Ex-diretor do Detran-Rondônia tem dupla condenação por corrupção

Leia as sentenças na íntegra.

Publicada em 16/01/2013 às 10:44:00

Da reportagem do Tudorondonia

Porto Velho, Rondônia - A juíza da 1a Vara da Fazenda Pública de Porto Velho, Inês Moreira da Costa, condenou , nesta terça-feira, 15, em ação de improbidade administrativa impetrada pelo Ministério Público de Rondônia,  Cleozemir Teixeira Lima, ex-gerente financeiro do Departamento Estadual de Trânsito de Rondônia (Detran).

Cleozemir foi condenado à perda da função pública, acaso estiver exercendo-a junto ao DETRAN; pagamento de multa civil equivalente a 20 vezes o valor da remuneração percebida à época do ato ímprobo; e proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

Segundo o Ministério Público, Cleozemir , usando de seu cargo de gerente financeiro do DETRAN, enviou mensagem SMS ao empresário José Miguel, solicitando vantagem indevida, por mais de uma vez, para agilização dos trâmites dos processos administrativos e liberação de pagamentos pelos serviços prestados ao DETRAN.

José Miguel é um dos acusados de participar do esquema de corrupção desmontado pela Operação Termópilas, da Polícia Federal. O então gerente financeiro participava do esquema.

De acordo com a magistrada, "é patente que o demandado (Cleozemir) praticou ato de improbidade administrativa, violando os princípios da impessoalidade, oralidade, lealdade. Sem dúvida, a conduta demonstra grave desonestidade funcional. É inconteste o dolo, em razão da ausência de boa-fé do demandado, que, sem dúvida, agiu com consciência e vontade de obter vantagem indevida, valendo-se de sua condição junto ao DETRAN, revelando comportamento completamente afastado do interesse público".

CORRUPÇÃO PASSIVA Acusado pelo Ministério Público de corrupção passiva, Cleozemir já havia sido condenado, em outubro do ano passado,  a 6 anos e oito meses de reclusão pelo juízo da 3a Vara Criminal (leia a sentença abaixo).



ÍNTEGRA DAS SENTENÇAS
Vara: 1ª Vara da Fazenda Pública
Processo: 0024536-06.2011.8.22.0001
Classe : Ação Civil Pública
Requerente: Ministério Público do Estado de Rondônia
Requerido: Cleozemir Teixeira Lima
Sentença
Cuida-se de ação civil pública por ato de improbidade administrativa proposta
pelo Ministério Público do Estado de Rondônia em face de Cleozemir Teixeira Lima,
objetivando a responsabilização do demandado pela prática de ato de improbidade
administrativa, consistente na violação aos princípio da Administração Pública, porquanto
solicitou vantagem indevida em razão da função pública.
Relata que o demandado, usando de seu cargo de gerente financeiro do DETRAN,
enviou mensagem SMS ao empresário José Miguel, solicitando vantagem indevida, por
mais de uma vez, para agilização dos trâmites dos processos administrativos e liberação
de pagamentos pelos serviços prestados ao DETRAN.
Por isso, entende o parquet que o demandado agiu ao arrepio das normas
administrativas, violando os princípios da administração pública. Requer, destarte,
condenação do demandado nas sanções do art. 12, I e subsidiariamente, III, da Lei
8.429/92.
Notificado, o demandado apresentou defesa preliminar (fl. 20/22).
Recebida a inicial (fl. 23).
O Estado de Rondônia ingressou à lide no polo ativo (fl. 29).
Em contestação (fls. 38/51) o demandado aduz que apenas mantém relação de
amizade com o empresário João Miguel, sendo que nunca solicitou vantagem indevida.
Sustenta que nunca teve parcela de poder a ponto de influir nas decisões ilícitas ou não
quanto aos contratos das empresas de José Miguel com o DETRAN. Sustenta estar as
interceptações telefônicas eivadas de nulidade.
Réplica às fls. 54/67.
É o necessário para decidir.
