Jam Votava: Um Imigrante em Costa Marques que conheceu Adolf Hitler

Sílvio M. Nascimento*

Publicada em 21 de February de 2015 às 18:10:00

Quem visitou a prefeitura de Costa Marques durante os anos 90 deve ter encontrado,  em meio aos corredores ou no pátio entremeado de máquinas e carros sucateados, um branquelo eslavo alto,  de olhos verdes,  que andava com uma pequena caixa de ferramentas na mão, consertando motores ou verificando instalações elétricas. Seu nome de batismo era Jan Votava, contudo, naquela cidade fronteiriça de Rondônia, era conhecido pela alcunha de “Tcheco”. Este homem conheceu de perto Adolf Hitler.

Nasceu na antiga Tchecoslováquia (país anexado pela Alemanha nazista em 1939),mas sempre se considerou costamarquense de coração e por adoção. Era um sujeito calmo, andar faceiro e voltado a bebericar cafezinho e fumar cigarros Hilton, sua grande paixão. Poliglota (dominava seis idiomas) e de inteligência rara, Tcheco ganhava a vida com um modesto salário de servidor do Estado,além de fazer bicos rotineiros como eletricista ou mecânico, profissões que dominava com destreza.

Serviu de forma obrigatória o exército nazista durante a Segunda Guerra Mundial,convivendo com a realidade dramática dos campos de concentração. Certa vez,encontrava-se em formação militar, quando Adolfo Hitler passou em revista as tropas do exército nazista. Dizia que em tamanho e estrutura corporal, o líder nazista era “uma porqueirinha, uma insignificância de gente”. É sobre essa etapa deveras importante da vida que Tcheco se negava a contar, mesmo com a minha insistente alegação sobre o valor do seu testemunho para os mais jovens.

Após a derrota da Alemanha no conflito, Tcheco migrou para a Espanha e passou por vários países da América do Sul. Entrou no Brasil e, depois de breve estada em São Paulo, viajou para a região norte, estabelecendo-se em Costa Marques, onde ganhava o pão consertando diversos tipos de motores. Numa de suas tiradas populares contadas por um morador antigo, o Tcheco empreitou o conserto do jipe da polícia, mas saiu com o veículo para farrear à noite e o capotou. Ameaçado de ser preso pelo delegado da localidade, sua autodefesa foi taxativa: se o prendesse não consertaria mais a viatura.Como era o único mecânico da região, conseguiu a absolvição da autoridade.

Tcheco era um fumante inveterado e com o passar dos anosfoi acometido de enfisema pulmonar, doença que o levaria a morte no ano 2000. Sua situação se agravou em razão da demissão do quadro de efetivos pelo ex-governador José Bianco, o que lhe impossibilitou a manutenção de fundos financeiros para custear o tratamento medicamentoso contra a doença.

Enfim, Tcheco poderia ter deixado um relato inédito para a história e às futuras gerações por ter vivenciado in loco os horrores da Segunda Guerra Mundial.Provavelmente, teve suas razões para levar toda essa gesta de vida e sabedoria , que administrava com simplicidade, para as profundezas do túmulo.

*O autor é historiador formado pela UFRN e Mestre em educação pela Unir. E-mail:[email protected]