Enfrentamento do feminicídio como questão de Estado

Embora o feminicídio não faça distinção, ele tem endereço certo: atinge com ferocidade brutal as mulheres negras, periféricas e pobres

Fonte: Chico Vigilante - Publicada em 08 de dezembro de 2025 às 19:08

Enfrentamento do feminicídio como questão de Estado

O Levante Mulheres Vivas realiza ato na área central de Brasília para denunciar o feminicídio e todas formas de violência contra mulheres (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

A violência contra a mulher não é um fenômeno casual, mas um projeto político de manutenção do poder. A cada mulher assassinada por ódio machista, vemos a expressão mais brutal de uma sociedade estruturada para subjugar, controlar e aniquilar.

Os atos do último domingo, que ecoaram por todo o país, não foram apenas manifestações de dor. Foram, acima de tudo, um grito coletivo de denúncia contra um Estado que, em suas múltiplas esferas, historicamente falha em cumprir seu dever elementar de proteger a vida das mulheres.

Os números estatísticos são assustadores e revelam a dimensão da crise: mais de 1.180 feminicídios registrados apenas este ano, quase 3 mil atendimentos diários pelo Disk Denúncia e 3,7 milhões de brasileiras vítimas de violência doméstica nos últimos 12 meses, segundo dados do DataSenado e do Ministério das Mulheres.

A fala do presidente Lula acerta ao convocar toda a sociedade, especialmente os homens, para esta batalha. Concordo e vou além: a desconstrução do machismo é uma tarefa revolucionária. Homens como eu, ocupantes de espaços de poder, temos a obrigação moral e política de usar nosso lugar de fala para desmontar a cultura do patriarcado. "Homem de verdade respeita", como bem se disse. Respeitar é, antes de tudo, reconhecer a autonomia plena da mulher sobre seu corpo e seu destino, e combater, dentro de nossos próprios espaços – inclusive no parlamento –, qualquer retrocesso ou omissão.

No Distrito Federal, essa omissão do Estado assume contornos ainda mais perversos. A promessa de quatro Casas da Mulher Brasileira que nunca saíram do papel, conforme denunciamos nas ruas, é a prova material de que a vida das mulheres não é uma prioridade para o governo local. Promessas vazias são cúmplices da violência.

É fundamental compreender a dimensão de classe e raça dessa barbárie. Embora o feminicídio não faça distinção, ele tem endereço certo: atinge com ferocidade brutal as mulheres negras, periféricas e pobres, revelando a intersecção entre o machismo, o racismo e a exploração econômica.

Defender políticas públicas eficazes significa, portanto, atacar essas múltiplas opressões. Não basta o atendimento emergencial. É preciso investimento massivo em educação, geração de renda, autonomia e acolhimento real, para que nenhuma mulher seja forçada a permanecer no ciclo da violência por falta de alternativa.

A crítica ao Governo do Distrito Federal é, assim, um dever. A falha grave na garantia de estruturas de acolhimento e proteção configura uma violência de Estado por negligência. Enquanto mulheres forem carbonizadas, baleadas e ameaçadas sem que o poder público ofereça o mínimo de refúgio e justiça, estaremos diante de uma administração conivente. Não podemos aceitar a naturalização desses crimes brutais. Cobrar isso não é opção; é uma exigência ética de quem defende a vida.

Portanto, este grande ato do último dia 7 de dezembro foi um ponto de partida, não de chegada. A luta continua diariamente, exigindo educação antimachista nas escolas, fortalecimento da Justiça, aplicação rigorosa da Lei Maria da Penha e, sobretudo, a compreensão de que o feminicídio é o sintoma final de uma doença social chamada machismo. Enquanto houver uma mulher com medo, nossa luta estará incompleta.

O Brasil precisa dizer basta. E esse basta só será real quando traduzirmos a revolta em políticas transformadoras e em uma mudança cultural radical. Reafirmo meu compromisso inegociável com essa agenda. Seguirei nas ruas e na Câmara, ao lado das mulheres, na construção de um país onde ser mulher não seja uma sentença de risco, mas uma experiência de liberdade e plenitude. O feminicídio é um projeto político. Nossa resposta deve ser a construção de um projeto político antagônico: feminista, socialista e verdadeiramente emancipador.