O pedido comporta julgamento imediato, nos termos do art. 330, II, do CPC, ante
a configuração da revelia, na medida em que o demandado não apresentou contestação
em tempo hábil.
Sobre o julgamento imediato em caso de contestação intempestiva, confira-se:
AGRAVO REGIMENTAL - AÇÃO DE COBRANÇA - RÉU REVEL - CERCEAMENTO
DE DEFESA - NÃO OCORRÊNCIA - CONTESTAÇÃO INTEMPESTIVA E NÃO
ESPECIFICAÇÃO DE PROVAS EM TEMPO OPORTUNO - JULGAMENTO
ANTECIPADO E APLICAÇÃO DOS EFEITOS DA REVELIA - POSSIBILIDADE,
NA ESPÉCIE - RECURSO IMPROVIDO.
(AgRg no AREsp 47.538/RJ, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA,
julgado em 22/11/2011, DJe 09/12/2011)
E, de fato, é intempestiva a contestação. O mandado de citação foi juntado aos
autos em 23.10.2012 (fl. 25-v), de modo a iniciar o prazo em 24.10.2012 e a findar em
7.11.2012; entretanto, a resposta sobreveio somente dia 12.11.2012 (fl. 38).
Ainda que não caracterizada a revelia, estaria autorizado o julgamento imediato
porquanto os documentos carreados aos autos permitem chegar a uma conclusão segura
acerca da controvérsia.
Na presente causa busca-se responsabilizar o demandado pela prática de ato de
improbidade administrativa, consistente na violação aos princípios regentes da
Administração Pública.
Cumpre dizer, desde logo, que não há falar em nulidade das interceptações
telefônicas, porquanto autorizadas judicialmente para fins de investigação criminal e
instrução processual, consoante assegura a Constituição Federal (art. 5º, XII). Ademais,
outros elementos probatórios subsidiaram o deferimento das interceptações.
As prorrogações deferidas também se mostraram pertinentes, notadamente
porque presentes, à época, condutas tendentes à prática de crimes contra a
administração pública, tendo em vista, ainda, a necessidade de aprofundamento das
investigações. Daí por que descabida a alegação de nulidade.
É certo que “a interceptação telefônica pode ser prorrogada tantas vezes forem
necessárias para a elucidação dos fatos”, consoante orientação da 1ª Câmara Especial do
TJRO, em acórdão da lavra do eminente decano da Corte (Apelação n. 0103567-
35.2008.8.22.0501 – Rel. Desembargador Eurico Montenegro – j. em 28.7.2011).
Visto isso, passa-se ao mérito.
Os elementos coligidos permitem concluir afirmativamente quanto à prática de
improbidade administrativa pelo demandado, qual seja, obtenção de vantagem indevida,
valendo-se do cargo ocupado no DETRAN, para agilização dos trâmites dos processos
administrativos naquela Autarquia.
Faz-se necessário, para ilustrar, a reprodução de alguns diálogos degravados,
nestes termos:
DIÁLOGO
MIGUEL: E ae doutor?
CLEOZEMIR: Eu tava aqui com o Nei com o Nei da auditoria eu tava...(NA) já
mandou uma via e veio ajeitar outro, vai tá tudo resolvido. Ele mandou o
negócio, mandou aquele maior aqui pra mim.
MIGUEL: Mas... tu vai resolver... tu vai resolver quantos?
CLEOZEMIR: Pedi o maior, já tá liberado. Os quatro também já..., já ta
arrumando aqui e vai mandar pra o gabinete. Hoje ainda assina tudo, pode
ficar tranquilo.
MIGUEL: Té bom, falou.
CLEOZEMIR: Tá, beleza.
Do diálogo acima, em 22.9.2011, vide fl. 63 do volume de documentos, denota-se
que o demandado, de fato, prestava “serviços” a Miguel. Na ocasião, reportou-se à
pessoa chamada “Nei”, lotado na auditoria, evidenciando que se trata de repartição
pública. E, de fato, percebe-se a atuação do demandado para acelerar algo do interesse
de Miguel. Tanto que o demandado “mandou o negócio” e que estava “arrumando para
mandar para o gabinete”.
