A farsa está aí, à frente de todos

As primeiras críticas ao trabalho de Sérgio Moro à frente da Lava Jato tinham um caráter técnico

Por Paulo Moreira Leite
Publicada em 11 de junho de 2019 às 17:10
 A farsa está aí, à frente de todos

As primeiras críticas ao trabalho de Sérgio Moro à frente da Lava Jato tinham um caráter técnico. Diziam que ele não agia como um "juiz natural", aquele magistrado que mantém uma postura equidistante entre réu e a promotoria, limitando-se zelar pelo correto cumprimento da lei.

Com o passar dos anos, a partir de um conjunto de decisões que invariavelmente prejudicavam Lula e o Partido dos Trabalhadores, sem o necessário apoio em provas, tornou-se fácil identificar um viés político em seu comportamento -- confirmado, após a eleição presidencial, quando tornou-se ministro da Justiça de Jair Bolsonaro, principal beneficiário do alinhamento anti-Lula da Lava Jato.

Os diálogos revelados pelo Intercept demonstram uma situação muito mais grave e inaceitável, que atinge a credibilidade de uma operação que serviu de impulso às grandes mudanças políticas recentes, com um impacto imenso nos destinos do Brasil e dos brasileiros -- o golpe que derrubou Dilma, a prisão de Lula, a eleição de Jair Bolsonaro.

Reveladas na intimidade, as mensagens trocadas por Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol, chefe da força tarefa, mostram que ambos agiram de forma ensaiada para atingir alvos que há muito tempo deixaram de ser jurídicos.

Longe de uma postura que deveria assegurar um tratamento justo e equilibrado à defesa e à acusação, juiz e procurador  discutem estratégias, trocam conselhos, combinam decisões e antecipam decisões, numa postura camarada e até cúmplice, de quem faz parte do mesmo time e tem contas a acertar com a outra parte, que considera adversária. Não há justiça. Apenas política. 

O jogo é baixo mas o alvo é alto. Atuam de forma pactuada contra o direito de defesa e a presunção da inocência, elementos que constituem a razão de ser do Estado Democrático de Direito.  

Os arquivos desvendam vários episódios decisivos. Numa passagem, o próprio Moro indica uma "fonte séria" que pode ser ouvida pelo Ministério Público ao longo de uma investigação.

Os diálogos recuperam conversas ocorridas depois que Moro divulgou a gravação do diálogo entre Lula e Dilma, medida que impediu a posse do ex-presidente como chefe da Casa Civil da sucessora. "Não me arrependo", diz Moro, assumindo que tomou a decisão  política de tornar público um registro que deveria ter sido destruído, pois fora obtido de forma ilegal.

Na reta final da campanha de 2018, ocorre outra cena didática depois que Ricardo Lewandowski autorizou duas entrevistas de Lula, preso em Curitiba, a Monica Bergamo e a Florestan Fernandes Junior.

Embora a sentença de Lewandowski tivesse apoio numa decisão unânime do plenário do STF, que em 2009 reforçou as garantias constitucionais oferecidas à liberdade de expressão, a reação no Ministério Público era de alarme.  “Que piada!!! Revoltante", diz a procuradora Laura Tessler, numa mensagem.  Uma hora depois, a mesma procuradora deixa registrada aquilo que, sabemos todos, era o fundo do problema: "Sei lá…mas uma coletiva antes do segundo turno pode eleger o Haddad". Ao mesmo tempo, procuradores trocam idéias para sabotar a entrevista -- autorizada por Lewandowski mas derrubada por Luiz Fux, após um recurso do Partido Novo. 

Os arquivos confirmam uma noção que tenho repetido há vários anos, neste espaço, de que a Lava Jato é "uma investigação que se transformou num ataque a democracia". Os dados estão aí, à frente de todos. Graças a um excelente trabalho de Glenn Greenwald e equipe, o país tem a chance de começar o acerto de contas com uma das grandes fraudes de sua história.

Vinte e quatro horas depois do vendaval, não é fácil prever o que vai acontecer.  Sem dúvida será preciso apurar responsabilidades e reparar injustiças. Para o advogado Wadih Damous, deputado federal entre 2014-2018, "dá para constatar indícios de formação de quadrilha, advocacia administrativa, prevaricação e fraude processual, e tudo isso precisa ser investigado. "

Damous também acha que a PGR Raquel Dodge está demorando para afastar Dallagnol de suas funções, "numa medida cautelar. Quando todos reconhecem que os registros são autênticas, é preciso tomar cuidado contra a destruição de provas".

Ao mostrar uma ação combinada entre o Ministério Público e Sérgio Moro na Lava Jato, os arquivos abrem um novo caminho para a defesa de Lula questionar a legitimidade da condenação. Basta ler a troca de mensagens para compreender que a noção de um processo político é mais do que uma hipótese de trabalho. Agora é uma certeza cristalina.  

Alguma dúvida?

* Paulo Moreira Leite é colunista do 247, ocupou postos executivos na VEJA e na Época, foi correspondente na França e nos EUA

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