Artigo: “A militarização nas escolas de Rondônia vista por uma análise Jurídica”

No Estado de Rondônia, está se discutindo a questão de promover a instalação nas escolas estaduais do modelo de disciplina militar, o que foi denominado de “militarização nas escolas”.

Walter Lemos
Publicada em 22 de agosto de 2017 às 10:18
Artigo: “A militarização nas escolas de Rondônia vista por uma análise Jurídica”

Walter Lemos, presidente da Comissão de Ensino Jurídico da OAB/RO

No Estado de Rondônia, está se discutindo a questão de promover a instalação nas escolas estaduais do modelo de disciplina militar, o que foi denominado de “militarização nas escolas”. Por tal projeto, as escolas estaduais podem ser passadas à gestão de militares da Polícia Militar do Estado, para que estes estabeleçam a implementação de tal modelo de ensino, a partir da utilização da disciplina militar.

O modelo apresentado é o modelo da disciplina militar, também denominada “castrense”. Esta disciplina é estabelecida na história durante o século II A. C. pelo Exército Romano, descrevendo a necessidade de que o exército estivesse devidamente preparado e descansado para a guerra, e que então se estabelecesse uma disciplina rigorosa para esses soldados pudessem obedecer aos comandos de seus superiores. Portanto, a origem se estabelece a partir do exercício do direito de guerra, e é esse modelo que querem estabelecer como um modelo de disciplina para a discência como modelo de educação de Rondônia. O uso da disciplina militar nas escolas, é claro, não os objetivam preparar para a guerra, mas é adaptada para que os alunos sejam ensinados a partir de uma rígida disciplina, que impede a livre expressão dos discentes de suas culturalidades.

Muito bem, a Constituição Brasileira descreve que nós somos uma sociedade pluralista, não discriminatória e fraterna, conforme descrito em seu preâmbulo. Como podemos estabelecer o cumprimento de uma sociedade fraterna, pluralista e sem discriminação quando em nossas escolas vamos estabelecer um regime de disciplina que preza pelo monoculturalismo? Monoculturalismo é o estabelecimento de somente um padrão de cultura como válida, o que é possível de se ver com as práticas que as escolas militares acabam exigindo de seus alunos, já que esta disciplina que não traz consigo a expressão das culturalidades de cada um dos sujeitos que estão presentes dentro dessa escola.

Notem que somos uma sociedade plural e querem discipliná-la na forma unicultural, mas em uma sociedade multicultural é necessário que a educação seja expressa pela pluriculturalidade, pela multiculturalidade e não pela uniculturalidade ou monoculturalidade. A Constituição quando se refere a questão da educação, descreve a necessidade de uma atuação que deva se pautar na democracia, pluralidade, igualdade, fraternidade, que preze a participação social nas suas atuações e decisões e em atos não discriminatórios.

Ao abordar estes preceitos e princípios de regência da educação, vê-se a necessidade de esta ser a todo momento plural, dela ser um local de pluralidade e discussões de ideias, debate, e é isso que não se permitirá ao estabelecer unicamente este modelo de disciplina para as escolas estaduais, já que este não tem o objetivo de gerar a discussão, o debate e as liberdades que o art. 206, II, da Constituição Federal, para aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber. O inciso III descreve ainda a necessidade de pluralismo de ideias e concepções pedagógicas, o que também impede que o governo estadual proceda a militarização em suas escolas como um todo. O que a Constituição não permite é o uso desta disciplina como o único método de disciplina, como pretende o projeto de militarização das escolas.

