Sobre as vaias a Claudia Leite

As vaias a Claudia Leite são um grito contra o genocídio do negro brasileiro, que o professor Abdias Nascimento destaca existir e persistir em nossa sociedade

Fonte: Oliveiros Marques - Publicada em 01 de março de 2025 às 12:13

Sobre as vaias a Claudia Leite

Claudia Leitte (Foto: Instagram/@claudialeitte)

A sonora e ritmada vaia recebida por Claudia Leite na abertura do Carnaval da Bahia tem motivos muito objetivos para ter acontecido. O combustível pontual e absolutamente justificável para o episódio foi a atitude da cantora de retirar da letra de uma de suas músicas o nome de Iemanjá, uma orixá iorubá. Isso levou, inclusive, o Ministério Público da Bahia a abrir uma investigação.

Claudia Leite se construiu como artista através do axé music, corrente cultural absolutamente vinculada à cultura afro-brasileira. E agora, por se dizer evangélica, patrocina um comportamento que corrobora o que Abdias Nascimento caracterizou como “O genocídio do negro brasileiro: processo de um racismo mascarado”, em texto apresentado em 1977 no Segundo Festival de Artes e Culturas Negras, em Lagos, capital da Nigéria.

Ao retirar a referência ao nome da Rainha do Mar da letra da música, Claudia Leite reproduz o que até pouco tempo atrás fazia o Estado ao confiscar objetos da arte afro-brasileira e as imagens de sentido ritual em terreiros de religiões de matriz africana, levando-os para departamentos de polícia ou escolas de psiquiatria. Fez o mesmo que a ditadura militar fez em determinado censo ao retirar a referência à raça do questionário. Buscou inviabilizar a cultura, a religião, a vivência negra no Brasil.

No tópico “O embranquecimento cultural: outra estratégia de genocídio”, Abdias destaca que, diferente do racismo norte-americano ou do existente então na África do Sul — sendo aquele óbvio e este legalizado —, no Brasil o racismo é “difuso e profundamente penetrante no tecido social, psicológico, econômico, político e cultural da sociedade do país”. O professor ressalta que, sob a farsa da democracia racial, sobra a negros e negras a “assimilação, aculturação, miscigenação”, que escondem a visão eurocêntrica — portanto branca — da “intocada crença na inferioridade do africano e seus descendentes”.

A cultura é um importante instrumento das elites para o desempenho de seu desejo de controle social e apagamento da presença negra em nossa sociedade — ontem e hoje. Por isso, as vaias a Claudia Leite são um grito contra o genocídio do negro brasileiro, que o professor Abdias Nascimento destaca existir e persistir em nossa sociedade. Que mais gritos como esses ecoem pelos territórios brasileiros. E, se tiver que ser em forma de vaias, que assim seja.

Oliveiros Marques

Sociólogo pela Universidade de Brasília, onde também cursou disciplinas do mestrado em Sociologia Política. Atuou por 18 anos como assessor junto ao Congresso Nacional. Publicitário e associado ao Clube Associativo dos Profissionais de Marketing Político (CAMP), realizou dezenas de campanhas no Brasil para prefeituras, governos estaduais, Senado e casas legislativas

20 artigos

Sobre as vaias a Claudia Leite

As vaias a Claudia Leite são um grito contra o genocídio do negro brasileiro, que o professor Abdias Nascimento destaca existir e persistir em nossa sociedade

Oliveiros Marques
Publicada em 01 de março de 2025 às 12:13
Sobre as vaias a Claudia Leite

Claudia Leitte (Foto: Instagram/@claudialeitte)

A sonora e ritmada vaia recebida por Claudia Leite na abertura do Carnaval da Bahia tem motivos muito objetivos para ter acontecido. O combustível pontual e absolutamente justificável para o episódio foi a atitude da cantora de retirar da letra de uma de suas músicas o nome de Iemanjá, uma orixá iorubá. Isso levou, inclusive, o Ministério Público da Bahia a abrir uma investigação.

Claudia Leite se construiu como artista através do axé music, corrente cultural absolutamente vinculada à cultura afro-brasileira. E agora, por se dizer evangélica, patrocina um comportamento que corrobora o que Abdias Nascimento caracterizou como “O genocídio do negro brasileiro: processo de um racismo mascarado”, em texto apresentado em 1977 no Segundo Festival de Artes e Culturas Negras, em Lagos, capital da Nigéria.

Ao retirar a referência ao nome da Rainha do Mar da letra da música, Claudia Leite reproduz o que até pouco tempo atrás fazia o Estado ao confiscar objetos da arte afro-brasileira e as imagens de sentido ritual em terreiros de religiões de matriz africana, levando-os para departamentos de polícia ou escolas de psiquiatria. Fez o mesmo que a ditadura militar fez em determinado censo ao retirar a referência à raça do questionário. Buscou inviabilizar a cultura, a religião, a vivência negra no Brasil.

No tópico “O embranquecimento cultural: outra estratégia de genocídio”, Abdias destaca que, diferente do racismo norte-americano ou do existente então na África do Sul — sendo aquele óbvio e este legalizado —, no Brasil o racismo é “difuso e profundamente penetrante no tecido social, psicológico, econômico, político e cultural da sociedade do país”. O professor ressalta que, sob a farsa da democracia racial, sobra a negros e negras a “assimilação, aculturação, miscigenação”, que escondem a visão eurocêntrica — portanto branca — da “intocada crença na inferioridade do africano e seus descendentes”.

A cultura é um importante instrumento das elites para o desempenho de seu desejo de controle social e apagamento da presença negra em nossa sociedade — ontem e hoje. Por isso, as vaias a Claudia Leite são um grito contra o genocídio do negro brasileiro, que o professor Abdias Nascimento destaca existir e persistir em nossa sociedade. Que mais gritos como esses ecoem pelos territórios brasileiros. E, se tiver que ser em forma de vaias, que assim seja.

Oliveiros Marques

Sociólogo pela Universidade de Brasília, onde também cursou disciplinas do mestrado em Sociologia Política. Atuou por 18 anos como assessor junto ao Congresso Nacional. Publicitário e associado ao Clube Associativo dos Profissionais de Marketing Político (CAMP), realizou dezenas de campanhas no Brasil para prefeituras, governos estaduais, Senado e casas legislativas

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