ESPECIAL - Investigação criminal do Ministério Público polemiza pauta do Congresso

Grupos de parlamentares já se mobilizam para alterar ou barrar a PEC

Publicada em 30/04/2013 às 18:09:00

Débora Zampier
Repórter da Agência Brasil

Brasília – O papel do Ministério Público (MP) nas investigações criminais está dividindo o sistema de Justiça do país. Puxada pela tramitação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 37, a discussão já não se limita aos aspectos técnicos e esbarra em questões políticas e corporativas. Em uma série de cinco matérias, a Agência Brasil mostra os principais argumentos favoráveis e contrários ao projeto.

A PEC 37 foi apresentada em junho de 2011 pelo deputado federal e delegado de polícia Lourival Mendes (PTdoB-MA). O texto altera trecho da Constituição, indicando que a apuração das infrações penais é função privativa das polícias Civil e Federal. Na prática, a medida impedirá o Ministério Público de assumir investigação de crimes, prática usual desde que teve seus poderes ampliados na Constituição de 1988.

Dados do Ministério Público Federal indicam que, desde 2010, o órgão atuou 14,7 mil vezes por meio de procedimentos próprios na área penal e 77,9 mil vezes motivado por inquéritos policiais, termos circunstanciados e outros procedimentos judicializados. Não há dados consolidados sobre a atuação nos estados.

A PEC 37 já foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e em comissão especial da Câmara dos Deputados no final do ano passado. Segundo o presidente da Casa, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), o texto será colocado em votação no plenário até junho. Ele sinalizou que só vai encaminhar o assunto se houver acordo entre as partes interessadas.

Nas comissões, prevaleceu a ideia de que a investigação criminal é privativa das polícias. O relator da comissão especial, deputado Fábio Trad (PMDB-MS), chegou a propor um texto mais amplo, regulamentando as situações em que o MP poderia agir de forma subsidiária, mas o parecer foi rejeitado.

Para o deputado, há boas chances de a discussão voltar no plenário. "Depois da declaração do presidente Henrique Alves, de que pautará quando houver acordo entre as instituições, minha proposta está ganhando apoio dos moderados, tanto do Ministério Público quanto das polícias", avalia Trad.

Segundo ele, além de permitir maior consenso político, a proposta está de acordo com votos já proferidos no Supremo Tribunal Federal (STF). A maioria dos ministros vem defendendo o papel complementar do Ministério Público nas investigações, segundo regras específicas.

Enquanto isso, grupos de parlamentares já se mobilizam para alterar ou barrar a PEC. “A quem pode interessar proibir o Ministério Público de investigar a prática de crimes? Certamente à sociedade brasileira é que não interessa”, analisa o deputado Alessandro Molon (PT-RJ). “Retirar investigação do Ministério Público é atentar contra a República”, completa o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP).

Ministério Público diz que limite para investigação aumentará impunidade 

Preocupados com o avanço da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 37 no Congresso Nacional, unidades do Ministério Público e associações de classe estão em mobilização permanente desde o início do ano. Nas palavras do chefe da instituição, Roberto Gurgel, o projeto é “um retrocesso gigantesco para a persecução penal [que inclui a investigação e o processo penal] e para o combate à corrupção”.

O principal argumento contra a PEC é que a concentração da investigação nas polícias vai contra os interesses da sociedade, pois quanto mais entidades investigando, maior a chance de identificar crimes. Dotado de autonomia técnica e administrativa, o Ministério Público também acredita que as polícias nem sempre têm independência para apurar crimes mais complexos, como os cometidos por políticos e grupos de extermínio.

Para Roberto Gurgel, a PEC é uma forma de retaliação ao Ministério Público devido à apuração de crimes cometidos por políticos e pessoas de grande poder econômico. “A PEC 37 começou como iniciativa de associações da polícia, mas hoje os interesses vão muito além da questão corporativa da polícia. O interesse é de algumas pessoas que não gostam de ver o Ministério Público como instituição independente e dotada das funções necessárias para cumprir sua função.”

Críticos da PEC identificaram que o Ministério Público é impedido de investigar em apenas três países do mundo - Uganda, Quênia e Indonésia. Para o representante do Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais (CNPG), Manoel Onofre, essa situação reforça o retrocesso do projeto. “Se o MP é responsável pela ação penal, porque ele não pode organizar, completar e realizar essa investigação?”, questiona.