Mas o uso deste tipo de pensamento pode se dar no âmbito educacional? Sim, não há dúvida. Mas este deve ser o único modelo? Não, não deve. A disciplina objetiva o rigor na hierarquia e no cumprimento das ordens recebidas pelos seus superiores. O uso deste tipo de disciplina é utilizado para a educação de crianças, mas sob certas modificações e adaptações específicas. O que o governo pretende realizar é a militarização de suas escolas, o que é diferente de uma escola militar, que é aquela que já nasce sob a perspectiva militar, de forma que é criada já sob tal exegese. Portanto, aquele que deseja seguir tal tipo de disciplina se matricula nesta escola por vontade própria. A escola militarizada é aquela que é civil e, por qualquer tipo de ação estatal, passa a ter a implementação da disciplina militar. O que ocorre é que os alunos desta escola que estavam sob um regime civil se veem obrigados tal a disciplina, contra a sua vontade. Este tipo conduta, de tornar todas escolas militarizadas acaba por ferir a Constituição e o regime democrático em que vivemos, obrigando a todos seguir um pensamento de forma não voluntária.

Mas a sociedade não vai melhorar? Ai é de se perguntar: será? Como vai melhorar se uma grande parte do efetivo policial será deslocado da segurança pública para a educação. Como vai melhorar se as nossas diferenças enquanto povo não serão entendidas e sim sufocadas. Como vamos melhorar se não haverá fomento a uma educação democrática. Como vamos melhorar se haverá uma pregação de um só pensamento político. Como vamos melhorar se haverá uma atuação estatal contrária a liberdade do pensamento, aprendizagem, pesquisa, arte e o saber. Como vai melhorar se não poderá o povo participar democraticamente na construção da escola.

Já com relação ao Direito administrativo e os princípios que regem a necessidade de tratamento igualitário pelo governo estadual aos dois modelos de ensino, mas isso não ocorre com relação a quantidade de dinheiro que é injetada nas escolas, pois pelo PROAFI, Programa de Transferência de Renda do Estado, as escolas comuns recebem mensalmente o importe de R$ 8,00 por aluno e as escolas militares e militarizadas R$ 20,00 por aluno. Por que esta diferença? Outra diferença se dá com relação a questão da remuneração do pessoal, já que pessoal da PM que é transferido para este tipo de escola recebe uma gratificação que é de 70% sobre o seu soldo, como pretende o projeto de lei em discussão, enquanto os professores e os gestores das escolas comuns não recebem gratificações deste mesmo vulto. Este tipo de tratamento entre indivíduos que realizam o mesmo trabalho contraria a correção dos princípios da administração pública.

Sob o ponto de vista de direito educacional, há que se descrever a gestão democrática e participativa, onde a direção das escolas deve entender os anseios da sociedade a qual interveem, estabelecendo estratégias e ações as serem conduzidas. Na versão militarizada, não há esta atuação democrática e com a participação da sociedade.

Por que não criar novas escolas e estas já iniciarem militares? Porque a militarização de uma escola comum é melhor, por ter um menor custo, bem como por continuar a receber as verbas federais, estaduais e de outros projetos educacionais, que a escola já possui, o que levaria algum tempo a ser recebido pela nova escola criada, o que faz com que seja menos interessante. Outra grande questão relacionada à militarização é por que a escola militar ou militarizada não realiza o EJA – Educação de Jovens e Adultos? Se o objetivo da militarização não é formar melhores pessoas e alunos, porque não ensina a este público? O EJA ocorre no período noturno e é onde está uma grande parte dos nossos problemas nas escolas, mas a escola militar ou militarizada não objetiva ser aplicada a este público por já ser um público formado politicamente, já possui valores e uma cultura e identidade própria, o que não ocorre nas mentes férteis das crianças e adolescentes.

Ou seja, há uma série de discussões a se dar sobre o tema, não podendo olvidar do uso político deste tipo de projeto para as escolas, já que permitia para a formação de uma massa de jovens que se posicionam sob uma ideologia política, a do pensamento do militarismo, do autoritarismo, da direita. Formando com isso uma grande massa de eleitores de um mesmo grupo de políticos alinhados a este pensamento.

De tudo isso, não podemos olvidar todas estas questões neste debate, que não pode se dar de afogadilho, sem que se estabeleça uma discussão ampla, geral, democrática, com a presença de estudos detalhados antes de uma decisão deste tipo. São reformas muito impactantes e que devem se dar de forma bem discutida e debatida com todos, não se usando somente deste tipo de debate para o mero interesse político de um governo e de certos políticos as para as próximas eleições.

