PLs que alteram Lei de Tortura contrariam a Constituição, tratados internacionais e o Código Penal, aponta PFDC

Em Nota Técnica, órgão destaca retrocessos

MPF/Foto: Pixabay
Publicada em 21 de novembro de 2019 às 10:42
PLs que alteram Lei de Tortura contrariam a Constituição, tratados internacionais e o Código Penal, aponta PFDC

A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão que integra o Ministério Público Federal (MPF), encaminhou nesta quarta-feira (20) ao Congresso Nacional uma Nota Técnica sobre dois projetos de lei que tramitam na Câmara dos Deputados para alterar a Lei de Combate à Tortura (Lei 9.455/1997). Os Projetos de Lei 7.885/ 2014 e 4.472/2016 buscam modificar a legislação vigente no que se refere ao efeito automático da perda de funções, cargos ou patentes de agentes públicos condenados por esse tipo de crime.

Atualmente, a Lei de Combate à Tortura estabelece que a perda de cargo público para quem comete essa prática é automática e aplicável a qualquer condenação. Entretanto, um substitutivo aprovado pela Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado propõe que a perda de exercício da função pública passe a ser facultativa e que incida apenas nas hipóteses de condenação superior a quatro anos de prisão. O argumento para a modificação seria a suposta necessidade de adequação ao modelo do Código Penal.

O texto desse substitutivo está atualmente na Comissão de Constituição e Justiça, onde já recebeu parecer favorável do relator e agora aguarda deliberação. Na Nota Técnica encaminhada aos parlamentares, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão alerta que, se aprovada, a medida enfraquecerá o sistema brasileiro de proteção contra a tortura e promoverá sua desconexão dos paradigmas internacionais que tratam do tema. “A iniciativa representa grave retrocesso em termos de punição e prevenção ao crime de tortura, contrariando o que estabelece a Constituição e também os marcos normativos internacionais – que têm natureza supralegal, conforme já fixou o Supremo Tribunal Federal”.

No documento, a PFDC aponta dois conjuntos de fundamentos para a rejeição da proposta constante dos PLs 7.885 e 4.472, tanto nas redações originais quanto na do substitutivo. O primeiro refere-se à gravidade do crime de tortura e o tratamento jurídico que esse delito recebe nas ordens interna e internacional. O segundo diz respeito ao sistema vigente no direito penal brasileiro relativamente aos efeitos secundários das condenações criminais. “Não procede a alegação de que é necessário alterar a redação do § 5º do artigo 1º da Lei de Tortura para supostamente ajustá-lo ao modelo do Código Penal. A punição ao crime de tortura, tal como previsto na norma em vigor, atende ao imperativo constitucional e às obrigações internacionais do Estado brasileiro de dar tratamento peculiar e proporcional à sua gravidade. A previsão de automática perda da função ou cargo públicos pelo agente público condenado pelo crime de tortura, longe de quebrar a lógica sistêmica do Código Penal, reforça a observância do princípio da proporcionalidade e o dever estatal de conferir a máxima proteção em face de um dos mais graves crimes internacionais”, destaca a Nota Técnica.

De acordo com a Procuradoria, ao contrário do que sustenta a defesa dos dois projetos de lei e de seu substitutivo, na prática, a medida resultará em um rompimento com o modelo do direito penal brasileiro relativo aos efeitos secundários da pena em crimes praticados por agentes públicos com abuso ou violação de poder. “Essa manifesta peculiaridade relativa à tortura revela, por si só, que o legislador doméstico deve fixar sanções proporcionalmente severas para os autores desse delito. E é nesse contexto que se justifica o regime próprio relativo aos efeitos secundários da condenação criminal, mais rigoroso do que aquele vigente para os demais crimes previstos no Código Penal e na legislação especial”.

A Nota Técnica lembra que o próprio Código Penal determina que crimes praticados com abuso da função pública, quando punidos com prisão superior a dois anos, tal como ocorre na tortura, devem resultar na perda do cargo ou função pública. Assim, a mudança proposta pelos PLs terminaria provocando enorme distorção no sistema, dando tratamento privilegiado exatamente a um dos mais graves crimes previstos no sistema criminal brasileiro e internacional.

Proibição universal e absoluta - Para além da Constituição Federal, a preocupação em impedir e prevenir a prática de tortura e de outros tratamentos desumanos ou degradantes traduziu-se em inúmeros atos no âmbito do direito internacional dos direitos humanos – tais como a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes; a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura; o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional; e o Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes. “Trata-se, portanto, de uma proibição universal e absoluta, lastreada no reconhecimento de que qualquer tipo de tortura não apenas desumaniza as vítimas, como também aqueles que cometem esses atos”, reforça a PFDC. A Nota Técnica é assinada pela procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, e pelos PFDCs adjuntos Marlon Weichert, Domingos da Silveira e Eugênia Augusta, além dos integrantes do Grupo de Trabalho sobre Prevenção e Combate à Tortura.

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