Da comunicação obrigatória de maus-tratos contra a criança

A condição da criança e do adolescente como pessoa humana em fase de desenvolvimento retira-lhes naturalmente – ou neutraliza – a capacidade de resistência contra atos atentatórios à sua dignidade e bem-estar.

Carlos do Amaral
Publicada em 22 de junho de 2018 às 09:24

Por Carlos Eduardo Rios do Amaral

Prescreve o Art. 245 do Estatuto da Criança e do Adolescente:

“Art. 245. Deixar o médico, professor ou responsável por estabelecimento de atenção à saúde e de ensino fundamental, pré-escola ou creche, de comunicar à autoridade competente os casos de que tenha conhecimento, envolvendo suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente:

Pena - multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência”.

Não se trata de crime, mas, sim, de infração administrativa aplicada pela Vara da Infância e da Juventude. Consiste na conduta omissiva do agente de deixar de comunicar maus-tratos verificados em criança ou adolescente.

Há também no caso dessa infração administrativa intensa reprovação moral, pois é de sabença geral que crianças e adolescentes enquadram-se na categoria de grupo social vulnerável que merece proteção especial do Estado e da sociedade. A condição da criança e do adolescente como pessoa humana em fase de desenvolvimento retira-lhes naturalmente – ou neutraliza – a capacidade de resistência contra atos atentatórios à sua dignidade e bem-estar.

Para o ECA, o médico, o professor e o responsável pelo estabelecimento de atenção à saúde e de ensino fundamental, pré-escola e creche assumem a posição de sentinela, devendo comunicar inclusive a suspeita da prática de maus-tratos.

A norma não exige desses profissionais que instalem uma sindicância ou uma investigação minuciosa a respeito da possível prática de maus-tratos. Basta a comunicação. É a “autoridade competente” que será comunicada, ou a partir dela, que se deflagrará o rito procedimental de processamento, apuração e julgamento do fato praticado contra a criança ou adolescente.   

Peca o legislador quando elege apenas o médico, o professor e os responsáveis por estabelecimentos de saúde e de ensino como agentes que devem proceder à comunicação de maus-tratos ou a sua suspeita. Muitos outros profissionais também deveriam ser alcançados pela norma, como, p. ex., o enfermeiro, o auxiliar de enfermagem, o fisioterapeuta, o auxiliar de sala, o monitor, o coordenador pedagógico, funcionários subalternos de creches, operadores do Direito, assistentes sociais etc.

Bom seria se o Art. 245 do ECA definisse genericamente como sujeito ativo da infração administrativa todo aquele que, por dever de ofício ou profissão, desenvolva suas atividades relacionadas em contato direito com crianças e adolescentes.

O ECA não descreve qual autoridade competente deva ser comunicada a respeito da prática de maus-tratos contra a criança. Mas deve-se entender como todos aqueles que compõem o Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente, arrolados no Art. 7º da Resolução 113 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA, como Justiça da Infância, Ministério Público, Defensoria Pública, Polícias Civil e Militar e Conselhos Tutelares.

Logicamente, a “autoridade competente” a que alude o Art. 245 do ECA não é a família do criança ou do adolescente. Aliás, a prática de maus-tratos muitas vezes é praticada no ambiente doméstico e familiar pelos próprios genitores ou por estes tolerada. Corretíssimo o legislador.

Omitindo-se qualquer dos agentes do Art. 245 do ECA do dever de comunicar a possível prática de maus-tratos contra criança ou adolescente deverá incidir a multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência. Não servindo de escusa alegação pífia de que se desejava evitar invasão de privacidade ou escândalo na comunidade local.

Carlos Eduardo Rios do Amaral é Defensor Público da Infância da Juventude no Estado do Espírito Santo

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