Depois o demandado enviou mensagem SMS, comunicando que havia “pegado
todos” e estava esperando assinatura (vide fl. 64 do volume de documentos).
Prospera, sem dúvida, à vista do contexto das demais gravações constantes nos
autos, a alegação do parquet quanto à solicitação da vantagem indevida, em troca dos
favores que o demandado se dispunha.
As vantagens percebidas pelo demandado, solicitadas ainda que de modo
enviesado, de fato ocorreram, conforme de depreende dos diálogos seguintes:
- Conteúdo SMS, em 27.9.2011, do demandado para Miguel: “patrao reduziu
o valor da receita de dez p.oito”
- Conteúdo SMS, em 30.9.2011, encaminhado pelo demandado: “patrao estou
precisando de apoio para comprar uma passagem aerea, tem como”
Outros diálogos revelam, outrossim, a atuação do demandado em benefício de
Miguel (ver fls. 79, 81, 82, 86 do volume de documentos).
Outro conteúdo SMS, enviado pelo demandado para Miguel, também demonstra a
forma velada de solicitação de vantagem indevida: “chefia tou querendo a gelado do meu
aniversário posso contar”. Miguel respondeu: "Pod ate meio dia t vejo" (ver fl. 34 do
volume de documentos).
Não há dúvida, portanto, que o demandado atuava em benefício de Miguel junto
ao DETRAN com vistas a possibilitar a tramitação célere de processos, consoante se
depreende dos demais diálogos com outros interlocutores.
A propósito, para robustecer essa conclusão, mister destacar o que ficou
apurado na esfera criminal, nos termos da sentença proferida (autos n. 0000893-
37.2012.8.22.0501), embora sem transito em julgado, verbis:
“[...] o acusado reconheceu ter pleiteado as vantagens, mas disse que tinha
fundamento em amizade que mantinha com o empresário. Neste particular, exceto
suas próprias palavras e a do empresário envolvido, o CLEOZEMIR não apresentou
qualquer evidência segura que permitisse concluir que as solicitações advinham
deste contexto.
Na verdade, as informações que emergiram do feito permite concluir que as
vantagens solicitadas pelo CLEOZEMIR decorriam da sua condição de funcionário
público e, principalmente, da função de confiança que mantinha no órgão público.
[...]
Pelo que restou dos autos, apesar de possuir função de relevo dentro da hierarquia
da autarquia, o CLEOZEMIR atuava como despachante. Uma das testemunhas
apresentada pela própria defesa, que trabalhava no mesmo setor do
CLEOZEMIR informou que o acusado afirmava que se deveria dar prioridade ao
pagamento da empresa, afirmando que era ordem da direção.
[...]
Uma das interceptações, também reconhecidas como existente pelo CLEOZEMIR,
demonstra que ele acompanhava os processos da empresa e passava as informações
para o empresário. O CLEOZEMIR sustenta que é regular este procedimento, mas
as evidências permitem concluir que é excepcional.
Observe-se que, na interceptação, o CLEOZEMIR age sobre outros funcionários
para que o pagamento de um processo por ser mais volumoso que os demais, deve ser
priorizado.
Este não é um comportamento de um agente público, que deveria atuar nos
interesses da administração e não visando interesses do particular.
Este comportamento permite concluir que o CLEOZEMIR, quando prestava essas
atividades espúrias, fazia diretamente no interesse do empresário e indiretamente
no seu próprio interesse, pois depois recebia a contraprestação pelos serviços
realizados.”
Patente, pois, que o demandado praticou ato de improbidade administrativa,
violando os princípios da impessoalidade, moralidade, lealdade. Sem dúvida, a conduta
demonstra grave desonestidade funcional. É inconteste o dolo, em razão da ausência de
boa-fé do demandado, que, sem dúvida, agiu com consciência e vontade de obter
vantagem indevida, valendo-se de sua condição junto ao DETRAN, revelando
comportamento completamente afastado do interesse público.
