Manda quem tem armas, obedece quem tem juízo
Foi bonita a festa, ficamos contentes, mas...
Brasília (DF) - 22/08/2024 - Solenidade comemorativa ao Dia do Soldado, no Quartel-General do Exército (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Após uma semana dos mais fortes acontecimentos políticos dos últimos tempos – a punição dos integrantes do núcleo crucial da tentativa de golpe de 2022, que englobou um ex-presidente da República e três generais de quatro estrelas -, é possível abordar o tema com um pouco mais de calma para dizer, por exemplo, o porquê não se pode concordar totalmente com a declaração do ministro da Defesa, José Múcio. Depois de meses “na muda”, Múcio foi o primeiro personagem ligado ao meio militar, a emitir opinião a respeito, apressando-se em dizer que o processo terminava “sem abalos institucionais”.
O ministro afirmou, também: “Está se encerrando um ciclo, no qual os CPFs estão sendo responsabilizados e punidos, e as instituições estão sendo preservadas”. E ainda: “As Forças Armadas atravessaram isso com um grau de responsabilidade com o país enorme. Vocês não viram sair uma nota de indignação”, disse, em referência ao silêncio oficial das Forças mesmo após a prisão do almirante Almir Garnier e a confirmação das condenações de Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira e Braga Netto.
Saiu sim, ministro. E não me venha falar que a nota onde se lê: “Torna-se relevante mencionar que as prisões em questão atingem respeitados chefes militares, com passado ilibado, com uma carreira de mais de 40 anos de serviços prestados à nação brasileira o que deveria ter sido objeto de ponderação em todo o processo e no julgamento”, que foi de um grupo “empijamado” do Clube Militar. A nota tomou por base o voto do ministro Luiz Fux. Dado do próprio clube aponta que 41% dos associados são da ativa. Portanto, houve, sim, ranger de dentes e de uma categoria que apresenta perigo: os oficiais de alta patente, próximos a atingir o generalato. Alguns dos que assinaram já chegaram lá. São generais. Ainda que de três estrelas.
E se esse dado não bastasse, é preciso atenção ao que disse o general Richard Nunes, ex-chefe do Estado Maior do Exército e recém-reformado. Hoje ele ocupa a direção do Censipan (Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia), importante cargo no Ministério da Defesa. Em palestra recente em uma de suas primeiras apresentações públicas sem a farda do Exército, realizada no último dia 25 de novembro no Palácio Duque de Caxias, sede do Comando Militar do Leste, fez uma declaração forte sobre os efeitos da prisão dos militares sobre a instituição: “Não vou aqui dourar a pílula que não foi afetada. Claro que foi, de qualquer instituição. Houve dano, sim, houve abalos a coesão por causa desse tipo de comportamento,” declarou o general.
Mais claro impossível. Em que pese a aflição do ministro da Defesa em “virar a página”, Richard foi mais realista ao analisar os respingos sobre o Exército Brasileiro, da condenação e prisão de seus generais de quatro estrelas, por tentativa de golpe de estado e outros quatro crimes de importância tal, que resultaram em penas de mais de 20 anos para quase todos. O “quase” fica por conta da absolvição do general Estevam Theophilo.
Um aspecto que José Múcio não explicou. Theophilo foi peça da “construção” para que tudo saísse conforme o figurino de interesse do Comando. Na véspera do julgamento, como fartamente já divulgado, o ministro Alexandre de Moraes, relator no processo no Supremo Tribunal Federal (STF), foi chamado a comparecer na presença do comandante do Exército, Tomás Paiva, tendo como testemunha o próprio Múcio, para que fossem estabelecidas as “condições” das prisões e o que mais seria ou não seria tolerado.
Imaginem a condição do ministro, tantas vezes ameaçado de morte, incluído no plano “Punhal Verde e Amarelo” para ser “finalizado”, recebendo um telefonema do chefe da tropa, num início de noite. Era uma reunião notoriamente clandestina, fora da agenda, fora da ética do STF, fora de qualquer propósito, naquela véspera de julgamento. E só isso já nos leva a entender que, se houve o “fim de um ciclo”, como se comemorou país a fora, com justa razão – nunca antes na história desse país, generais haviam sido condenados por tentativa de golpe -, também foi deixada uma “fresta” para a perpetuação da tutela sobre os assuntos civis.
Foi bonita a festa, ficamos contentes, mas Alexandre de Moraes, além de ter que ouvir que deveria cumprir – não os preceitos das leis da Justiça comum, afinal era por ela que esses militares estavam sendo julgados -, ainda foi obrigado a engolir a imposição da absolvição de um general flagrantemente golpista, o general Estevam Theophilo. Por pertencer a uma casta dinástica de generais desde o império, teve a pele salva, para não manchar o nome da tradicional família de “militares honrados”.
Quando os signatários da nota do Clube Militar deitaram no teclado a choradeira: “prisões em questão atingem respeitados chefes militares, com passado ilibado, com uma carreira de mais de 40 anos de serviços prestados à nação brasileira”, é forçoso lembrar a esses senhores que não foi o ministro Moraes que enxovalhou os nomes desses generais. Foram eles próprios que caminharam até o abismo e se jogaram, quando agiram contra a Constituição federal, provavelmente todos ciente das regras e das punições impostas aos que as contrariam.
O que é preciso ficar claro aqui, é que Theophilo foi salvo, mais uma vez – da outra feita foi quando foi guardado sob as asas do Alto Comando de janeiro a novembro de 2023, para esperar a reforma -, por seus superiores, por pertencer a uma casta intocável da família militar, mesmo tendo sido figura chave na efetuação do golpe. Seria ele, o novo “Mourão Filho”, a liderar a tropa como chefe do comando terrestre do Exército, à revelia do seu comandante, o general Marcos Freire Gomes, que desistiu um pouquinho antes, da quartelada.
Imagino que a mão do ministro Moraes tenha hesitado ao ter que lavrar a sua absolvição, tendo condenado o almirante Almir Garnier a 24 anos de prisão, por ter tido função semelhante. A de prometer sair com as tropas a favor do golpe. Seria Garnier inocente? Não. O que é preciso ficar claro aqui é que Theophilo era também culpado. Porém, ele foi a moeda de troca para que tudo transcorresse em calmaria.
Não houve atropelos no “day after” como quis José Múcio, porque o combinado não sai caro. Tudo estabelecido, os generais foram conduzidos (como mandam as regras militares, por seus pares de patente igual ou superior). Theophilo, o sangue azul, (ou seria verde?), foi poupado e Múcio veio a público dizer que as Forças Armadas respeitaram a decisão da Justiça comum. Sim, houve respeito, mas antes Alexandre de Moraes teve que respeitar as regras do jogo: manda quem tem armas e obedece quem tem juízo. Nesse caso, não quem é o juiz.
Denise Assis
Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".
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