CPI: especialistas apontam alto custo e dificuldades técnicas no combate a fake news

E, de acordo com os especialistas ouvidos nesta quarta-feira (6) pela comissão parlamentar mista de inquérito que investiga as fake news, combater essa prática não é uma tarefa simples

Carlos Penna Brescianini/Agência Senado/Foto: Roque de Sá/Agência Senado
Publicada em 07 de novembro de 2019 às 09:47
CPI: especialistas apontam alto custo e dificuldades técnicas no combate a fake news

A CPI ouviu especialistas na checagem de informações

Os custos políticos, econômicos e sociais da divulgação de notícias falsas podem ser incalculáveis. E, de acordo com os especialistas ouvidos nesta quarta-feira (6) pela comissão parlamentar mista de inquérito que investiga as fake news, combater essa prática não é uma tarefa simples: reverter uma corrente de boatos envolve, além de grande custo financeiro, a superação de muitas dificuldades técnicas.

A advogada Adriele Brito, representante da Associações das Empresas de Tecnologia da Informação (Assespro), que engloba empresas como o Facebook e o Google, observa que muitas vezes as fake news envolvem conexões internacionais e geram questões judiciais complexas. Razão pela qual defende a ratificação de acordos internacionais relacionados ao tema pelo Brasil.

— Há vários países que estão passando pelos mesmos problemas que o Brasil e por isso defendemos a ratificação pelo Brasil dos tratados internacionais de trocas de informações — disse a advogada, lembrando que não há anonimato na circulação de comunicações na internet.

A relatora da CPI mista, deputada Lídice da Mata (PSB-BA), informou que deve incluir no seu relatório final a recomendação para que o governo brasileiro e o Congresso Nacional ratifiquem os acordos internacionais que permitem a troca de informações para verificação de informações relacionadas às notícias falsas e as respostas judiciais.

Checagem de notícias

Jornalista e editor do site Boatos.org, Edgard Matsuki afirmou que em seis anos de trabalho desmentiu cerca de 4,5 mil notícias falsas. Segundo ele, as notícias falsas não tratam somente de questões políticas. Há fake news sobre medicina que têm levado, por exemplo, milhares de pessoas a não vacinarem seus filhos ou a não seguirem tratamentos médicos convencionais.

Matsuki explicou que a maior parte das notícias falsas tem como características um texto mal escrito, o pedido para que a pessoa compartilhe a informação, originando-se em um vetor — perfil falso e impulsionamento pago — que gera a difusão inicial. O jornalista disse que o maior problema das fakes news é o seu desmentido nunca ser 100% eficaz na resposta à mentira.

— Um desmentido tem 15 mil visualizações, quando uma desinformação tem três milhões de visualizações — lamentou o jornalista.

Custo alto

Outro obstáculo à comprovação da veracidade das notícias é o custo de checá-las, como explicou Sérgio Boeck Lüdtke, editor do Projeto Comprova (projetocomprova.com.br). Lüdtke disse ter trabalhado durante dez semanas com o WhatsApp, analisando 100 mil arquivos. A partir daí foi possível montar um grande mapa de como são propagadas as notícias falsas. Ele relatou que, no último final de semana da campanha eleitoral de 2018, um conjunto de sites de comprovação de notícias trabalhou conjuntamente e cerca 50 grandes fake news foram investigadas e desmentidas.

— O desafio é ter equipe e recursos financeiros para destrinchar uma notícia falsa. Em regra, entramos em contato com o grande divulgador, a fonte original da notícia, para avisá-la que a informação é falsa. E acompanhamos a reação para ver se ocorre um pedido de desculpas.

Lüdtke narrou a dificuldade que teve recentemente para desmentir a notícia falsa que usava um vídeo de um avião tanque americano apagando um incêndio na Bolívia para dizer que era um avião israelense ajudando no combate ao fogo na Amazônia brasileira.

— Chegamos a falar com a senhora boliviana que filmou originalmente o incêndio na Bolívia. Ela mostrou que o fogo não era na Amazônia nem o avião era israelense. Também localizamos, nos Estados Unidos, o dono da empresa que alugou o avião, para comprovar que não era israelense. Mas tudo isso envolve custos e, por isso, é importante nos associarmos aos veículos tradicionais de imprensa, que buscam a verdade da notícia.

Robôs

Gilmar Lopes, dono do portal e-Farsas, usou uma notícia falsa que teria sido disseminada por um depoente da CPI para demostrar como é realizada uma investigação. Ele utilizou o depoimento e uma postagem do blogueiro Allan dos Santos, que afirmou, em depoimento no dia anterior, estarem o Brasil e Cuba trocando armas nucleares através do Porto de Mariel, em Cuba.

— Na verdade, modificou-se uma matéria da revista Veja de 2014 que relatava o uso do Porto de Mariel para Cuba vender armas à Coreia do Norte. E ele divulgou uma notícia falsa — disse Lopes.

Ele afirmou que trabalha há mais de 17 anos com a investigação de fake news. E que existe um padrão muito comum.

— Uma fake news pede para ser repassada, usa o nome de pessoas importantes, é confusa e contraditória, não se sabe a autoria, apela pelo lado emocional e possui o tom alarmista e conspiratório. Não precisa ter todas essas características, mas várias sempre estão presentes.

Gilmar também mostrou que é comum um site de fake news se hospedar em outro site de fake news. E é notório que vários desses sites ou grupos são mantidos pelos chamados “bots”, programas robôs com a função de divulgar a informação falsa.

Polícia Federal

O presidente da CPI mista, senador Angelo Coronel (PSD-BA), anunciou a participação de um delegado da Polícia Federal nos trabalhos da comissão. O presidente atendeu a uma solicitação do deputado Alexandre Frota (PSDB-SP) para que integrantes da Polícia Federal e do Ministério Público Federal participassem das investigações da CPI.

Angelo Coronel também informou aos integrantes da CPI que o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, deferiu seu pedido nesta terça-feira (5) e a comissão mista poderá funcionar até 2020, completando seus 180 dias de funcionamento, conforme previsto. Havia a dúvida de que isso não pudesse acontecer, dado o fim da legislatura.

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