No caso, portanto, devem incidir as sanções previstas no inciso III do art. 12 da
Lei 8.429/1992, isoladas ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato. Impõese
a perda do cargo, acaso estiver ocupando-o junto ao DETRAN; o pagamento de multa
civil; a proibição de contratar com o Poder Público. Porém, incabível ressarcimento de
dano patrimonial, portanto não vislumbrado, e desarrazoada a suspensão dos direitos
políticos.
Dispositivo
Ante o exposto, julga-se procedente o pedido inicial, para, reconhecendo a
prática dolosa de ato de improbidade, prevista no art. 11, caput, da Lei 8.429/1992,
condenar o demandado, com fulcro no art. 12, inc. III, da mesma Lei, nas sanções de: a)
perda da função pública, acaso estiver exercendo-a junto ao DETRAN; b) pagamento de
multa civil equivalente a 20 vezes o valor da remuneração percebida à época do ato
ímprobo; c) proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou
incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de
pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.
Extingue-se o processo com resolução do mérito (art. 269, inc. I, do CPC).
Custas de lei. Sem honorários advocatícios.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Porto Velho-RO, terça-feira, 15 de janeiro de 2013.
Inês Moreira da Costa
Juíza de Direito


CONDENAÇÃO CRIMINAL


Vara: 3ª Vara Criminal
Processo: 0000893-37.2012.8.22.0501
Classe: Ação Penal - Procedimento Ordinário (Réu Solto)
Autor: Ministério Público do Estado de Rondônia
Denunciado: Cleozemir Teixeira Lima
Vistos.
Trata-se de ação penal proposta pelo Ministério Público em face CLEOZEMIR TEIXEIRA
LIMA, onde se afirma que o acusado era gerente financeiro do DETRAN e nessa condição
solicitou vantagem indevida a terceira pessoa, por quatro vezes, em razão de serviços
prestados para agilização de procedimentos da empresa da terceira pessoa mencionada
junto ao DETRAN.
A denúncia, contendo rol testemunhas, foi oferecida e recebida por este juízo.
O acusado foi citado e ofereceu resposta através de advogado constituído. O feito foi
instruído, ouvindo-se testemunhas relacionadas pela acusação e defesa. Após a instrução,
as alegações finais vieram por memoriais, cada uma das partes reforçando os pedidos
iniciais.
É o relatório. DECIDO.
Trata-se de acusação de prática do crime de corrupção passiva por quatro vezes, em
continuidade delitiva.
O crime em apreciação está previsto no CPB, onde se afirma ser criminosa a conduta de:
Corrupção passiva Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta
ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão
dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena – reclusão,
de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
§1º - A pena é aumentada de um terço, se, em consequência da vantagem ou
promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o
pratica infringindo dever funcional.
A materialidade do delito imputado ao CLEOZEMIR encontra ressonância nos documentos
construídos na fase policial onde, por autorização do juízo, foram realizadas interceptações
telefônicas e de mensagens trocadas entre o acusado e terceira pessoa, bem como nos
depoimentos constantes nos autos.
No tocante à autoria, o CLEOZEMIR não negou os contatos e mensagens trocadas com
terceira pessoa. No entanto, procura dar versão que afasta a imputação.
Vejamos o que consta nos autos.
O CLEOZEMIR não negou a existência das conversas interceptadas e nem as mensagens
que teria encaminhado ao empresário. Todavia, sustenta que nos pedidos que fez, valia-se
da condição de amigo do empresário.
O empresário, também ouvido em juízo, não negou as conversas mantidas com o
CLEOZEMIR e os SMS dele recebidos. No entanto, sustenta que não atendeu a todos os
pleitos do acusado. O único pleito que teria atendido seria um pedido de patrocínio cultural
na quantia de R$ 1.000,00 para trazer um músico carioca à cidade de Porto Velho/RO, à
pedido de um artista local, amigo de CLEOZEMIR. O empresário teria entregue o dinheiro
ao artista local quando se encontraram no gabinete do CLEOZEMIR dentro do prédio do
DETRAN.
