Em decisão histórica, missionários evangélicos são barrados da terra de indígenas isolados

A ação foi movida pela UNIVAJA, União dos Povos Indígenas do Vale do Javari

Assessoria
Publicada em 17 de abril de 2020 às 15:41
 Em decisão histórica, missionários evangélicos são barrados da terra de indígenas isolados

Dois dos missionários que foram alvo da última decisão, durante uma expedição anterior. © Facebook

Em uma decisão histórica, o juiz Fabiano Verli impediu missionários evangélicos de fazer contato com povos indígenas isolados no Vale do Javari, lar da maior concentração de indígenas isolados do planeta.

A ação foi movida pela UNIVAJA, União dos Povos Indígenas do Vale do Javari, para combater as tentativas de missionários de alcançar comunidades isoladas.

A decisão do juiz nomeia vários missionários - Andrew Tonkin, Josiah McIntyre e Wilson de Benjamin - e a Missão Novas Tribos (Ethnos360), mas se estende a todos os missionários que estão tentando entrar na Terra Indígena do Vale do Javari.

O juiz destacou em sua decisão "a especial vulnerabilidade dos indígenas isolados.” E complementou dizendo que “contatá-los é um grande risco".

Ele autorizou o uso da força policial e militar para fazer cumprir a decisão e alertou que quem violar a ordem será multado em R$ 1.000 por dia.

Eliesio Marubo, o advogado indígena que atua na UNIVAJA, disse hoje à Survival: “A impressão que tenho, depois da concessão da liminar, é a melhor [decisão] possível! O mundo do Direito e das teorias jurídicas deve servir para aplicar a lei a todos. A UNIVAJA, como organização representativa dos povos indígenas do Vale do Javari, só está defendendo o direito das comunidades escolherem o que é melhor para si. Essa decisão é exclusivamente nossa, dos povos indígenas! Essa decisão põe discernimento forçado na cabeça do cristão que esqueceu da maior ordenança divina: amar e respeitar o próximo!”

A UNIVAJA disse em comunicado anterior à imprensa: “Caso chegue essa doença (covid-19) em nossas aldeias, o cenário pode ser o de genocídio. Apesar de todas essas possibilidades de um horizonte sombrio para os povos indígenas do Vale do Javari, o que temos visto, na prática, são tomadas de providências tímidas por parte da FUNAI, da SESAI e dos demais poderes públicos locais.”

Kenampa Marubo, líder da UNIVAJA, Vale do Javari. © Silia Moan/UNIVAJA

A Missão Novas Tribos, uma das maiores organizações missionárias fundamentalistas do mundo, anunciou recentemente planos para entrar em contato com os povos indígenas do Vale do Javari e a compra de um helicóptero adentrar o território.

A Survival International está liderando uma campanha internacional para impedir isso, e seus apoiadores estão bombardeando as páginas das redes sociais da organização pedindo que fiquem longe dos indígenas. A Survival também  está fazendo campanha para pedir a exoneração do missionário evangélico, Ricardo Lopes Dias, recentemente nomeado chefe da Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato da FUNAI.

O casal Tsohom-dyapa e seu bebê recém contatados, Vale do Javari no Brasil, Amazonas. A foto foi tirada no hospital indígena onde estavam para tratamento médico. © Fiona Watson/Survival

Os povos indígenas isolados são os povos mais vulneráveis do planeta. Populações inteiras foram exterminadas por doenças como gripe e sarampo às quais não possuem resistência. Por isso, qualquer tentativa de contato com esses povos durante a pandemia de coronavírus seria uma sentença de morte para muitos.

O coronavírus já atinge comunidades indígenas na Amazônia. É provável que isso tenha consequências devastadoras para eles. Um garoto Yanomami de quinze anos morreu em decorrência do vírus, e há temores de que agora se espalhe por todo o território. A Terra Indígena Yanomami, que também abriga várias comunidades de indígenas isolados, sofre com a presença de milhares de garimpeiros ilegais. Os garimpeiros estão operando perigosamente perto de um grupo isolado, aumentando o risco de serem dizimados.

Tupá, uma mulher Matis, perto do rio Itui, no Vale do Javari. Os Matis foram devastados por doenças após o primeiro contato na década de 1970. Mais da metade dos Matis morreu no ano seguinte ao contato. Hoje sua população aumentou e são cerca de 300 indígenas, mas porta-vozes locais dizem que o governo brasileiro não está fazendo o suficiente para proteger sua saúde. © Fiona Watson/Survival

A diretora de pesquisa e campanhas da Survival, Fiona Watson, que conhece bem o Vale do Javari, disse hoje: “Esta é uma decisão muito importante, pois reconhece os enormes perigos e o ato criminoso de forçar o contato com indígenas isolados. É um grande golpe para os missionários evangélicos que pensam que estão acima da lei no Brasil de Bolsonaro. As autoridades brasileiras devem agir imediatamente para fazer cumprir a decisão, expulsando todos os missionários do Vale do Javari, e garantindo que eles não tentem retornar na surdina, como fizeram no passado.”

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