Segundo o procurador, o Ministério Público não quer investigar sozinho, e sim em parceria com a polícia sempre que possível. Ele destaca levantamento recente que aponta que 70% das operações de maior sucesso foram realizadas em pareceria com a policia. Por outro lado, Onofre lembra que a taxa de elucidação de determinados crimes, como os de homicídio, ficam abaixo de 8%. “Imagina em uma realidade dessa, em um país como o nosso, se as instituições que vêm dando sua contribuição forem proibidas de investigar?”

Para o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, Alexandre Camanho, é falsa a crítica de que o Ministério Público investiga de forma arbitrária. “Dizer isso é desconhecer que o MP tem inúmeras regras, limitações, balizas, não só legais como normativas. Como titular da ação penal, o MP se preocupa com a legitimidade formal de sua investigação para que ela não seja anulada.”

Camanho acredita que o texto está sendo discutido artificialmente na Câmara dos Deputados. “A comissão especial da PEC era muito singular, com pessoas de perfil próprio, que foram refratárias a qualquer tipo de conversa com a sociedade.”

A representante da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, Norma Cavalcantti, lembra que a bancada policial reúne 36 representantes, enquanto os integrantes do Ministério Público não podem concorrer a cargo eletivo desde 1988 . Ela diz que o órgão está aberto a discutir regras. "Só não aceitamos essa situação de proibição total", avalia.

PEC 37 provoca divergências internas entre policiais e integrantes do MP 

A discussão sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 37 não se resume à polaridade entre promotores, procuradores e integrantes das polícias. Há divergências internas entre os integrantes desses grupos: enquanto alguns setores do Ministério Público defendem atuação mais contida da instituição, nem todos os segmentos da polícia concordam com o projeto discutido no Congresso Nacional.

Alegando que os delegados estão usando a PEC para conseguir mais poder e aumento salarial, a Federação Nacional dos Policiais Federais decidiu apoiar o Ministério Público. “É um trabalho complementar muito importante. Hoje já temos a nossa investigação muito combalida, temos índices pífios se comparados a outros países”, diz o diretor adjunto Flávio Werneck.

Segundo ele, o sistema investigativo brasileiro apresenta graves problemas estruturais, como falta de especialização e muita burocracia, que não serão resolvidos com limites de atuação para o Ministério Público. “Temos que incrementar a persecução criminal [que inclui a investigação e o processo penal], dar um caráter multidisciplinar, um caráter de especificidade. E não generalizar, restringindo a um ou dois órgãos essa investigação”.

Enquanto os agentes federais querem a derrubada da PEC, alegando ausência de critérios técnicos, os policiais civis ainda não se posicionaram sobre o assunto. Isso deve ocorrer apenas em maio, depois de assembleia da categoria. De acordo com o representante da Confederação Brasileira de Trabalhadores Policiais Civis, Janio Gandra, o setor está bastante dividido.

Ele acredita, particularmente, que a otimização das apurações penais não deriva do aumento do número de órgãos investigando, e sim da melhor definição de funções e do fortalecimento das instituições. “Se sabemos que existe um índice baixo [de elucidação de crimes] na polícia, por que não verificar onde está o problema e atacar? Por outro lado, a polícia sendo exclusiva para todos os crimes é muito perigoso, é muito ruim”, pondera.

Em autocrítica ao trabalho do Ministério Público, o subprocurador-geral da República Eugênio Aragão afirma que o órgão está assumindo postura de “justiceiro” e dialogando mal com outros entes estatais. “O idealismo orgânico do momento constituinte foi dando lugar à atuação frequentemente individualista, politizada e corporativista”, argumenta Aragão, atual corregedor-geral do Ministério Público Federal.

Para o procurador do estado do Rio de Janeiro e advogado constitucionalista Luís Roberto Barroso, o Ministério Público pode conduzir investigação criminal somente em casos excepcionais previstos em lei, como falta de iniciativa da polícia e grave violação de direitos humanos, ou quando houver autorização de órgão superior. “A polícia sujeita-se ao controle do Ministério Público. Mas se o Ministério Público desempenhar, de maneira ampla e difusa, o papel da polícia, quem irá fiscalizá-lo?”, questiona.