Estas circunstâncias – o patrocínio e a entrega do dinheiro dentro do prédio do Detran -
foram confirmadas pelo artista local, ouvido como testemunha. Outra testemunha, um
funcionário do DETRAN, que trabalhava no mesmo setor que o CLEOZEMIR, também
confirmou ter presenciado o encontro entre os três, apesar de não saber o teor daquele
encontro na sala do CLEOZEMIR.
Também ficou evidenciado que o CLEOZEMIR solicitou auxílio do empresário para o
pagamento de •"geladas", cervejas para ser consumida em seu aniversário, que contaria
com a presença de outros funcionários do DETRAN. Esta circunstância que foi apurada na
interceptação telefônica e via SMS, foi reconhecida pelo empresário e pelo próprio
CLEOZEMIR.
CLEOZEMIR e o empresário sustentam que o pedido foi realizado, mas não foi atendido.
Sobre este pedido, CLEOZEMIR sustenta que era fundamentado na condição de amizade
que mantinha com o empresário, nada tendo a ver com a sua condição de funcionário
público.
Todavia, os fatos não permitem conhecer a alegação da defesa como verdadeira. Senão
vejamos.
É importante atentar que o crime de corrupção passiva, no núcleo solicitar, é de mera
conduta, não se exigindo resultado naturalístico. Neste caso, é prescindível para a
configuração do delito o atendimento do pleito realizado pelo funcionário público. O crime já
está consumado desde o momento em que a solicitação é feita. Eventual atendimento da
solicitação é mero exaurimento do crime.
Também não se exige que o funcionário público pratique ou deixe de praticar qualquer ato
em favor do particular. Esta circunstância, na verdade, é uma causa de aumento, que
interfere apenas no montante da pena, mas não se presta para configurar o crime.
Em conclusão, basta que o funcionário público, valendo-se e aproveitando-se da ligação
que mantém com a entidade pública faça a solicitação para realizar o crime.
Voltando ao mérito, o acusado reconheceu ter pleiteado as vantagens, mas disse que tinha
fundamento em amizade que mantinha com o empresário. Neste particular, exceto suas
próprias palavras e a do empresário envolvido, o CLEOZEMIR não apresentou qualquer
evidência segura que permitisse concluir que as solicitações advinham deste contexto.
Na verdade, as informações que emergiram do feito permite concluir que as vantagens
solicitadas pelo CLEOZEMIR decorriam da sua condição de funcionário público e,
principalmente, da função de confiança que mantinha no órgão público.
Ora. Não é comum a qualquer pessoa que ceda aos pleitos financeiros de outro,
exclusivamente em virtude de amizade, para pagamento de festas. Pelo menos não
gratuitamente.
Esta situação pode até acontecer, mas pela excepcionalidade deveria vir comprovada nos
autos.
Pelo que se apresentou, a amizade não era tão forte assim, pois o empresário disse que
negou às solicitações do pagamento de •"geladas". O empresário sustentou ter negado,
mas as interceptações apontaram em sentido contrário, pois houve encontros duvidosos
nas proximidades de uma agência do Banco do Brasil, dentro do carro do empresário, logo
após terem ajustado o recebimento de uma quantia.
Os pedidos reiterados realizados por telefone e SMS, interceptados por autorização judicial,
também se prestam para indicar que o empresário atendia os pleitos.
De qualquer forma, ficou evidenciado que o empresário atendeu um pleito feito pelo
CLEOZEMIR. Este reconhecimento veio pelo próprio CLEOZEMIR, pelo empresário e por
uma testemunha (este um artista local). Na oportunidade, o CLEOZEMIR pretendendo
ajudar um artista local que dizia ser amigo de longa data, pediu ao empresário que desse a
quantia de R$ 1.000,00, passagens aéreas e hospedagens.