Chico Vigilante

Deputado distrital e presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara Legislativa do DF

Enfrentamento do feminicídio como questão de Estado

Embora o feminicídio não faça distinção, ele tem endereço certo: atinge com ferocidade brutal as mulheres negras, periféricas e pobres

Chico Vigilante
Publicada em 08 de dezembro de 2025 às 19:08
Enfrentamento do feminicídio como questão de Estado

O Levante Mulheres Vivas realiza ato na área central de Brasília para denunciar o feminicídio e todas formas de violência contra mulheres (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

A violência contra a mulher não é um fenômeno casual, mas um projeto político de manutenção do poder. A cada mulher assassinada por ódio machista, vemos a expressão mais brutal de uma sociedade estruturada para subjugar, controlar e aniquilar.

Os atos do último domingo, que ecoaram por todo o país, não foram apenas manifestações de dor. Foram, acima de tudo, um grito coletivo de denúncia contra um Estado que, em suas múltiplas esferas, historicamente falha em cumprir seu dever elementar de proteger a vida das mulheres.

Os números estatísticos são assustadores e revelam a dimensão da crise: mais de 1.180 feminicídios registrados apenas este ano, quase 3 mil atendimentos diários pelo Disk Denúncia e 3,7 milhões de brasileiras vítimas de violência doméstica nos últimos 12 meses, segundo dados do DataSenado e do Ministério das Mulheres.

A fala do presidente Lula acerta ao convocar toda a sociedade, especialmente os homens, para esta batalha. Concordo e vou além: a desconstrução do machismo é uma tarefa revolucionária. Homens como eu, ocupantes de espaços de poder, temos a obrigação moral e política de usar nosso lugar de fala para desmontar a cultura do patriarcado. "Homem de verdade respeita", como bem se disse. Respeitar é, antes de tudo, reconhecer a autonomia plena da mulher sobre seu corpo e seu destino, e combater, dentro de nossos próprios espaços – inclusive no parlamento –, qualquer retrocesso ou omissão.

No Distrito Federal, essa omissão do Estado assume contornos ainda mais perversos. A promessa de quatro Casas da Mulher Brasileira que nunca saíram do papel, conforme denunciamos nas ruas, é a prova material de que a vida das mulheres não é uma prioridade para o governo local. Promessas vazias são cúmplices da violência.

É fundamental compreender a dimensão de classe e raça dessa barbárie. Embora o feminicídio não faça distinção, ele tem endereço certo: atinge com ferocidade brutal as mulheres negras, periféricas e pobres, revelando a intersecção entre o machismo, o racismo e a exploração econômica.

Defender políticas públicas eficazes significa, portanto, atacar essas múltiplas opressões. Não basta o atendimento emergencial. É preciso investimento massivo em educação, geração de renda, autonomia e acolhimento real, para que nenhuma mulher seja forçada a permanecer no ciclo da violência por falta de alternativa.

A crítica ao Governo do Distrito Federal é, assim, um dever. A falha grave na garantia de estruturas de acolhimento e proteção configura uma violência de Estado por negligência. Enquanto mulheres forem carbonizadas, baleadas e ameaçadas sem que o poder público ofereça o mínimo de refúgio e justiça, estaremos diante de uma administração conivente. Não podemos aceitar a naturalização desses crimes brutais. Cobrar isso não é opção; é uma exigência ética de quem defende a vida.

Portanto, este grande ato do último dia 7 de dezembro foi um ponto de partida, não de chegada. A luta continua diariamente, exigindo educação antimachista nas escolas, fortalecimento da Justiça, aplicação rigorosa da Lei Maria da Penha e, sobretudo, a compreensão de que o feminicídio é o sintoma final de uma doença social chamada machismo. Enquanto houver uma mulher com medo, nossa luta estará incompleta.

O Brasil precisa dizer basta. E esse basta só será real quando traduzirmos a revolta em políticas transformadoras e em uma mudança cultural radical. Reafirmo meu compromisso inegociável com essa agenda. Seguirei nas ruas e na Câmara, ao lado das mulheres, na construção de um país onde ser mulher não seja uma sentença de risco, mas uma experiência de liberdade e plenitude. O feminicídio é um projeto político. Nossa resposta deve ser a construção de um projeto político antagônico: feminista, socialista e verdadeiramente emancipador.

Chico Vigilante

Deputado distrital e presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara Legislativa do DF

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