Não quero mais pagar com o meu imposto o salário dos policiais para que matem negros

"Não quero pagar o salário desses policiais, não quero que eles me representem diante das populações pobres e negras, não quero que estes continuem a me considerar como quem financia a ação desses policiais criminosos", escreve o sociólogo Emir Sader, após os recentes episódios de violência policial contra negros no Brasil

Emir Sader
Publicada em 17 de julho de 2020 às 16:58
Não quero mais pagar com o meu imposto o salário dos policiais para que matem negros

Se alguém se atrever a perguntar a um policial brasileiro sobre quem paga seu salário, ele dirá que é o tesoureiro. Não lhe passa pela cabeça que são os cidadãos, pagando seus impostos, que lhe pagam os salários.

Somos eu, você, todos nós, os que pagamos, com os nossos impostos, o salário de todos os funcionários públicos, entre eles os dos policiais. No caso dos policiais, o caso é particular. Porque eles agem como nós lhes delegássemos a responsabilidade de impor a ordem, que inclui a repressão a pobres, entre os quais, especialmente os negros.

Eles agem como nós lhes contratássemos para que se livrem dos pobres e negros, seja prendendo-os, seja matando-os, sempre golpeando-os, em nosso nome, para que possamos andar tranquilamente pelas ruas, com menos de sermos atacados por pobres e negros – via de regra, as mesmas pessoas.

O mais hediondo crime cometido diariamente no Brasil é o genocídio dos jovens negros. Que morrem às dezenas todos os dias, anonimamente, sem nome, sem rostos, sem famílias, sem mães, sem irmãos, sem namoradas. Só se sabe que eram negros. São acusados, depois de mortos, de terem “resistido à prisão” ou de terem “agredido os policiais”, de terem cometido atos de que nunca ninguém vai saber se era verdade. Servem para os policiais como pretexto para terem disparado, para terem assassinado jovens negros.

Agem com salários pagos por todos nós, inclusive pelas famílias das suas vítimas. Usam armamento, uniforme, carros, combustíveis, pagos com dinheiro público, para exercerem, da forma mais arbitrária possível, seu poder contra os negros e pobres, que frequentemente são as mesmas vítimas. Agem em nosso nome, para garantir a nossa ordem, com violência e brutalidade, sobre os que essa mesma ordem marginaliza, discrimina, exclui.

É um mecanismo cruel, brutal contra os negros, especialmente contra os jovens negros, dizimados, no maior genocídio da nossa sociedade. Nós os matamos através da polícia, que é o meio da nossa relação com eles. Assim os tratamos, assim os matamos.

Eu não quero mais pagar os policiais para tratar dessa maneira os jovens negros. Eu quero ter outro tipo de relação com eles. 

Eu quero que nossa relação com eles não passe pela polícia, passe pela educação, pelo acesso deles às escolas e às faculdades. Que passe por conhecer a cultura deles, por ajudá-los a difundir suas músicas, sua literatura, seu teatro, suas rádios e suas tvs.  

Eu não quero mais aparecer para eles como um branco que paga a polícia que os agride, que invade suas casas, que os considera como inimigos. Mas sei que hoje eu apareço assim para eles. 

Mas para isso é preciso terminar com essa polícia. Nas basta, cada vez que policiais aparece publicamente maltratando a jovens negros, que um governante venha repetir a cantilena de que os policiais que se comportam assim são exceções, os flagrados são suspensos, tem processos que nunca desembocam em condenações. Os policiais que são filmados pisando no pescoço de mulheres e homens negros nem são expulsos imediatamente da PM. Da’ pra imaginar a quantidade de outras ações como essas, que não são filmadas, mas que representam o cotidiano das populações pobres.

Os policiais são formados na orientação da guerra ao crime, em que essas populações são consideradas inimigas, supostamente comprometidas com o tráfico e com outros crimes. Suas casas são invadidas, mães com filhos no colo tem armas apontadas contra eles, jovens são mortos em suas casas, enquanto brincam com seus amigos. Mães que ficam sem seus filhos, meninos que ficam sem seus amigos, famílias que vivem de luto pelas ações da polícia.

Não adianta os cursos nas escolas de polícia. Eu mesmo já participei de cursos de direitos humanos para policiais. Não acredito que adiantem nada. Se, depois da morte de Georges Floyd, difundida e repudiada mundialmente, é repetida aqui, por policial pisando no pescoço de uma mulher negra, mesmo se filmado, e sua ação é considerada uma forma normal de redução de pessoa, que não representa nenhum risco para policiais armados. Enquanto seus colegas ameaçam a população, com armas na mão.

Não quero pagar o salário desses policiais, não quero que eles me representem diante das populações pobres e negras, não quero que estes continuem a me considerar como quem financia a ação desses policiais criminosos.

