.

Para os defensores da PEC, a proposta não impede a investigação administrativa por órgãos técnicos, como o Conselho de Controle de Atividades Financeiras e a Receita Federal, além de não inviabilizar apurações pelas comissões parlamentares de Inquérito e as correições internas em tribunais e no próprio Ministério Público.

Maioria no STF quer Ministério Público seguindo regras para investigar

Antes de chegar ao Congresso Nacional, a discussão sobre os poderes de investigação do Ministério Público já havia começado no Judiciário. O assunto é tema de pelo menos 30 processos no Supremo Tribunal Federal (STF), que ainda não se manifestou definitivamente. Ao menos sete ministros das formações mais recentes do Tribunal votaram a favor do Ministério Público, mas defenderam regras mais claras nas apurações, em maior ou menor escala.

São eles Cezar Peluso, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Luiz Fux, Celso de Mello e Cármen Lúcia. Mesmo entendendo que o Ministério Público não pode presidir inquéritos, Joaquim Barbosa e Carlos Ayres Britto não mencionaram imposição de regras. Já Marco Aurélio Mello defende que a apuração criminal é atividade privativa das polícias. Cezar Peluso e Ayres Britto se aposentaram no segundo semestre de 2012.

A maioria dos ministros quer que o MP siga as mesmas regras do inquérito policial, com supervisão do Judiciário e publicidade de informações aos acusados. Alguns limitaram a área de atuação do MP aos crimes cometidos por integrantes da própria instituição e por agentes policiais, crimes contra a administração pública ou ainda se a polícia deixar de agir. Parte dos ministros defende que não é necessário acionar as polícias quando as acusações derivarem de dados concretos de órgãos administrativos ou de controle, como fraudes previdenciárias ou tributárias.

“Reafirmo que é legítimo o exercício do poder de investigar por parte do Ministério Público, porém, essa atuação não pode ser exercida de forma ampla e irrestrita, sem qualquer controle, sob pena de agredir, inevitavelmente, direitos fundamentais”, defendeu Gilmar Mendes. Em mobilização recente contra a PEC 37, Ayres Britto disse que subtrair o poder investigativo do Ministério Público é uma “hecatombe jurídica”, mas que a instituição precisa seguir regras “para não ser refém de si mesma" e "evitar arbítrios”.

O STF registra pelo menos 100 ações em tribunais de todo o país questionando a investigação promovida pelo Ministério Público. Elas estão suspensas, aguardando a palavra final da Corte. Defensores da PEC 37 argumentam que o texto atual da proposta valida as apurações feitas até agora, eliminando esses questionamentos judiciais e evitando prescrições.

O presidente da Associação de Juízes Federais do Brasil, Nino Toldo, diz que a maioria dos associados já se manifestou favoravelmente ao poder de investigação do Ministério Público. Para a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), o órgão não pode deixar de investigar, especialmente quando os criminosos dificultam o trabalho da polícia ou estão dentro da própria corporação. “Um Ministério Público imóvel dentro do processo, que não pode investigar, é contramão da história mundial”, avalia o presidente da AMB, Nelson Calandra.

Grupo de trabalho vai analisar PEC 37 e apresentar proposta até 30 de maio

Karine Mello
Repórter da Agência Brasil 


Um grupo de trabalho técnico com o objetivo de aperfeiçoar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 37 foi criado hoje (30) depois de uma reunião entre o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e representantes do Ministério Público, da Polícia Federal e da Polícia Civil. A primeira reunião está marcada para a próxima terça-feira (7), no Ministério da Justiça.

Segundo o presidente da Câmara, o grupo vai apresentar uma proposta até o dia 30 de maio, e a intenção é conciliar as expectativas do Ministério Público e das polícias. Um projeto que atenda os dois grupos deve ser votado em junho, na Câmara dos Deputados.

“Nós não queremos que esse tema tenha vencedores nem vencidos. O Brasil quer, cada vez mais, o combate à impunidade e à corrupção e que prevaleça a ética em todos os comportamentos e processos. Então, isso não pode ensejar nenhum tipo de radicalização”, disse Alves.

A PEC 37 foi apresentada em junho de 2011 pelo deputado federal e delegado de polícia Lourival Mendes (PTdoB-MA). O texto altera trecho da Constituição, indicando que a apuração das infrações penais é função privativa das polícias Civil e Federal. Na prática, a medida impedirá o Ministério Público de assumir investigação de crimes, prática usual desde que teve seus poderes ampliados na Constituição de 1988.

Na pauta das discussões do grupo estará a repartição de competências, entre polícias e Ministério Público, na investigação criminal; o regramento do procedimento investigatório na área criminal e cível e o papel do Ministério Público e das polícias.

Para o ministro da Justiça, é importante encontrar um equilíbrio. “Nós temos muita disputa corporativa. E ela não é boa pra ninguém. Nós temos que encontrar um regramento, um equilíbrio que seja bom para a sociedade que facilite a investigação criminal e, ao mesmo tempo, permita que promotores, delegados de polícia, policiais e Ministério Público estejam juntos”, destacou Cardozo.

O grupo vai ser composto por quatro representantes do Ministério Público, quatro da polícia, dois do Senado, dois da Câmara dos Deputados e o secretário de reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, Flávio Caetano.