A sinfonia dos mortos, por Weiller Diniz

"Nesse desgoverno morte é a meta e o ódio um método. Corrupção, mentira, tortura e morte são as marcas dos governos militares", diz o jornalista Weiller Diniz

Weiller Diniz
Publicada em 23 de abril de 2022 às 15:40
A sinfonia dos mortos, por Weiller Diniz

Os acordes funestos da dissonância civilizatória de Bolsonaro são regidos pela pulsão de morte. A tônica de sua existência inútil gravita em torno de um hinário repetitivo e tumular: armar a população, sintonia com a milícia e compassos harmônicos com sanguinários assassinos, os maestros da tortura como Brilhante Ustra, Major Curió, Alfredo Strossner, Augusto Pinochet, Adolfo Hitler e outros facínoras. Mais de 10 mil horas de gravações das audiências do Superior Tribunal Militar, entre os anos de 1975 e 1985, tornadas públicas, detalham as torturas da ditadura militar. 

Indagado sobre essa estridência autoritária e desumana, o General Hamilton Mourão, afinado com a barbárie debochada alçada ao poder após Bolsonaro, riu sobre uma investigação dos casos narrados nas gravações. “Apurar o quê? Os caras já morreram tudo, pô (risos). Vai trazer os caras do túmulo de volta?”, escarneceu o general. O atual presidente do Superior Tribunal Militar, Luís Carlos Gomes de Mattos, ecoou o desdém: “Não estragou a Páscoa de ninguém. A minha não estragou”. Fatos lamentáveis produzidos por autoridades públicas cuja missão deveria ser proteger a vida e os direitos humanos.

 A perversão de Mourão e do chefe do anacrônico STM são estribilhos torturantes das notas debochadas de Bolsonaro sobre as vítimas da guerrilha do Araguaia, uma parte assassinada pelo amigo deles, Major Curió, que foi recebido com honras no Palácio em maio de 2020: “Quem vai atrás de osso é cachorro”, zombou quando ainda era deputado.

 As defesas de Bolsonaro a torturadores são desavergonhadas. Ao votar pelo afastamento da Presidente Dilma Roussef enalteceu Brilhante Ustra, um sádico covarde condenado por tortura. Já na presidência, em 2019, escarneceu sobre a morte do pai de Felipe Santa Cruz, ex-presidente da OAB: 

“Um dia se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar eu conto para ele. Ele não vai querer ouvir a verdade. Eu conto para ele”. O pai do ex-presidente da OAB militou na Juventude Universitária Católica em Pernambuco e depois integrou a Ação Popular, organização contrária ao regime militar. Fernando Santa Cruz desapareceu em um encontro que teria no Rio de Janeiro, em 1974, com um colega militante, Eduardo Collier Filho, da mesma organização.

Em dezembro de 2014, a Comissão Nacional da Verdade divulgou um relatório responsabilizando 377 pessoas por crimes cometidos durante a ditadura, entre os quais tortura e assassinatos. O documento também apontou 434 mortos e desaparecidos durante a repressão dos militares; além de 230 locais de violações de direitos humanos. Entre as vítimas estavam a jornalista e autora das reportagens contendo as gravações do STM, Miriam Leitão. Ela própria foi objeto de outro insulto por parte do deputado Eduardo Bolsonaro que fez uma publicação em redes sociais dizendo que estava com pena da cobra, usando um símbolo do animal. Miriam Leitão estava grávida quando usaram uma cobra numa sala escura para torturá-la durante a ditadura. “Bananinha”, apelido dado ao filho de Bolsonaro por Mourão, duvidou da tortura contra a jornalista.

A partitura genocida durante a pandemia só reforçou essa toada sepulcral e condenou mais de 660 mil brasileiros à morte. Todos esses mortos, em uma missa fúnebre e eterna perseguirão Bolsonaro até o fim de seus dias, que tudo indica serão agônicos, febris e insones. Terá seu outono miserável como aquele reservado ao ditador na obra de Gabriel Garcia Marquez. Prelúdios inquietantes dessa maldição ressoam das execuções do miliciano Adriano da Nóbrega, na Bahia, e de inocentes como a vereadora Marielle Franco e Anderson Gomes, no Rio de Janeiro. Uma marcha maligna que segue ecoando um concerto de vozes fantasmagóricas que arrepiam a retreta miliciana: 

“Ele já sabia da ordem que saiu para que ele fosse um arquivo morto. Ele já era um arquivo morto. Já tinham dado cargos comissionados no Planalto pela vida dele. Fizeram uma reunião com o nome do Adriano no Planalto. Entendeu, tia? Ele já sabia disse, já. Foi um complô mesmo”. 

