Desejos carnais - Capítulo 8

Às vezes eu me arrependo de ter me envolvido demais na religião — desabafou Dom com um escárnio assustador

Fonte: Alberto Dinys - Publicada em 14 de outubro de 2025 às 16:38

“Mas agora, libertos dos pecados, e feitos servos de Deus, tendes o vosso fruto para santificação, e por fim a vida eterna.” 

Romanos 6:22

Almeida Revista e Corrigida, 1911

— Às vezes eu me arrependo de ter me envolvido demais na religião — desabafou Dom com um escárnio assustador. — Os supostos seguidores de Jesus Cristo não são perfeitos e julgam os outros severamente. Fica complicado, hein?! 

Cecília questionou com ênfase:

— Ou é você o rebelde que ignora viver à luz das Sagradas Escrituras? 

Dom não respondeu logo de cara. Ajeitou os cabelos sofisticadamente. Respondeu:

— Na teoria e na prática. Eu reconheço o meu viés questionador que assusta os manipuladores. Reconheço. Claro! Afinal, assim como o meu amigo Vicente, eu tive acesso à educação e jamais permitirei um qualquer se utilizar do nome de Deus pra me engalobar. É o meu método de sobrevivência em uma sociedade repleta de falsos profetas. 

— Alguém realmente quer o seu mal? — quis saber Cecília com os braços cruzados e a testa franzida. — Ou você criou uma narrativa neurótica pra atacar as figuras eclesiásticas mais proeminentes? 

Dom gargalhou envolto por uma soberba teatral. Cerrou os olhos que já transmitiam uma malícia além da sua idade cronológica. Questionou:

— Figuras eclesiásticas proeminentes? Quais? Só se for as dos Estados Unidos. Porque… os pastores brasileiros são tão caricatos. Tão ridículos! Eu… não tô sofrendo nenhuma perseguição. E… sinceramente, Cecília, tô nem aí pra esses palhaços que se intitulam como pastores. 

— Você mudou tanto — disse ela com o olhar triste. Era perceptível que Cecília ainda sentia um carinho fraternal por ele. — Você muda tanto, Dom. Tantas facetas. Poucas realmente me fizeram sorrir quando você ao menos se esforçava pra me alegrar. Agora… as coisas mudaram. É. O tempo passou e você teve que assumir essa personalidade tão mesquinha e deplorável. Uma mistura de zombaria com fracasso existencial. 

Sentindo-se afetado emocionalmente, Dom abaixou o olhar. Respirou fundo. Confessou com a voz embargada:

— Eu te amei mesmo! De verdade. Tanto que… escrevi lindos poemas. Lindas cartas. Vivia inspirado. Lembra? Saltitante. Mas a gente tava preso numa realidade extremamente religiosa. E a religiosidade incongruente afeta o ser humano. Nós fomos afetados pela maldade dos líderes perversos. Só que nós não percebemos. Nós nos deixamos levar pelas vozes opressoras. Nós supervalorizamos os achismos de uma gente que apregoa ensinamentos defasados. 

— Não. Nós ignoramos os princípios bíblicos e desrespeitamos a igreja de Jesus Cristo. Desrespeitamos as nossas famílias. Acha que foi fácil o que eu vivi naquele período?

— Eu sei que não foi fácil, Cecília. Pra esse povo tudo é pecado. Tô cansado disso! Cansado. Chatice! 

— Eu não quero mais errar como antes — confessou Cecília com os olhos levemente marejados. — E pra não errar como antes, eu preciso dizer não pra você. Não. Eu não quero me arriscar numa loucura. Porque eu já vivi numa loucura sentimental. Não vale a pena. É só desgaste! Compreendeu? Ou tá complicado pra assimilar o que tá na cara, hein?! 

— Compreendi — respondeu Dom com muita mágoa. — Compreendi que mesmo sendo um homem cheio de qualidades, tô sendo rejeitado como um lixo. Poxa! Compreendi até demais. 

— O quê? Por favor, Dom! Não se promova tanto assim. 

Dom caiu numa risa sarcástica. Comentou gesticulando demais:

— Pois saiba que sou um cara top. É só olhar nas minhas redes sociais o tanto de mensagens que eu recebo. E são de várias e várias mulheres. Não tô falando de contatinhos sem importância. Tô falando de mulheres de qualidade. Se liga, Cecília!

— Isso é tão rídiculo, Dom! Primeiro… você tenta me convencer de que eu sou rodada e tal. Depois você me vem com essa. Ridículo! Realmente, nós nos relacionamos sexualmente e foi um caso totalmente errado, desconexo. 

