Santo Antônio espera um milagre

“Em especial, a população mais velha diz que nunca viu uma cheia tão grande e relaciona isso às usinas”, diz Confúcio Moura (PMDB), governador de Rondônia, de seu gabinete com vista para o rio.

Publicada em 28 de July de 2016 às 11:32:00

Por: Carlos Eduardo Valim/Istoé

Com a entrada em operação das últimas turbinas da usina do Rio Madeira, o primeiro dos projetos recentes de hidrelétricas gigantes chega ao fim, depois de oito anos de obras e R$ 20 bilhões de investimentos. A missão de agradar ambientalistas, investidores, governo e população local, ao mesmo tempo, é digna de um santo

Os sinais do desenvolvimento em ciclos da Amazônia estão pelas ruas às margens do Rio Madeira, em Porto Velho, a capital de Rondônia. Lá se pode ver uma relíquia dos tempos do ciclo da borracha, os trilhos desativados da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, construída numa aventureira empreitada realizada entre 1907 e 1912 e que levou à morte mais de 10 mil dos 60 mil trabalhadores envolvidos no projeto. Ao se dirigir para uma rua paralela acima, estão alguns prédios públicos modernos, mas que foram desativados depois da cheia histórica do rio, em 2014. Num muro à frente da edificação em que deveria funcionar o Tribunal Regional Eleitoral, uma marca indica que mesmo ali, a dezenas de metros do Madeira, as águas superaram um metro de altura. As razões para a cheia, segundo especialistas do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (Ceptec) e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), foram as chuvas na Cordilheira dos Andes, na Bolívia, onde ficam as nascentes do Madeira. Mas, para parte representativa da população de Porto Velho, teve influência no desastre a construção da Usina Hidrelétrica Santo Antônio, dentro do município, e de Jirau, a 120 quilômetros da cidade. “Em especial, a população mais velha diz que nunca viu uma cheia tão grande e relaciona isso às usinas”, diz Confúcio Moura (PMDB), governador de Rondônia, de seu gabinete com vista para o rio. “Entendo que exista uma questão nostálgica por parte de algumas pessoas, mas vamos ter de deslocar os bairros mais sensíveis”, afirma.

A construção das usinas permitiu ao estado uma situação incomum no Brasil atual. No meio da crise econômica, Rondônia continuou crescendo a taxas acima de 2% ao ano e não sofre com a alta do desemprego. A Federação das Indústrias do Estado de Rondônia (Fiero) também elabora um projeto que será apresentado em dezembro, identificando setores de grande potencial para os próximos 15 anos. Entre os objetivos, está atrair indústrias, em especial, as ligadas ao processamento de carne, além de aumentar os negócios das cooperativas agrícolas e da exportação de peixes. “O maior legado da construção das usinas próximas de Porto Velho foi a evolução do empresário, que se formalizou para prestar serviços para a usina”, diz Marcelo Thomé, presidente da Fiero. “Isso afetou os negócios da cidade toda e melhorou o perfil da mão de obra.”

Esse impulso extraordinário agora tem data para terminar. A construção da Santo Antônio, um monumental projeto envolvendo Furnas, Odebrecht, Andrade Gutierrez, Caixa FIP e Cemig, vai terminar em novembro, quando ela ligar as suas seis últimas turbinas do total de 50 planejadas. Será a conclusão de uma epopeia. Durante oito anos, as obras consumiram investimentos de R$ 20 bilhões – duas vezes o valor do projeto inicial –, exigiram um pico de 22 mil homens trabalhando ao mesmo tempo, envolveram greves e disputas trabalhistas e com ambientalistas enfrentaram desafios técnicos. As obras também sobreviveram ao envolvimento das companhias acionistas na operação Lava Jato, à má situação financeira dos investidores e a uma séria crise no setor elétrico brasileiro. “Num país em que tudo atrasa, começamos a operar até antes do prazo previsto”, diz Eduardo de Melo Pinto, presidente da concessionária Santo Antônio Energia. Iniciada em setembro de 2008 e com operações desde março de 2012, a usina será o primeiro dos grandes projetos estruturantes recentes de energia a ficar pronto – Jirau e Belo Monte estão ainda em fase inicial de atividade.

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