O tom grave da acusação foi captado pelos microfones da Polícia Civil do Rio em um diálogo entre Daniella Magalhães e uma tia, dois dias após o “cancelamento” do irmão dela, Adriano da Nóbrega. O capitão Adriano foi o maestro da milícia carioca regendo o conhecido o “escritório do crime”, que reúne matadores que tocam de ouvido com os adágios fúnebres do clã Bolsonaro. É um cadáver loquaz e incômodo. 

Na banda da ‘rachadinha’ no gabinete de Flávio Bolsonaro, Nóbrega mostrou seu prestígio empregando a mãe e a ex-esposa. Foi agraciado com a maior pauta honorífica da Alerj (medalha Tiradentes) entregue na cadeia pelo 01 e, depois do CPF “cancelado”, foi citado como “herói da Polícia Militar” e “brilhante” por Jair Bolsonaro. Bolsonaro foi expulso do Exército por recitais terroristas e Nóbrega também foi expelido da Polícia Militar pelo conjunto da obra delinquente. A intimidade com a milícia e a morte os aproxima.

​Empunhando a batuta sanguinária à frente da filarmônica do crime, Nóbrega era um foragido, fustigado por uma sinfonia de delitos: associação com a máfia dos caça níqueis, envolvimento com a contravenção, assassinatos, atentados, participação nos ensaios da melodia das ‘rachadinhas’ e na orquestração dos assassinatos da vereadora Marielle Franco e de Anderson Gomes em março de 2018. Vítimas que também seguem testemunhando com estridência incômoda. 

Entre os principais trovadores do “Escritório do Crime” brilha o PM reformado, Ronnie Lessa, vizinho dos estúdios da família Bolsonaro no ruidoso condomínio Vivendas da Barra, um bairro que cheira a milícia e onde o capitão teve uma audiência de 74,5% da plateia eleitoral. A filha de Ronnie Lessa fez um dueto romântico com um dos filhos do capitão, o enrolado Jair Renan Bolsonaro. Lessa responde pelos estampidos que mataram Marielle. Mesmo com tantos vínculos, Bolsonaro tripudia da inteligência alheia renegando a afinação com o grupo de extermínio, mas já ensaiou a legalização da milícia e foi bisado pelo filho Flávio Bolsonaro. Triste espetáculo. 

Flávio Bolsonaro puxou o coro dos elogios à milícia na Alerj em 2007: “A milícia nada mais é do que um conjunto de policiais, militares ou não, regidos por uma certa hierarquia e disciplina, buscando, sem dúvida, expurgar do seio da comunidade o que há de pior: os criminosos”. O pai aplaudiu o estribilho fascista do filho: “Elas oferecem segurança e, desta forma, conseguem manter a ordem e a disciplina nas comunidades. É o que se chama de milícia. O governo deveria apoiá-las, já que não consegue combater os traficantes de drogas. E, talvez, no futuro, deveria legalizá-las”. A milícia é uma organização marginal, acima das leis e que despreza os poderes constituídos. O estado do terror policial na Alemanha nazista foi montado a partir de órgãos paraestatais como a milícia que redundaram na criação da SS e na Gestapo, fortalecidas pelo 3 Reich com arpejos políticos previamente selecionados e diapasões autoritários.

Na inacabada apuração sobre Marielle Franco, o capitão segue fiel às pautas da distorção. O porteiro do condomínio onde mora Bolsonaro contou que Élcio de Queiroz esteve lá no dia do ataque e disse que visitaria Bolsonaro, mas se dirigiu à casa de Ronnie Lessa. O porteiro afirmou ter telefonado à casa de Bolsonaro para avisar que o visitante tinha ido para outra residência, quando teria ouvido do interlocutor que ele “sabia para onde ele (Élcio) tinha ido”. O porteiro disse acreditar que a voz no telefone era de Bolsonaro. Segundo reportagem da TV Globo, o porteiro teria dito que um homem com a voz de Bolsonaro teria autorizado pelo interfone a entrada no condomínio de Élcio Queiroz. Registros da Câmara dos Deputados mostram que Bolsonaro estava em Brasília naquele dia. 

Sérgio Moro, então um solista bajulador na pasta da Justiça, entubou e abriu um inquérito contra o porteiro, o bilheteiro da ópera bufa. Élcio Queiroz, outro ex-PM, foi o condutor do carro que transportava Lessa e foi acusado de auxiliá-lo na execução. Élcio publicou uma imagem, lado a lado com Bolsonaro, em 4 de outubro de 2018, às vésperas do primeiro turno da eleição presidencial. O deputado condenado a mais de 8 anos pelo STF que quebrou a placa com o nome de Marielle Franco, Daniel Silveira, foi indultado por Bolsonaro que afrontou o Judiciário novamente. Todos juntos e misturados. 

Adriano da Nóbrega também era da mesma fanfarra, do mesmo batalhão da PM, onde serviu o retumbante Fabrício Queiroz que, num alegro inaudível e mal ensaiado tentou traduzir que o “Planalto” citado pela irmã de Adriano da Nóbrega era o Palácio da Guanabara. Bolsonaro fez outro improviso e afirmou que o cargo do “Planalto” se referia ao Palácio das Laranjeiras. 