Uma educação de qualidade é tudo o que queremos e é a base destas discussões, mas não podemos pensar que somente militarizamos é que podemos conseguir uma educação de qualidade, já que existem vários exemplos de boas práticas de educação sendo realizadas e que não fazem uso da disciplina militar. A escola brasileira deve ser de qualidade, podendo haver escolas comuns e escolas militarizadas, se permitindo a liberdade de escolha do cidadão, mas devem todas terem as mesmas condições de aporte de capital, de pessoal, de apoio estatal e valorização, devendo ambas se prezam pela “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; pela liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; e o respeito à liberdade e apreço à tolerância.”

Não podemos deixar de lembrar que “todo sistema de educação é uma maneira política de manter ou de modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que eles trazem consigo”, conforme descreve Michel Foucault.

Walter Gustavo Lemos é advogado. Presidente da Comissão de Ensino Jurídico da OAB/RO. Doutorando em Direito pela UNESA/RJ. Mestre em História pela PUC/RS e mestre em Direito Internacional pela UAA/PY. Especialista em Direito Processual Civil pela Faculdade de Rondônia (Faro) e em Direito Processual Penal pela Ulbra/RS. Professor de Hermenêutica Jurídica e Direito Internacional da Faro e da Faculdade Católica de Rondônia (FCR). Membro do Instituto de Direito Processual de Rondônia (IDPR). Membro da Academia Brasileira de Direito Internacional (ABDI ). Ex-secretário-geral adjunto e ex-ouvidor-geral da OAB/RO.

Comentários

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    daiane dezan 22/08/2017

    Leio artigos e comentários muito redigidos sobre tal abordagem, grande maioria se posicionam contra a militarização das escola, acho grande maioria não sabem da realidade de uma sala de aula, muito menos do esforço sub-humano que um professor faz para ensinar seus alunos, alunos estes inseridos num sistema educacional falido, onde a pontuação da media e os miserareis 6 pontos, e o detalhe sangrento e que 2 pontos de caderno, que ao meu ver e obrigação do aluno manter em dia, 3 pontos de trabalhos, ou seja onde entra todo o esforço do professor? vamos ser realistas, os jovens não estão se importando com nada disso, sabe que não serão punidos pela desídia, a falta de respeito com os professores, eles se deliciam com a desordem desse sistema que nada cobra, a não ser, que as estatísticas mostre que não existe reprovação, e não levam em conta que o custo que estamos pagando, adultos analfabetos funcionais, sou a favor da ordem do respeito que se perdeu diante de uma bandeira, e para resgatarmos isso o caminho e o militarismo e rigidez e disciplina, os alunos se perdem com a liberdade e a transformam em libertinagem. e quem acha que estou errada, se direcione a uma sala de aula de periferia e tente sobreviver as agressões morais e verbais que sofremos....

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    Dolores Castro 22/08/2017

    Sou professora em uma escola pública de RO , e percebo que dar aula não é difícil. Difícil mesmos é viver as margens de uma sociedade despreparo da. colocam seus filhos na escola e joga toda responsabilidade para a mesma. Enquanto a idéia da militarização seria viável que houvesse uma proposta pedagógica envolvendo toda a sociedade de cada escola. Explicar com detalhes os procedimentos das legalidade. Pq não podemos esquecer das vidas que se foram na época da ditadura militar. Também é sabido que temos que respeitar o seguimento constitucional. Onde o artigo 205 onde fala que a educação é o dever do estado e da família. Será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade. Que tal criarmos projetos de políticas públicas. Onde os jovens sairão do segundo grau profissionalizado técnicos. Regras imposta em pleno século XXI, só servirá para aumentar a violência. Também é sabido que violência só servirá para aumentar ainda mais. Agora necessitamos de medidas protetivas urgente no âmbito educacional. ou as futuras gerações terão aula robotizada.É preciso conscientizar familiares e responsáveis, e inseri-Los ao meio educacional ou de nada servirá. Será que os militares irão acompanha-los fora do período escolar? Precisamos de parceria com harmonia.Tudo isto dentro da legalidade e moralidade. Valorização a todos os trabalhadores em educação. Assim esperarmos uma geração de ser pensantes.

