Artigo: “Ilustre ausência”, por Andrey Cavalcante

A ausência de uma personalidade ilustre foi, sem dúvida, melancolicamente registrada nas comemorações do 103º aniversário do município de Porto Velho, nessa segunda-feira.

Andrey Cavalcante
Publicada em 03 de outubro de 2017 às 15:50

A ausência de uma personalidade ilustre foi, sem dúvida, melancolicamente registrada nas comemorações do 103º aniversário do município de Porto Velho, nessa segunda-feira. O mais longevo companheiro de jornada da cidade não circula mais entre nós. O jornal Alto Madeira circulou pela última vez no dia 1º. Foi uma morte anunciada, mas nem por isso menos sentida por tantos que o acompanharam na tarefa de registrar em suas páginas o cotidiano da história. Claro que é justa e merecida a festa de aniversário. Porto Velho é hoje uma cidade que reflete a confiança no futuro glorioso que lhe está reservado.

Aos 103 anos a capital rondoniense ostenta claramente indicativos de consolidação ainda maior de sua economia, graças à força de trabalho de seu povo. Ao contrário de outras regiões mais abastadas que vivem dramáticas dificuldades em decorrência das crises econômica e institucional que se abateram sobre o país. Mas a celebridade ausente com certeza deslustrou-lhe um pouco o brilho da festa. Aproprio-me, respeitosamente, para adaptar à realidade, do pensamento de Bob Marley, e assegurar que o Alto Madeira viveu, sim, para fazer sua presença ser notada e, sem qualquer dúvida, sua falta será sentida.

Não há que se falar em culpados ou apontar responsabilidades e falhas que conduziram a esta sensação de perda irreparável de tantos quantos são dotados de sensibilidade suficiente para abrigar esta sensação dolorosa de perda irreparável pela ausência do vetusto companheiro do café da manhã. E, apesar de saber, como escreveu Ciro Pinheiro, que, “depois dos cem anos, o remar da canoa tendia para o fim da viagem”, isso, contudo, não nos conforta, posto que o Alto Madeira leva consigo nossas melhores lembranças. E nos deixa na companhia do vazio na alma que as mudanças dolorosas normalmente provocam.

O Alto Madeira percorreu com determinação os caminhos aos quais foi conduzido por uma realidade tão dramática quanto irreversível. “Testemunha ocular da história” – para aproveitar o slogan do Repórter Esso, extinto em 1968 – o Alto Madeira esteve presente, desde sua criação, por Joaquim Augusto Tanajura, em 15 de abril de 1917. Dois episódios emolduram e justificam bem a associação com o histórico noticiário que revolucionou o rádio no Brasil. Registra “O Globo” que a Rádio Tupi, com base em informações da Associated Press, foi a primeira a anunciar o fim da Segunda Guerra Mundial. Mas somente dois dias depois, quando o Repórter Esso noticiou o fim do conflito, os cariocas saíram às ruas para comemorar.

O jornalista Ciro Pinheiro lembra, para mostrar a importância do Alto Madeira, ter publicado em 1972 o que era um simples boato: a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré seria desativada, por completo, pelo governo federal. Ele conta que nem se preocupou em colher detalhes: correu à redação e, no dia seguinte, o jornal circulou com a manchete: “O apito final”. Pouco tempo depois a administração da ferrovia publicaria convite para a solenidade de encerramento das atividades da Madeira-Mamoré, marcada para o dia 10 de julho. Alguém pode considerar exagerada a comparação do fim da guerra com a paralisação da EFMM. Pode-se assegurar que, em Porto Velho, a notícia da ferrovia teve repercussão muito maior.

Não há, porém, como deixar de associar a longevidade do periódico à personalidade de seu diretor, Euro Tourinho. Muito antes de pisar na redação, o destino inexorável já apontava o rumo de sua vocação. Lembra o jornalista, escritor e professor Sílvio Persivo, no livro “Euro Tourinho – a samaúma da imprensa amazônica, que, em 1931, quando aguardava com seus pais, no Rio de Janeiro o embarque no navio que haveria de levar a família a Belém do Pará, o jovem Euro acompanhou a histórica inauguração da Imagem do Cristo Redentor. A iluminação foi acionada, do Vaticano, por ondas de rádio, pelo Papa Pio XI, na companhia do cientista Gugliemo Marconi, o inventor.

A iniciativa do evento foi coincidentemente de Assis Chateaubriand. E a figura emblemática de Euro Tourinho não se desviou um milímetro do que o destino lhe reservou. Acompanhou “in loco” todos os grandes acontecimentos políticos do Estado. E, com a companheira de toda a vida, Sra. Maria Kang Tourinho, sempre prestigiou os mais destacados eventos sociais da cidade. Merece, portanto, ser amplamente reverenciado este cidadão que, com sua família, conduziu por tantos anos o jornal. E que permaneceu inarredável até mesmo na expedição do derradeiro exemplar.

O Alto Madeira fará falta sempre. Muita falta.

Comentários

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    clenio amorim correa 03/10/2017

    Nobre Presidente, o Jornal“Alto Madeira” era visto tradicionalmente como garantia de um jornalismo de qualidade, destaco aqui, o próprio dono Sr. Euro Tourinho e seus baluartes (últimos moicanos) jornalistas Lúcio Albuquerque (política) e Ciro Pinheiro (social), mas com o advento da internet e com a popularização das mídias sociais, as notícias agora correm na velocidade da luz. A concorrência da internet deixa marcas: alguns jornais já pararam as máquinas e muitos diminuíram o número de tiragens. Hoje a nova geração já definiu onde quer buscar informação, e escolheu pela forma instantânea e gratuita: a “internet”. Como consequência, a circulação dos jornais impressos apresentou uma queda acentuada nos últimos tempos e alguns meios de comunicação impressos já declararam falência. O jornal impresso se tornou obsoleto pela lentidão, daí que hoje em dia as pessoas querem ter a informação a todo momento e onde quer que estejam. Os smartphones, laptops e redes sociais, não há mais espaço para produtos impressos. Os programas eletrônicos que analisam automaticamente e de forma muito precisa o tipo de busca de cada usuário se tornam cada vez mais importantes. Para alguns proseadores do setor impresso “fechar as portas é algo que está por vir”, e a qualidade da cobertura jornalística será prejudicada, e o jornalismo de qualidade vai se reduzir. Penso que na falta de uma estratégia eficiente para atrair e cativar o público por parte da imprensa, seria reduzir para uma ou duas vezes por semana com uma edição on-line com publicações atuais e interativas usando sistema “Paywall”, no qual o usuário paga pelo conteúdo digital do site. (alguns trechos foram extraídos de comentários jornalísticos a respeito do assunto).

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    Maria Etelvina Araujo da Silva 03/10/2017

    Esse jornal, tem muitas histórias. . . Lembro -me das nossas greves dos funcionários que aconteceu em 1985, e outros registros. Mas é isso mesmo! Que tudo fique bem!

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    HIRAN GALLO 03/10/2017

    PARABENS AO PRESIDENTE DA OAB-RONDÔNIA,DR,ANDREY,PELA SUAS COLOCAÇÕES!

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    joão bosco 03/10/2017

    a OAB PODE MUITO BEM SE APROPIAR DESSE JORNAL JUNTAMENTE COM AS ENTIDADE DE CLASSE PARA DIVULGAR SOMENTE AS QUESTÕES TURISTICA E CULTURAL RELIGIOSAS E GRANDES FEITO JÁ CONSOLIDADO DOS POLITICOS. AO INVES DE CHORAR VAMOS AGIR.

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Winz

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