Segundo as investigações do MP do Rio, Queiroz e Adriano eram amigos. Queiroz, importante ex-funcionário do gabinete de Flávio Bolsonaro e íntimo das duas famílias, indiciou a mulher e a mãe de Adriano, Danielle Mendonça da Costa da Nóbrega e Raimunda Veras Magalhães, para dedilhar no gabinete do então deputado estadual Flávio. Queiroz também teria auferido repasses financeiros de duas pizzarias controladas por Adriano. Dois deles vieram das empresas controladas por Adriano, de acordo com os investigadores: A Pizzaria Tatyara repassou R$ 45,3 mil e o Restaurante e Pizzaria Rio Cap enviou R$ 26,9 mil. 

O MP suspeita que Adriano tenha sido sócio oculto dos dois restaurantes. Formalmente, o ex-policial não aparece no quadro societário das empresas. Quem aparece é a sua mãe, Raimunda Magalhães.

O Ministério Público do Rio de Janeiro rastreava, por meio de grampos telefônicos, os vários naipes da delinquência do chefe das milícias cariocas, Adriano da Nóbrega. Era o começo do ensaio para desvendar todos os falsetes do ex-capitão do Bope convenientemente assassinado na Bahia. As diligências encontraram transcrições dos áudios revelando a referência dos bandidos a um sujeito identificado como: “Jair”, “HNI (presidente)” e “o cara da casa de vidro”. Os três codinomes parecem pertencer a mesma pessoa: Bolsonaro. 

A “casa de vidro” seria, de acordo com o MP/RJ o Palácio do Planalto ou o Palácio da Alvorada, ambas repletas de vidros em suas fachadas. O trabalho realizado pelo MP-RJ foi interrompido. O presidente da República não pode ser investigado pelo órgão estadual. A batuta nesse caso é da sonolenta Procuradoria Geral da República, subjugada pelo clã. A informação mais grave dá conta de que Ronaldo César, apelidado de “Grande”, disse que ligaria para o “cara da casa de vidro” em 9 de fevereiro de 2020, logo após a morte de Adriano. A casa de vidro passou por um isolamento acústico de blindagem absoluta. Os ruídos que vazam de lá adormecem nas caixas silenciosas de Augusto Aras. Todos eles.

O culto à morte, ao armamentismo, a idolatria a sanguinários, milícias e ao extermínio de adversários resumem o doentio recital do capitão. “Só vai mudar, infelizmente, quando um dia nós partimos para uma guerra civil, aqui dentro e fazendo o trabalho que o regime militar não fez: matando uns 30 mil…Se vai morrer alguns inocentes, tudo bem, tudo quanto é guerra morre inocente”, ribombou Bolsonaro em 1999. 

Após 3 décadas o agouro lembra que a profecia macabra foi cumprida muito além das previsões. Mais de 660 mil brasileiros morreram na Pandemia, sempre minimizada pelo capitão. Por 2 anos ele sabotou a ciência, prescrevendo medicamentos inúteis, desqualificando vacinas, convocando e participando de aglomerações, conspirando contra o uso de máscaras e disseminando notícias falsas. Potencializou o contágio e foi decisivo para o aumento do número de óbitos. Um réquiem genocida orquestrado pela incúria e a má-fé. 

O gestual da ‘arminha’ emporcalhou a campanha de 2018, bem como a cena na qual Bolsonaro simulou fuzilar “a petralhada” no Acre. Ao votar contra Dilma Rousseff, o capitão reverenciou o ex-chefe do Doi-Codi, o condenado Carlos Alberto Brilhante Ustra, síntese do sadismo assassino da ditadura. Na presidência, estendeu o tapete vermelho de sangue para o facínora major Curió, comandante da repressão no Araguaia, que resultou em 41 mortes e recebeu nazistas. Uma das únicas agendas de governo é banalizar o acesso às armas de fogo e fragilizar as instituições. Foram 2 tentativas travadas no Congresso Nacional. 

Nos últimos dias vários aliados de Bolsonaro ameaçaram receber o candidato do PT à Ppresidência da República a bala. Um deles, o deputado federal Otoni de Paula, fez a ameaça no plenário da Câmara diante do silêncio ensurdecedor do Procurador Geral da República, que se faz de morto ou de surdo com os timbres da ilegalidade em torno de Bolsonaro que já confessou: 

“Minha especialidade é matar”. Nesse desgoverno morte é a meta e o ódio um método. Corrupção, mentira, tortura e morte são as marcas dos governos militares. Infelizmente nada mudou.

Este artigo não representa a opinião do TUDO RONDÔNIA e é de responsabilidade do colunista.

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