PFDC defende inconstitucionalidade de decreto que ampliou possibilidades de sigilo de informações públicas

Para o órgão do Ministério Público Federal, além de violar princípios da legalidade, normativa impacta no controle social e no combate à corrupção.

PGR / Imagem: Pixabay
Publicada em 11 de fevereiro de 2019 às 16:02
PFDC defende inconstitucionalidade de decreto que ampliou possibilidades de sigilo de informações públicas

O decreto presidencial que promoveu alterações na regulamentação da Lei de Acesso à Informação (LAI) para ampliar o número de pessoas autorizadas a decidir sobre o sigilo de dados públicos viola a Constituição Federal, pois afronta princípios legais de participação, transparência e controle da gestão pública, entre outros aspectos. A análise é da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão que integra o Ministério Público Federal.

O decreto 9.690/19 foi publicado pelo governo federal no último dia 23 de janeiro e estabeleceu novas regras acerca da delegação de competência para classificação de informações em grau reservado, secreto e ultrassecreto. Com a medida, mais de mil servidores, inclusive comissionados, podem ser autorizados a conferir sigilo a documentos públicos – o que contraria a concepção própria da Lei, fundamentada no imperativo constitucional da democracia participativa, do controle da gestão pública e do acesso aos documentos que integram o patrimônio cultural brasileiro.
  
“Trata-se de uma ampliação que permitirá delegação para um universo de até 1,1 mil autoridades. E, talvez ainda mais grave, um grupo superior a 200 pessoas poderá realizar a classificação no nível mais alto, o de ultrassecreto, eliminando do acesso público a documentos por até 25 anos”, alertam a procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, e o PFDC adjunto Marlon Weichert, que também é coordenador do Grupo de Trabalho sobre Memória e Verdade do Ministério Público Federal. 
 
Originalmente, a Lei de Acesso à Informação estabelece que apenas o presidente, o vice-presidente da República e os ministros de Estado têm competência para determinar a classificação de documentos como ultrassecretos, cuja possibilidade de sigilo é de até 25 anos. Os comandantes militares e os chefes de Missões Diplomáticas e Consulares permanentes no exterior também estão autorizados, mas devem submeter sua decisão à ratificação pelos respectivos ministros de Estado. Para a classificação de documentos como secretos, cujo prazo de sigilo é de até 15 anos, o rol de autoridades competentes se amplia um pouco, para incluir os titulares de autarquias, fundações ou empresas públicas e sociedades de economia mista. Já para as informações consideradas como reservadas, o poder de classificação também é designado a autoridades que exerçam funções de direção, comando ou chefia, nível DAS 101.5, ou superior, do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores, ou equivalentes.

Pedido de inconstitucionalidade
Nesta segunda-feira (11), a PFDC encaminhou à procuradora-geral da República, Raquel Dodge, representação solicitando que seja analisada a possibilidade de se apresentar ao Supremo Tribunal Federal (STF) pedido de inconstitucionalidade do Decreto nº 9.690/2019, no trecho em que altera os §§ 1º a 4º da Lei de Acesso à Informação.

Na representação à PGR, a Procuradoria propõe que, diante dos argumentos apresentados, também seja analisada a inconstitucionalidade da Portaria nº 17, publicada em 4 de fevereiro de 2019 e assinada pelo ministro Augusto Heleno Ribeiro Pereira. A normativa delega competência de classificação de informações nos graus ultrassecreto e secreto do ministro de Estado Chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República para autoridades da Agência Brasileira de Inteligência, a Abin.

Em seu conjunto de argumentos, a PFDC destaca que a Lei de Acesso à Informação sempre esteve orientada pela máxima contenção no que diz respeito à classificação de uma informação como sigilosa. Não por acaso, ao consagrar a transparência da informação como princípio, essa legislação cuidou – minuciosa e especificamente – das autoridades competentes para a decretação de sigilo como garantia do direito afirmado.

“A razão, para tanto, parece óbvia. Sendo a transparência o princípio regulador da lei, e o sigilo, a exceção, a decretação deste é reservada, de acordo com o seu grau, às autoridades máximas da administração pública. A LAI não ignora que a informação, mesmo sigilosa, é acessada por uma cadeia hierárquica de servidores. Fez a opção de que os últimos escalões teriam o poder da classificação, e os demais, de preservação do sigilo”.  

O órgão do Ministério Público Federal ressalta ainda que um decreto não pode alterar o objetivo de uma norma legal, bem como ampliar ou reduzir sua abrangência. “Os decretos têm por função disciplinar a execução da lei, ou seja, explicitar o modo pelo qual a administração operacionalizará o cumprimento da norma legal. Sua função é facilitar a execução da lei, torná-la praticável e, principalmente, facilitar ao aparelho administrativo a sua fiel observância”.

Controle governamental e combate à corrupção 
Em sua análise, a PFDC destaca que a LAI é resultado de ampla mobilização de organizações da sociedade civil – dentre elas, a Transparência Brasil, fundada em 2000 por organizações não-governamentais e entidades empresariais voltadas principalmente ao combate à corrupção; o Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, fundado em 2003, por cerca de 20 organizações sem vínculo partidário; e a Contas Abertas, criada em 2005, com foco no monitoramento da execução orçamentária da União.  

“A promulgação da lei no Brasil acabou por inserir o país em um movimento mundial que se fortalece a partir da década de 90 e que combina, de um lado, o avanço da democracia, com seus componentes indissociáveis de liberdade de expressão e de informação, e, de outro, as inovações tecnológicas, especialmente a internet”.  

A PFDC ressalta que é patrimônio cultural brasileiro toda a documentação pública, especialmente aquela que permita o conhecimento de dados históricos, que podem ser apropriados, coletiva ou individualmente, de diversas formas, inclusive mediante retificação. No documento, a Procuradoria cita o voto da ministra Carmen Lúcia no julgamento da ADPF 153 no Supremo Tribunal Federal, no qual destacou que “o direito à verdade garante que todo povo tem direito de conhecer toda a verdade da sua história, todo o cidadão tem o direito de saber o que o Estado por ele formado faz, como faz, porque faz e para que faz”.

Winz

Envie seu Comentário

 

Comentários

    Seja o primeiro a comentar

Envie Comentários utilizando sua conta do Facebook