Religiões: União do Vegetal, polêmica que seduz os jovens

Publicada em 00/00/0000 às 15:39:00

Fátima* estudou no Colégio Salesiano desde os seis anos de idade. Durante 10 anos, freqüentava contra a própria vontade as missas todos os dias, às 7 da manhã. Ao terminar o ensino médio, tinha certeza de que jamais optaria pela religião Católica, mas também não tinha a menor idéia de que caminho espiritual seguir.

Aos 20 anos, ela começou a namorar Pedro*, um jovem estudante que lhe impressionava por ser tranqüilo e maduro para a idade. Era um rapaz que trocava as festas e baladas do sábado à noite para freqüentar um grupo até então desconhecido chamado ‘União do Vegetal’, a UDV.

Quando Pedro explicou o que era a religião, Fátima não conseguia entender como tantas pessoas conseguiam ficar sentadas em torno de uma mesa, bebendo um chá, ouvindo músicas diferentes e quase em silêncio durante quatro horas. “Isto deve ser coisa de gente drogada”, pensava ela.

Para saciar a curiosidade, a moça decidiu acompanhar o namorado em uma sessão. Com a permissão do mestre responsável pelo núcleo religioso, ela ‘bebeu o vegetal’. “No início, foi uma sensação péssima. Vomitei muito e passei mal. Mas só depois de algumas sessões pude perceber que, naquele momento, meu corpo estava carregado de energias ruins e que precisava de uma lavagem. Foi uma desintoxicação completa”, explica.

Fátima não estava passando por uma fase boa quando procurou a UDV. Além de não falar com sua mãe durante quatro anos, a mulher pela qual nutria um amor materno, a empregada da casa, Lia*, sofria de Lupus, doença progressiva e incurável.

“Foi muito difícil superar aquele período. Acompanhei diariamente o sofrimento de Lia e tive que juntar dinheiro para arcar com as despesas médicas dela. Encontrei muita força na União. As pessoas me aconselhavam e me ajudavam como podiam. O mestre na época, que é médico, chegou a fazer todo o tratamento dela sem cobrar nada. Lá é como uma família. Existe um compromisso entre as pessoas”.

Cinco anos após a entrada na União do Vegetal, Fátima conseguiu superar o impacto da perda da sua mãe de criação, que faleceu há três anos, e voltou a falar com sua mãe biológica, deixando para trás as mágoas e os ressentimentos na sua relação com os familiares.

“Acredito que a religião só faz sentido quando vemos a teoria se transformar em prática no nosso dia-a-dia, e foi isso que aconteceu comigo. Tive que amadurecer muito cedo por conta dos problemas na minha família, o que me deixava muito ansiosa e angustiada. Depois que entrei na UDV, fiquei mais serena, tranqüila e com vontade de ajudar o próximo, enxergando o mundo com um senso de cooperação e união”.

Usuário de drogas se liberta do vício - Antônio*, 24, era viciado em drogas desde os 13 anos. Até os 21 anos, fumava maconha, cheirava cocaína, consumia álcool e ácido lisérgico (LSD), com freqüência.

Aos 18 anos, quando entrou na faculdade, o vício atingiu o auge e ele percebeu que a vida havia perdido o sentido. “Acordava perdido no chão de algum lugar desconhecido, sem ter a menor idéia de como tinha chegado lá”.

Foi quando recebeu o convite de um amigo para freqüentar a União do Vegetal há três anos. O processo de desintoxicação física foi gradual, mas surtiu um efeito quase milagroso no rapaz. Antônio parou definitivamente de usar drogas e não consome álcool, nem mesmo socialmente.

Passei por uma grande transformação física e psicológica. A União me ajudou a largar o vício voluntariamente, além de ter contribuído para que eu enxergasse melhor os meus defeitos, o que facilitou o meu relacionamento com as pessoas”.

Segundo Antônio, nunca houve nenhuma pressão nas sessões da União do Vegetal para que ele largasse o vício. “A única coisa que o mestre falou a respeito é que o chá é naturalmente incompatível com o álcool. É muito comum que as pessoas na União deixam de beber. E eu pude comprovar isto na prática”.

Curiosidades sobre o Chá - Entre 1985, o Conselho Federal de Entorpecentes (Confen) suspendeu o consumo do chá de oaska e instituiu um grupo de pesquisa multidisciplinar para estudar o ‘alucinógeno’ e seus usuários.

