Operação Spoofing: verdades e mentiras

Declararam que a conduta dos hackers era criminosa (o que, aliás, é óbvio), mas que não sabiam se tinham escrito ou não as mensagens

José Eduardo Cardozo
Publicada em 15 de abril de 2021 às 08:18
Operação Spoofing: verdades e mentiras

Cervantes escreveu: “a verdade adelgaça, mas não quebra, e anda sempre em cima da mentira, como o azeite em cima da água” (Dom Quixote de la Mancha, 2ª. Parte, Capítulo X). 

​Desde que se tornaram públicas, as mensagens trocadas entre integrantes da operação “Lava Jato” despertaram polêmicas, por serem obtidas por hackers. Seriam autênticas essas mensagens? Logo me convenci que sim, por duas razões. 

​A primeira diz respeito à reação das personagens envolvidas nos diálogos. Qualquer pessoa a quem se atribui falsas conversas age prontamente para demonstrar a mentira da acusação. Não foi essa a conduta dos atores envolvidos. Declararam que a conduta dos hackers era criminosa (o que, aliás, é óbvio), mas que não sabiam se tinham escrito ou não as mensagens. Como? Aquele que manda alguém cometer um ilícito pode não se lembrar do que disse? Talvez não se lembre exatamente das palavras utilizadas, mas certamente se recordará do que foi dito. A menos, claro, que seja portador de amnésia orgânica ou psicogênica. 

A segunda remonta aos próprios fatos da vida referidos nas mensagens. Qualquer observador atento constatará que aquelas mensagens se harmonizam com o que ocorreu na operação “Lava-Jato”. Não é necessário ter formação jurídica para se chegar a essa conclusão. 

Todavia, apesar do meu convencimento, reconheço que alimentei alguma curiosidade sobre o que diria uma perícia a respeito. Algum laudo desconstituiria a minha convicção? 

Li agora o laudo policial da PF e o posicionamento do Delegado responsável pela apuração técnica. Afirma essa autoridade que “o atesto da cadeia de obtenção de prova da invasão não significa confirmar autenticidade e integridade do teor das conversas obtidas. E autenticidade e integridade de itens digitais obtidos por invasão de dispositivo alheio não se presume, notadamente quando se reúnem indícios de que o invasor agiu com dolo específico não apenas de obter como também de adulterar os dados”. 

É evidente que uma mesma idéia pode ser escrita de diferentes modos. No caso, se poderia ter escrito, sem nada ser alterado sobre o que se afirmou que: o atesto da cadeia de obtenção de prova da invasão não significa confirmar a falta de autenticidade ou a falta de integridade do teor das conversas obtidas. E a falta de autenticidade e de integridade de itens digitais obtidos por invasão de dispositivo alheio não se presume, mesmo no caso de que existam indícios de que o invasor agiu com dolo específico não apenas de obter como também de adulterar os dados. 

Ou seja: o laudo em questão não concluiu nada que pudesse abalar a minha convicção. Ele não afirma ou deixa de reconhecer a autenticidade das mensagens. Todas as evidências continuam a demonstrar, portanto, que elas são verdadeiras e que a autoria é de membros da “Lava Jato”. 

E qual a consequência disso? 

Embora o STF tenha ignorado o valor probatório dessas mensagens ao decidir a suspeição de Sérgio Moro no processo promovido contra o ex-Presidente Lula, entendo que elas podem ser utilizadas como prova, a despeito da sua origem ilícita, desde que seja a favor da absolvição de um réu. O mesmo não poderá ocorrer nos casos de condenação. 

Isso não significa que os autores dessas mensagens não devam ser investigados e punidos. Mas é ato que as mensagens não poderão servir como prova para condená-los. Mas o arbítrio com que agiram é tão evidente que elas são desnecessárias para que se prove a verdade dos fatos. Às vezes um policial chega ao autor de um crime a partir de uma “fofoca” que ouviu. Essa “fofoca” não será utilizada como prova, mas ela pode fazer com que o investigador fique mais atento a certos fatos. 

É essa atenção que se espera das nossas autoridades. Não devem usar o ilícito como prova para punir, mas investigar seriamente os abusos evidentes. Nenhum espírito corporativo incompatível com um Estado Democrático de Direito pode justificar outra conduta.

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