Esses jovens são meus irmãos, meus amigos, quero que eles me considerem assim. Quero conviver com eles, pacificamente, não quero mais que esse genocídio seja a maior vergonha que o Brasil vive diariamente, em silencio, como se fosse normal, como se os policiais nos representassem, como se estivéssemos do lado dos policiais e não das suas vítimas. 

Comentários

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    Negro 20/07/2020

    Sou descendente do povo angolano e nunca me senti vítima de nada por ser negro, talvez eu seja uma exceção. Temos conhecimento que o "Brasil Colônia" à séculos passados foi um capítulo nefasto para história brasileira que deixou muitas cicatrizes. Temos a obrigação de olharmos para frente e deixarmos de dizer que o Brasil deve explicações ao povo de etnia negra. O que passou não volta mais! Infelizmente por incrível que pareça, na atualidade "Os negros que se intitulam representantes e líderes dos movimentos no brasil" são na minha ótica os mais racistas e preconceituosos que objetivam através de política de minoria vitimizar a população negra, dizendo em outras palavras que nós os negros somos coitados e quase que desprovidos de inteligência. O objetivo tem que ser outro! Trabalhar junto aos governantes políticas públicas viáveis com sugestões edificantes principalmente no tocante a educação e outras! Quando falo em educação não é cota racial e sim educação de qualidade para todos os cidadãos brasileiros sem distinção de etnia. Se formos pela ótica do sociólogo Emir Sader, o "Povo Brasileiro" não teria que pagar nenhum tipo de imposto, pois os nossos governantes são os maiores usurpadores de nossa nação em decorrência da corrupção desenfreada existente nos 3 Poderes Constituídos do Brasil. A corrupção resulta em desigualdade social, saúde falida, educação falida, segurança falida, falta de cultura e esclarecimento do povo e consequentemente no altíssimo índice de criminalidade que assola nosso País. Aí entra as diversas Polícias do Brasil que tem em seus quadros excelentes profissionais e dentre esses, muitos policiais negros, até porque o povo negro está inserido nessa mesma sociedade. Não esqueçamos da banda podre dessas instituições que devem ser extirpados para evitar a metástase nas corporações, mais sabemos que são a minoria. Em todo grupo social e instituições existem pessoas com desvio de conduta que devem ser punidos na forma da lei. Deus abençoe o nosso Brasil.

  • 2
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    josé itamir de abreu 20/07/2020

    Sou Policial Militar com muito orgulho, e para ter acesso fiz concurso público a nível nacional, sou servidor público militar exatamente como os demais servidores públicos, porém juramos morrer se preciso for em defesa da sociedade, corremos riscos diários, bem como nossos familiares. Matéria totalmente desprovida da verdade e da falta de conhecimento, pois este cidadão que se preocupou tanto em denegrir a imagem dos policiais militares brasileiros, deveria estudar mais a fundo o assunto, antes de vomitar um monte de besteiras e inverdades de quem lhe defende 24 horas por dias onde quer que esteja no território brasileiro. Somos a policia que mais morre no mundo, sendo em alguns estados caçados pelas ruas, não podendo se quer portar sua carteira funcional, ou algo que lhe identifique como sendo Policial Militar. Este cidadão paga seus impostos ao município, estado e federação devido a cumprimento de leis e é obrigatório. Todos os policiais militares brasileiro também pagam seus impostos e por lógica seu próprio salário, inclusive depois que vamos para reserva remunerada continuamos pagando a previdência como se estivéssemos na ativa, então pagamos ate mais impostos do que esta pessoa que escreveu este artigo. Não defendo os maus policiais militares e os que cometem crimes e excessos durante o atendimento de ocorrências policiais e também acho que devem ser punidos severamente para servir de exemplo para outros, porém fica claro que as apurações pelas corregedorias são rigorosas e as punições mais ainda se chegando ao máximo que é a exclusão a bem da disciplina, após o devido processo legal e contraditório. Todos merecem e é constitucional a ampla defesa e contraditório por pior bandido que seja ou pelo cometimento do crime mais bárbaro existente, mas pela visão e opinião de quem escreveu este artigo os policiais militares devem ter execução sumária. Que fique bem claro também para este cidadão que nós policiais militares, somos filhos, somos pais de familia, temos sangue nas veias e temos sentimentos que devem ser respeitados, pois na primeira oportunidade que ele pedir socorro a um POLICIAL MILITAR OU VIA 190 SERÁ ATENDIDO O MAIS RÁPIDO POSSÍVEL.

  • 3
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    Altemir Roque 20/07/2020

    Apesar das verdades ditas pelo sociólogo, há mais hipocrisia que análise no texto. Sabemos que essa questão é social, cultural, seja lá que nome pomposo daremos, mas nessa questão há muita hipocrisia, não discutida de propósito.

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