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    Norma 22/08/2017

    Tentei discutir a questão nas redes sociais. Infelizmente, nossa classe de educadores está tão enfraquecida que muitos se declaram a favor dessa descaracterização. Estou sabendo de atitudes ofensivas e até agressivas a alunos. Se fosse o caso de um professor o caso ia parar no MP. Mas o medo tomou conta da escola. Terrível!

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    Renato Cardoso 22/08/2017

    Quando a gente termina de ler um artigo como o presente, com explanação lúcida, clara e didática acerca do tema "militarização das escolas", e depois se depara com comentários como aqueles (mal) redigidos pelo Madson e Edmilson, constatamos o quanto a educação brasileira precisa avançar. Parabéns, Walter Gustavo Lemos ! Sua contribuição foi da maior valia, àqueles que desejam conhecer melhor o tema. Pena que nem todos sabem ler e entender o conteúdo do texto.

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    Renato Cardoso 22/08/2017

    Quando a gente termina de ler um artigo como o presente, com explanação lúcida, clara e didática acerca do tema "militarização das escolas", e depois se depara com comentários como aqueles (mal) redigidos pelo Madson e Edmilson, constatamos o quanto a educação brasileira precisa avançar. Parabéns, Walter Gustavo Lemos ! Sua contribuição foi da maior valia, àqueles que desejam conhecer melhor o tema. Pena que nem todos sabem ler e entender o conteúdo do texto.

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    Carlos Puruna 22/08/2017

    Para sacramentar a coisa é acabar com essa discussão ridícula ( sim, porque se está atingindo ótimos resultados, não há o que se questionar ), vamos fazer um plebiscito e ver o que a população quer. Assim, quem decide é o povo, e deixamos os interesses corporativistas de lado. Simples assim!

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    Ivoneide Morais 22/08/2017

    Parabéns ao Advogado Mestre pelo excelente artigo, concordo com você Telma Rodrigues o artigo deveria ser posto na pauta da Assembleia para leitura e conhecimento dos nossos representantes os nobres "DEPUTADO", sou Professora, Bacharel em Direito, cursando Pedagogia.

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    Ivoneide Morais 22/08/2017

    Parabéns ao Advogado Mestre pelo excelente artigo, concordo com você Telma Rodrigues o artigo deveria ser posto na pauta da Assembleia para leitura e conhecimento dos nossos representantes os nobres "DEPUTADO", sou professor, bar

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    Madson Fordh 22/08/2017

    TEM QUE MILITARIZAR SIM AS ESCOLAS, POIS ESCOLAS VIRARAM COVIL DE VAGABUNDOS E USUÁRIOS DE DROGAS. COM A MILITARIZAÇÃO ISSO VAI MUDAR, POIS, TUDO SERÁ BASEADO NA HIERARQUIA E DISCIPLINA !

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    Edmilson Manoel de lira 22/08/2017

    Texto maravilhoso defendido com a mesma ênfase que defendesse um marginal, mesmo sabendo que que ele esta errado. Com todo respeito a classe jurídica mas existe vários tipos de conhecimento, mas este, demonstra como muitos ser o dono da razao Projetos como esse não nasce de uma vontade apenas, mas sim de um criterioso projeto pedagógica, cuja participação envolve pessoas das diversas áreas do conhecimento. Talvez devesse explicar com mas ênfase o por que do pluralismo não esta dando certo no Brasil.. Aprendi que a critica por si so não se sustenta, e preciso compreendela. E pra não cometer o mesmo erro do senhor conhecimento acima, encerro .

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    Telma Rodrigues 22/08/2017

    Brilhante abordagem do tema. O ilustre advogado disse, literalmente, tudo!!! O Artigo deveria ser lido na ALE, para os defensores da militarização das escolas públicas de RO começarem a pensar... Não dói.

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Winz

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