— Errado? Desconexo? Isso você diz agora, né?! No tempo que a gente tava se pegando era maneiro, né?! 

Ela respirou fundo. No olhar, a raiva de um homem tão provocador. 

— O que aconteceu entre a gente foi a consequência do mundanismo exacerbado. 

— Sim, sim. Concordo plenamente! Mas dizer que foi ruim é apelar pra mentira. E já que você é cristã, mentir é pecado, Cecília. 

Cecília assumiu um ar sério. Afirmou:

— O que é satisfatório pra carne não deve ser levado em consideração quando entendemos a importância de andar em espírito e em verdade! 

Então, novamente em um tom irritante, Dom indagou:

— Nem que seja um pouquinho? 

— Nem que seja um pouquinho — respondeu Cecília já pegando o seu iPhone da bolsa. — Aliás, minutos de prazeres carnais não nos vivificam como a vida junto com Espírito de Deus. 

Ela olhou as horas na tela do iPhone. 15:30. Algumas notificações chegaram e uma delas era de Pierre.

— Sabe quem me enviou uma mensagem agorinha?

— O enganado. 

— O abençoado. 

Dom levantou a sombrancelha com altivez. Disse:

— A gente já se conhece faz tempo. 

Ao ouvir essa frase, Cecília imediatamente o fulminou no olhar. 

— Então foi mais uma das suas armações? 

— Sim e não. 

— Como assim, Dom? 

— Foi o destino. O destino que nos uniu novamente.  

— Sinceramente, Dom… isso se tornou um teatro. Qual é a tua intenção com esse encontro desastroso? 

— Te ver mais. Te ver de perto. Pode?

— Não. 

— Hum! Por quê? Tá proibido te ver?

— Não é questão de ser proibido me ver. Sabe? O Brasil é um país que preza pela democracia. Sim. Mas eu não sou obrigada a conviver com você. E não é por mágoa, ódio. É por precaução. Entende? Precaução! Eu fujo da tua loucura. Uma loucura que não é bonitinha. Que não pode e nem deve ser romantizada. Você não me ama. Você pensa que me ama. Mas não. Você tá insano!

— Por ti eu faço tudo. 

— Não diga isso. 

— Eu digo e repito. 

— Não supervalorize a insanidade. 

— O Pierre não é homem pra você, Cecília. Eu sou!

— Não, Dom. Não se iluda! Não se coloque em uma situação fantasiosa!

— E quem disse que é fantasiosa? — perguntou Dom se aproximando dela. O olhar malicioso. Os lábios sedentos de um beijo forçado. — Eu já li vários livros bíblicos. Sim. Várias passagens que relatam a magnitude do Senhor. Outras, que expõem o feiúra do ser humano. É. Os relacionamentos sociais são repletos de incongruências. Impossível não visualizá-las. 

Cecília sentiu o coração acelerar. Os olhos denotavam o receio que ela tinha da figura de Dom. 

— Por que você tá me dizendo essas coisas?

Ele deu um sorriso cínico. Respondeu quase sussurrando:

— Porque eu sou louco por você e não posso te deixar escapar das minhas mãos másculas e espertas.  

— Para com isso, Dom!

Impelido pela maldade concentrada nas suas loucuras passionais, ele segurou com força o braço delicado de Cecília. 

— Me solta, seu covarde! Me solta!

— Já era — disse Dom sussurrando. Inclinou-se levemente na direção do ouvido dela. — Eu tô armado. Entendeu? É só não reagir e tudo vai correr tranquilo. Eu não tô brincando!  

— Mentira. 

— Mentira? Experimenta ser ousada comigo, sua rebelde. 

— Mentira. Você tá blefando. 

— Será mesmo, princesinha fornicadora? 

— Eu te odeio! 

— Eu sou louco por você! Mas posso te matar. Não brinca comigo! 

— Canalha! — gritou Cecília tentando se soltar das mãos dele. 

Então, Dom, já furioso e decidido a mostrar a sua vilania, tirou um revólver da cintura e o encostou no belíssimo pescoço de Cecília. Ela ficou extremamente assustado com tal. Silêncio. 

— Não faz isso. 

— Entra comigo no carro e tudo vai se resolver. 

— Mas eu não posso sair com você assim do nada? As pessoas vão perguntar por mim. Sentir a minha falta. 

— Depois você explica. 

— Mas… 

— Eu posso te matar ou ser o teu marido perfeito. Qual das duas opções você vai escolher, Cecília? Hein? 

Alberto Dinys é um novelista cristão. Aos 25 anos, se sente muito feliz por compartilhar o Evangelho de Jesus Cristo por meio da ficção cristã.

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