Em 1987, o órgão concluiu que o seu uso não representava perigo ou ameaça à ordem pública ou à saúde do indivíduo. Em 1992 foram feitas novas denúncias e foi reaberto o processo. Outra vez, a comissão reafirmou seu parecer anterior e liberou o uso apenas em cerimônias religiosas.

No entanto, o chá ainda é alvo de estudos e críticas na sociedade. Uma pesquisa recente desenvolvida pela Universidade Federal de São Paulo revela que não foi constatada dependência química entre os usuários habituais do chá e que há evidências de que o uso da bebida em contexto religioso tem acarretado benefícios e, muito raramente, conseqüências indesejáveis.

“Documentamos a existência de quinze dependentes graves de álcool que se tornaram abstinentes a partir do momento em que passaram a freqüentar os rituais da seita União do Vegetal”, comenta o coordenador do Programa de Orientação e Assistência Dependentes do Departamento de Psiquiatria da Unifesp, Dartiu Xavier da Silveira.

História da Religião - A União do Vegetal (UDV) ainda é uma religião desconhecida para a maioria das pessoas. Surgiu na antiguidade, quando Caiano, discípulo e assistente do Rei Salomão, teria recebido uma ‘mensagem divina’ de que o segredo da vida está na natureza e nos vegetais. Após esta revelação, o mensageiro teria reencarnado em diversas vidas para restaurar a união dos homens através do vegetal. Os adeptos acreditam que, neste século, Caiano voltou no corpo do baiano José Gabriel da Costa.

José Gabriel nasceu em 1922 no município de Coração de Maria, na Bahia. Com 40 anos, se mudou para Porto Velho, Rondônia, com o objetivo de trabalhar como seringueiro na Floresta Amazônica, onde encontrou o chá Oaska, também conhecido por ‘Vegetal’.

Ao tomar o chá, começou a se recordar de suas vidas passadas e examinou durante três anos as revelações. A partir de 1961, divulgou a religião, nomeou-se como mestre e começou a doutrinar pessoas e distribuir o chá.
No início, a UDV não tinha registro oficial e a polícia chegou a prender o Mestre Gabriel pela prática clandestina. Tendo suas atividades temporariamente suspensas no início dos anos 70 pela Divisão de Segurança e Guarda do Território do Guaporé, a UDV impetrou um mandado de segurança, com a mudança de denominação da sociedade para o registro definitivo de Centro Espírita Beneficente União do Vegetal.
Apesar da entidade não ser secreta, procura manter um distanciamento da sociedade após as polêmicas e constantes acusações contra o uso do chá Oaska – ingerido pelos adeptos durante o ritual. A bebida é preparada com água fervida misturada com o cipó de Mariri e a folha e o fruto da planta Chakrona.

Para evitar conflitos com a população, a organização apenas concede a autorização para freqüentar o centro aos interessados caso sejam convidados por um dos membros e aprovados por um dos mestres da religião após entrevista particular.

Para participar do ritual, todos devem beber um copo inteiro contendo o chá de Oaska, que provoca sensações diferentes e algumas bastante incômodas, como tontura e náuseas. Após uma hora, a sensibilidade do indivíduo fica aguçada e muitos se retiram para vomitar. Algumas pessoas ouvem sons estranhos, outras dizem ter distorções visuais, outras dizem ter uma sensação de paz e tranqüilidade. Mas de fato é impossível não sentir os efeitos do chá no corpo.

Os adeptos da UDV chamam estas sensações de ‘burracheira’ – nome proveniente dos seringais da Amazônia, onde os vegetais do chá são originados. Eles garantem que o vegetal não é droga e que não faz qualquer mal á saúde. Muitas mulheres grávidas e com filhos pequenos apostam até mesmo nos efeitos benéficos e sagrados da bebida, oferecendo o chá às crianças.

O uso do chá provoca polêmicas na sociedade. Os poucos que já ouviram falar na religião se referem à UDV como ‘seita de drogados’, que se reúnem em locais isolados para terem alucinações coletivas.

“O objetivo da União é livrar a humanidade da ilusão, ensinando o homem a se conduzir. O chá é um instrumento poderoso porque proporciona a cada um o auto-conhecimento e a regeneração espiritual, através do reconhecimento dos próprios erros e de auto-superação”, contesta o mestre da sede geral da UDV, Joaquim José de Andrade Neto.

* Nomes alterados a pedido das fontes