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Pesquisa identificou 129 casos de condutas abusivas em grandes laboratórios globais, incluindo atrasos na entrada de genéricos, cartéis e hiper-aumentos de preços (crédito da imagem: pixabay-divulgação)
Um levantamento inédito realizado pelos juristas brasileiros Luiz Augusto Hoffmann e Pedro Victhor Lacerda, publicado no livro “Condutas Anticompetitivas no Setor Farmacêutico (Centro Brasileiro de Estudos Estratégicos)”, identificou 129 escândalos envolvendo grandes laboratórios em diversos países, inclusive no Brasil.
A pesquisa detalha como empresas como Pfizer, Roche e GSK manipularam preços, retardaram a chegada de genéricos ao mercado e criaram barreiras artificiais para manter monopólios em todo o mundo. Em alguns casos, medicamentos custaram até 1.400% mais caro do que poderiam ser vendidos.
Pacientes com câncer
Um dos casos de conduta abusiva, ou litigância de má-fé, ocorreu no Brasil e impactou a vida de pacientes com câncer. A farmacêutica Eli Lilly, segundo concluiu o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), omitiu informações relevantes em processos judiciais para obter liminares que impediram a entrada de medicamentos genéricos concorrentes no mercado, entre 2007 e 2008. O produto era comprado pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Como consequência da prática, o preço do medicamento chegou a ser 185% mais alto do que o valor que deveria ser cobrado, evidenciando o grave prejuízo à concorrência e aos cofres públicos. O medicamento era o Gemzar (gencitabina), usado para tratar vários cânceres (pâncreas, pulmão, mama, bexiga), ao impedir a multiplicação das células cancerosas. A empresa foi condenada a pagar multa de R$ 36,6 milhões.
Outro caso emblemático é o da Gilead, acusada de vender um antiviral contra Hepatite C com aumento de 1.400% no valor do comprimido após garantir a patente exclusiva. O medicamento, que custava R$ 179, passou a ser vendido a R$ 986, elevando drasticamente o custo do tratamento para o SUS e limitando o acesso de pacientes.
Remédios para náuseas
Em outro caso ocorrido no Brasil, a patente da escopolamina, antiespasmódico usado para aliviar dores e cólicas, era parte de um cartel que durou 30 anos. A investigação do CADE, iniciada em 2021, apontou suspeitas de um conluio entre sete empresas para fixar preços, dividir mercado e trocar informações comerciais no fornecimento do composto Escopolamina-n-BrometoButil. O caso ainda está em fase de instrução.
O livro conclui que o Brasil ainda é vulnerável a práticas anticompetitivas, em razão da falta de integração entre órgãos como CADE, Anvisa, CMED e INPI. Enquanto a CMED regula preços, o CADE não pode intervir em abusos de patentes ou acordos de exclusividade, criando o que os autores chamam de “zona cinzenta regulatória”. “Em um mercado onde quem prescreve não é quem paga, e quem paga não tem poder de escolha, o campo para práticas abusivas é vasto”, sintetiza o texto.
Alerta à sociedade
Mais do que uma análise jurídica, Condutas Anticompetitivas no Setor Farmacêutico é um chamado à responsabilidade pública e institucional. A obra mostra que o abuso econômico no setor não é uma abstração técnica — ele se traduz em menos acesso, mais gastos e vidas em risco. “Defender a concorrência nesse mercado é defender a saúde pública”, afirmam os autores.
Há casos em locais como Estados Unidos, União Europeia, China, Índia e África do Sul. Com base em decisões oficiais, a pesquisa mostra como abusos de patentes, manipulação de preços e litigância de má-fé têm restringido o acesso da população a medicamentos essenciais, distorcido a concorrência e drenado recursos dos sistemas públicos de saúde. O prefácio da obra é assinado pela Dra. Ludhmila Hajjar, uma das cardiologistas mais conceituadas do país.
Confira a tabela a seguir que traz as farmacêuticas envolvidas nos 129 casos relatados no livro e suas atuações no Brasil, com base em informações públicas.
Empresa - Atuação no Brasil
Pfizer
Possui longa e consolidada presença no Brasil, com fábrica em Itapevi (SP) e um dos principais players do mercado nacional.
GSK (GlaxoSmithKline)
Dona de uma das maiores operações farmacêuticas do país, com fábrica no Rio de Janeiro.
Roche
Atua no Brasil nas divisões Farmacêutica e Diagnóstica. Encerrou sua produção de medicamentos no Rio de Janeiro em 2019, mas continua com forte presença comercial e de pesquisa.
Novartis
Forte presença no Brasil, incluindo a subsidiária Sandoz, focada em genéricos e biossimilares.
Sanofi
É uma das maiores farmacêuticas em operação no Brasil, com múltiplas fábricas e um amplo portfólio de produtos.
Merck (MSD)
Possui operações estabelecidas no Brasil, com escritórios e atividades comerciais em diversas áreas terapêuticas.
Boehringer Ingelheim
Atua no país há décadas, com fábrica em Itapecerica da Serra (SP) e foco em saúde humana e animal.
Eli Lilly
Longa história de atuação no Brasil, com foco em áreas como diabetes, oncologia e imunologia.
AstraZeneca
Possui presença significativa no Brasil, ampliada durante a pandemia de COVID-19 com a produção de vacinas.
Johnson & Johnson (Janssen)
Sua divisão farmacêutica, Janssen, tem forte atuação no Brasil, com fábrica em São José dos Campos (SP).
Teva Pharmaceuticals
A empresa israelense, uma das maiores fabricantes de genéricos do mundo, possui operações no Brasil.
Aspen Pharmacare
A empresa sul-africana possui subsidiária no Brasil (Aspen Pharma), com sede no Rio de Janeiro e fábrica em Serra (ES).
Abbott
Possui operações consolidadas no Brasil, atuando nas áreas farmacêutica, nutricional e de diagnósticos.
Baxter
Atua no Brasil com foco em produtos hospitalares, como soluções intravenosas e para diálise.
SOBRE O LIVRO
Obra: Condutas Anticompetitivas no Setor Farmacêutico
Autores: Luiz Augusto Azevedo de Almeida Hoffmann e Pedro Victhor Gomes Lacerda
Prefácio: Profa. Dra. Ludhmila Abrahão Hajjar
Edição: Centro Brasileiro de Estudos Estratégicos – São Paulo, 2025
Páginas: 360
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