Essa intervenção em favor de terceiro, apesar de o CLEOZEMIR entender ser inofensiva,
também realiza o tipo penal em avaliação, realizando a elementar de natureza subjetiva
•"para outrem".
À propósito, evidenciando que as solicitações realizadas pelo CLEOZEMIR fundavam-se em
função do cargo que ocupava, o dinheiro dado ao artista local foi entregue pelo empresário
dentro do gabinete do CLEOZEMIR no DETRAN.
Outra aspecto que desconstitui a versão da amizade, justificada pela defesa, foi a atuação
do CLEOZEMIR dentro do DETRAN em favor das empresas do empresário.
Pelo que restou dos autos, apesar de possuir função de relevo dentro da hierarquia da
autarquia, o CLEOZEMIR atuava como despachante. Uma das testemunhas apresentada
pela própria defesa, que trabalhava no mesmo setor do CLEOZEMIR informou que o
acusado afirmava que se deveria dar prioridade ao pagamento da empresa, afirmando que
era ordem da direção.
O diretor adjunto, também relacionado pelo rol defensivo, foi enfático ao afirmar que não
havia nenhuma ordem nesse sentido partindo da direção geral.
Uma das interceptações, também reconhecidas como existente pelo CLEOZEMIR,
demonstra que ele acompanhava os processos da empresa e passava as informações para
o empresário. O CLEOZEMIR sustenta que é regular este procedimento, mas as evidências
permitem concluir que é excepcional.
Observe-se que, na interceptação, o CLEOZEMIR age sobre outros funcionários para que o
pagamento de um processo por ser mais volumoso que os demais, deve ser priorizado.
Este não é um comportamento de um agente público, que deveria atuar nos interesses da
administração e não visando interesses do particular.
Este comportamento permite concluir que o CLEOZEMIR, quando prestava essas
atividades espúrias, fazia diretamente no interesse do empresário e indiretamente no seu
próprio interesse, pois depois recebia a contraprestação pelos serviços realizados.
Do princípio da insignificância.
É importante atentar que o princípio da insignificância não tem incidência nos crimes contra
a administração pública. Nesse sentido, temos:
EMENTA. CONCUSSÃO. CORRUPÇÃO PASSIVA CRIMES CONTRA A
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO
APLICAÇÃO. "HABEAS CORPUS". 1. Não se aplica o chamado princípio da
insignificância quando a hipótese engloba crimes contra a administração pública,
em razão da efetiva ofensa ao bem juridicamente tutelado. 2. A aferição da
insignificância é matéria afeta ao juízo de instrução, e não no "Habeas Corpus".
Óbice da Súmula 07/STJ. 3. Habeas corpus conhecido; provimento negado.
(Recurso Ordinário em HC n. 8357. Relator: Ministro EDSON VIDIGAL. Publicado
no DJ do dia 25/10/1999 PG:00099)
Apesar disso, não se desconhece julgados e posições doutrinária sustentando que
gratificações de pequena monta por serviços extraordinários são usuais na esfera do
executivo e, por isso, podem não ser consideradas objetos materiais de corrupção passiva,
aplicando-se o princípio da insignificância ou da bagatela, desde que não se trate de ato
contrário à lei.
Todavia, no caso em apreciação, as condutas nem se enquadrariam na insignificância, pois
não se pode concluir que os pedidos realizados pelo CLEOZEMIR se enquadrem em
pequeno valor.
A causa de aumento prevista no art. 317, §1º:
Pretende o Ministério Público que o CLEOZEMIR tenha sua pena aumentada em virtude do
previsto no art. 317, §1º, onde se prevê:
§1º - A pena é aumentada de um terço, se, em consequência da vantagem ou
promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o
pratica infringindo dever funcional.
Conforme já comentei, comprovou-se ter o CLEOZEMIR praticado ato infringindo dever
funcional quando agia como despachante, já que visava o interesse do particular,
circunstância em que o interesse da administração ficava em segundo plano. Nesse sentido,
quando atuava para apressar o pagamento em favor do empresário, cuja empresa tinha
contratos com o DETRAN.
