O Brasil e o cachorro

O país que chora a morte de um cachorro é o mesmo que faz vistas grossas ao assassinato anual de quase 60 mil de seus cidadãos.

Professor Nazareno*
Publicada em 05 de dezembro de 2018 às 07:07
O Brasil e o cachorro

Mataram um cachorro vira-latas a pauladas no interior de um supermercado em São Paulo. Um horror. Uma carnificina. Algo absurdo, monstruoso e inadmissível. O mundo moderno não aceita mais este tipo de crueldade. O ato desumano desencadeou uma reação sem precedentes nas redes sociais. Artistas se manifestaram. Autoridades fizeram declarações emocionantes. Pessoas comuns repudiaram tal ação criminosa e covarde. O sangue do infeliz inocente nunca será vingado. É preciso boicotar esta rede de supermercados. O estabelecimento comercial pediu desculpas ao país e promete investigação rigorosa com punição exemplar aos culpados pela atrocidade. O ano de 2018 ficará marcado para sempre na memória dos brasileiros. Uma vergonha para toda a  nação. Como dizer para as criancinhas que foi um ser humano que fez esta barbárie?

O país que chora a morte de um cachorro é o mesmo que faz vistas grossas ao assassinato anual de quase 60 mil de seus cidadãos. No trânsito, matamos igual número todos os anos. Vivemos em um dos países mais violentos do mundo e o Estado nada faz para combater a violência diária que nos assombra. Mas nada disto justifica a morte de um serzinho tão inofensivo e dócil e em circunstâncias tão cruéis. Choramos porque mataram um lulu a pauladas, mas rimos e festejamos quando mais de 57 milhões de eleitores elegeram presidente do país um cidadão que disse que para consertar este mesmo país precisaria matar pelo menos umas trinta mil pessoas. Mataram um cachorro e choramos muito por isso, mas aplaudimos o futuro presidente, que disse ser a favor da tortura de seres humanos e que todos os homossexuais são uma aberração a ser evitada.

Mataram um cachorro a pauladas. Algo monstruoso num país onde moradores de rua são mortos a pedradas e são esquecidos diariamente pelos olhares dos que têm algo sobrando. Mataram um cachorro no país onde “negros e quilombolas são pesados em arrobas” e onde “mulher deveria ganhar menos por que engravida”. Mataram um cachorro no país onde “as pessoas deveriam se envergonhar por serem homossexuais”. Mataram um cachorro onde foram extintos o Ministério do Trabalho e o Ministério da Cultura. Mataram um cachorro no país que tem talvez a maior desigualdade social do mundo e onde o sistema de Educação é um dos piores do planeta. Mataram um cachorro onde professores são desrespeitados e onde poderão ser perseguidos apenas por terem ideias diferentes de seus governantes. Pode escola sem partido num país sem cachorros?

Mataram um cachorro e todos gritaram com razão, mas aplaudem a corrupção e se fazem de desentendidos quanto ao número de ministérios do futuro governo. Mataram um cachorro onde igrejas enriquecem cobrando dízimo de quem praticamente não pode pagar pela fé. O pobre cachorrinho morto não esconderá também a corrupção endêmica que sempre corroeu a nação. A impunidade que protegerá o covarde assassino deste cãozinho deve ser a mesma que sempre protegeu os que surrupiam o erário. Mataram um cachorro e Lula pode ser solto a qualquer momento. Pasadena, Mensalão e Petrolão não causaram tanta dor quanto a morte deste pobre animal. Mataram um cachorro e o indulto natalino a ladrões e corruptos acontece tranquilamente todos os anos na cara da sociedade. Não se devia matar cachorros onde o povo é governado por redes sociais. Fato: onde se matam cachorros pode-se fazer a mesma coisa com homens.

*É Professor em Porto Velho.

Winz

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