FÚRIA DE HADES

O filme “Fúria de Titãs 2” é um lixo, porque traz inverdades mitológicas gritantes.

Publicada em 11/01/2013 às 15:26:00

     Havia meses que eu procurava o DVD “Fúria de Titãs 2”, mas não conseguia localizá-lo em lugar algum. Por um golpe de sorte, encontrei-o em conhecida loja aqui de Porto Velho. Assisti ao filme no mesmo dia. Um lixo!

     Meu distinto leitor, quem é o cara ávido por livros sobre mitologia? Esse cara sou eu! E tanto faz ser grega, nórdica ou africana. Os orixás do candomblé (mito Iorubá), Odin e Thor (mitologia escandinava) e os deuses olimpianos, além dos titãs (mito grego), são assuntos que me consumiram horas de estudo.

     O filme “Fúria de Titãs 2” é um lixo, porque traz inverdades mitológicas gritantes. No enredo, HADES, ressentido com ZEUS por ter sido banido para o mundo dos mortos, une-se ao sobrinho ARES para libertar o titã CRONOS, a fim de derrotar ZEUS e subjugar o mundo.

     Primeiramente, HADES nunca foi banido do Olimpo. Sua condição de senhor do mundo inferior foi uma imposição do “destino” (nem mesmo um deus poderia contrariar o destino). Ele aceitou o que as Moiras tinham determinado e foi cumprir seu papel no mundo subterrâneo.

     Quem tiver interesse em aprofundar o assunto, deve ler a “Teogonia” de Hesíodo. O poema, que possui mais de mil versos, narra a origem dos deuses gregos. Apesar de as histórias, às vezes, contradizerem-se, o mito é envolvente e assaz rico.

     URANO, primeiro rei dos deuses, foi destronado por seu filho CRONOS. Este, por sua vez, teria a mesma sorte de seu pai, isto é, seria destronado por um filho.

     Ciente da profecia, CRONOS (a fim de evitar ser destronado por um rebento) engolia seus filhos, quando nasciam. REIA, esposa de CRONOS, ao dar a luz ao último filho, escondeu-o numa caverna (essa narrativa mítica lembra a história de Jesus, que teve que fugir e ser escondido de Herodes). No entanto, CRONOS sabia que REIA estava grávida e, assim, esperava engolir mais um filho, o que fez REIA usar um ardil: entregou a CRONOS uma pedra enrolada num pano, que imediatamente foi engolida. Quando ficou adulto, este filho (ZEUS) escondido de CRONOS, secretamente, ministrou-lhe um forte emético, que o fez regurgitar seus irmãos e a pedra engolidos (diz-se que, no lugar onde essa pedra caiu, foi construído o oráculo de Delfos, onde a Pitonisa oferecia suas profecias).

     Libertos seus irmãos (eles não morreram no estômago de CRONOS, porque eram imortais), ZEUS os comandou na vitória contra os Titãs (a geração anterior de deuses), os quais sofreram duras penas impostas pelos deuses olimpianos. Uns foram aprisionados no Tártaro (equivalente ao nosso inferno); outros receberam penas cruéis, como Atlas, que foi obrigado a segurar os céus nas costas pela eternidade (termos como atlas geográfico e oceano Atlântico são referências ao titã).

     Vencidos os Titãs, era hora de dividir o mundo entre os deuses da nova ordem. Era preciso saber quem comandaria o céu (este seria o rei dos deuses), o mar e as terras inferiores. Eles sortearam entre si, tendo HADES ficado com o mundo subterrâneo, POSEIDON, com os mares e ZEUS, com o céu.

     Equivocada, portanto, a ideia do filme de que HADES foi banido para o HADES (essa palavra tanto designava o próprio deus dos mortos, como o reino subterrâneo).

     Não há na “Teogonia” de Hesíodo, na “Ilíada” e na “Odisseia” de Homero, muito menos na “Eneida” de Virgílio (obras devoradas por mim, nas intermináveis greves da Universidade Federal da Paraíba) referência a banimento de HADES.

     Em segundo lugar, também não é verdade que HADES foi um deus mau, como insinua o filme (e o desenho “Hércules”, de Walt Disney). Ele tinha sua missão, que era guardar o reino dos mortos, nada mais... Para o Hades (lugar), não iam apenas as almas ruins. Os bons espíritos tinham o mesmo destino!

     Enfim, uma narrativa inverídica e infeliz, que deve ter deixado o deus dos mortos furioso e louco de vontade de aprisionar seus idealizadores no Tártaro.

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Theodorico Gomes Portela Neto é Procurador da Fazenda Nacional, Professor e Músico.