Todavia, o reconhecimento desta causa de aumento, não traz a consequência pretendida
pela acusação, tendo em vista outra causa prevista no art. 327, §2º, também na parte
especial.
Conforme ficou evidenciado nos autos, o CLEOZEMIR ocupava o cargo de diretor financeiro
do DETRAN.
Assim, em havendo condenação, deveria ser aplicada a causa de aumento prevista no
CPB, art. 327, §2º:
§ 2º - A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes
previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de
direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de
economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público.
Neste caso, deveria ser aplicada as duas causas de aumento (art. 317, §1º e art. 327, §2º).
No entanto, em conformidade com o que se prevê no 68, parágrafo único, a cumulação é
indevida. Prevê o dispositivo em questão.
Art. 68. (...) Parágrafo único - No concurso de causas de aumento ou de
diminuição previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a
uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua
Em conformidade com a posição dominante, a partícula •"pode" é interpretada como
•"deve", por se tratar de situação mais favorável ao acusado.
Assim, apesar de reconhecer as duas incidências, o juízo pode aplicar apenas uma causa
de aumento e, como ambas tem o mesmo montante, deve utilizar a causa de aumento em
1/3.
Assim, por tudo o que ficou evidenciado, o CLEOZEMIR agiu com dolo direto e intenso,
buscando auferir recurso para sua satisfação e de terceira pessoa, atingindo frontalmente
os interesses da Administração Pública a que se comprometeu defender.
Neste caso, cabe um sucinto comentário.
Na avaliação dos crimes contra a Administração Pública, tem-se visto que alguns agentes
inicialmente são refratários à conduta ilícitas. Por algum motivo egoístico, acabam aderindo
às condutas ilícitas, mas ainda com algumas reservas. Como seus comportamentos
indevidos não tem nenhuma consequência, os freios éticos que normalmente acompanham
o homem probo, vão ficando frouxos. À partir de então, aquele servidor que à princípio tinha
uma capacidade de recusar avançar em patrimônio indevido, passa a agir sem qualquer
limite. Acaba se transformando numa figura que ele desconhecia até que, num fatídico dia,
sua conduta é descoberta e passa a ostentar uma condição que ele recusa a reconhecer: é
um bandido.
Infelizmente esta situação tem acontecido com vários agentes públicos que até serem
descobertos aparentavam ser profissionais de conduta ilibada, probos. Ainda assim, apesar
de vários agentes públicos estarem sendo descobertos e presos, vários ainda persistem em
praticar essas condutas, manchando seus nomes, de suas famílias.
De qualquer sorte, o CLEOZEMIR praticou os crimes denunciados e, portanto, merece
receber as penas cabíveis, não lhe socorrendo a incidência de dirimente da criminalidade ou
excludente da culpabilidade.
Dispositivo
Ao exposto, julgo procedente o pedido constante na denúncia inaugural para condenar
CLEOZEMIR TEIXEIRA LIMA. qualificado nos autos, como incurso no artigo 317, §1º c/c
art. 327, §2º, na forma do art. 71, todos do Código Penal Brasileiro.
Passo a dosar-lhe a pena.
Culpabilidade exacerbada, pois à época dos fatos o réu era exercia a função de gerente
financeiro do DETRAN, órgão de grande arrecadação em nosso estado. Não registra
antecedentes dignos de nota. A conduta do réu é socialmente reprovável. Não há nos autos
informações acerca da personalidade do agente. Os motivos pesam contra o réu, pois
praticou o crime com intuito de enriquecimento ilícito para si e para terceiros. Não há nos
autos informações quanto aos motivos da prática do delito. As circunstâncias e
consequências do crime lhe são desfavoráveis, em razão do grande saque dos cofres
públicos por outros agentes envolvidos na operação que deflagou essa ação penal,
causando grave prejuízo a toda população rondoniense que deixou de receber melhorias
em diversas áreas como saúde, educação, em razão da falta de recursos financeiros. A
vítima, no caso o Erário Público, em nada contribuiu para a prática do delito.
Assim, considerando a culpabilidade, conduta social, motivo e as circunstâncias e
consequências do delito, fixo-lhe a pena base em 4 anos de reclusão e 100 dias multa
para cada um dos crimes de corrupção passiva.
Ausentes circunstâncias legais a considerar.
Presente a causa especial de aumento de pena previsto no art. 327, §2º, pelo que elevo a
pena aplicada de 1/3, tornando-a em 5 anos e 4 meses de reclusão e 133 dias multa para
cada um dos crimes de corrupção passiva.
Presente entre os crimes de corrupção pasiva a continuidade delitiva- ex-vi CP Art. 71,
razão pela qual elevo a pena de 1/4 tornando-a definitiva em 6 anos e 8 meses de
reclusão.
O aumento pela continuidade delitiva deu-se em 1/4 em razão do número de crimes, no
caso quatro.
A respeito do tema Damásio E. de Jesus preleciona:
"Dentro do limite mínimo e máximo do aumento o juiz pode impor o acréscimo que
lhe parecer correto. Note-se que o dispositivo fala em aumento de um sexto a dois
terços. E o aumento varia de acordo com o número de crimes ... O Tribunal de
Alçada Criminal de São Paulo aplica os seguintes princípios: 1º) dois crimes:
acréscimo de um sexto: 2º) três delitos: um quinto; 3º) quatro crimes: um quarto:
4º) cinco delitos: um terço: 5º) seis crimes: metade: 6º) sete delitos ou mais: dois
terços..." Código Penal Anotado, Editora Saraiva, 8ª Edição, 1998, página 215.
Quanto à pena de multa, considerando que foram pelo menos sete os peculatos praticados,
torno-a definitiva em 532 dias multa, conforme disposto no art. 72 do Código Penal.
Considerando as condições financeiras do réu, fixo o valor do dia multa em R$ 20,73 (1/30
do salário mínimo vigente), totalizando R$ 11.028,36.
Para cumprimento da pena fixo o regime inicial semiaberto, conforme disposto no art. 33,
•§2º, •"b", do Código Penal.
O réu não preenche os requisitos no art. 44 do Código Penal, não fazendo jus à conversão
da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.
Deixo de decretar a perda do cargo e/ou função pública do réu por entender desnecessária
tal medida em razão da ofensividade do delito praticado pelo acusado. O fato foi criminoso,
mas a conduta do acusado não resultou maiores danos ao Erário Público, mas apenas à
improbidade administrativa
Condeno-o ainda ao pagamento das custas processuais no valor de R$ 141,87.
Certificado o trânsito em julgado desta sentença ou do eventual recurso que a confirme,
lancem os nomes do réu no rol dos culpados, promovam-se as anotações e comunicações
pertinente, inclusive ao TRE-RO e expeçam-se mandado de prisão contra o réu. Preso,
expeça-se guia de recolhimento, cuja cópia instruída na forma da lei e com ciência
ministerial deve ser encaminhada ao douto Juízo especializado para execução das penas.
Intimem-se o réu ao pagamento da pena de multa e das custas processuais, no prazo de 10
(dez) dias, a contar do trânsito em julgado desta decisão, sob pena de inscrição em dívida
ativa.
Cumpridas as deliberações supra, arquivem-se os autos.
P. R. I.
Porto Velho-RO, quarta-feira, 31 de outubro de 2012.
Franklin Vieira dos Santos
Juiz de Direito
RECEBIMENTO
Aos ____ dias do mês de Outubro de 2012. Eu, _________ Rosimar Oliveira Melocra - Escrivã(o) Judicial,
recebi estes autos.
REGISTRO NO LIVRO DIGITAL
Certifico e dou fé que a sentença retro, mediante lançamento automático, foi registrada no livro eletrônico sob o número
736/2012.