Artigo: “Respeito à Constituição”, por Andrey Cavalcante

A resolução nº 181 do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) – já em vigor – despreza a Constituição da República e toma do judiciário a prerrogativa de estabelecer acordos de não persecução penal.

Andrey Cavalcante
Publicada em 25 de outubro de 2017 às 14:11

A resolução nº 181 do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) – já em vigor – despreza a Constituição da República e toma do judiciário a prerrogativa de estabelecer acordos de não persecução penal. Isso assegura ao Ministério Público (MP) o poder de dispensar o processo penal de acusados que se disponham a colaborar com a investigação e a aceitar penas impostas pelo próprio MP. É justamente contra a inspiração imperial de tal resolução que a OAB ingressou no STF com Ação Direta de Inconstitucionalidade, com pedido de liminar para que sejam sustados seus efeitos. Entre várias outras inconstitucionalidades, a medida atenta contra a paridade constitucional entre Ministério Público e advocacia. Ao optar pelo ajuizamento de ação contra a resolução, o Conselho Pleno da OAB observa que ela concentra poderes à acusação, que ao mesmo tempo investiga e impõe penalidades, o que é típico do sistema inquisitorial, não admitido pelo ordenamento brasileiro. O Ministério Público, ao impor restrições a bens jurídicos, ultrapassa a sua competência, encerrando por cumular atuação dúplice: desempenha a função de acusador e de juiz.

A OAB salienta que o texto fere os princípios de reserva legal, segurança jurídica, indisponibilidade da ação penal, imparcialidade, impessoalidade, ampla defesa, contraditório, devido processo legal e inviolabilidade de domicílio, além de usurpar a competência privativa da União e da instituição policial, extrapolando, também, o poder regulamentar conferido ao CNMP. Entre os temas que ferem a Constituição estão acordos de não persecução penal, a não homologação desses acordos pelo Judiciário, a atuação do Ministério Público como acusador e como juiz, a participação da polícia nas investigações e a possibilidade indiscriminada de diligências pelo MP.

E vai além: “a resolução questionada, a pretexto de regulamentar sobre instauração e regras procedimentais de investigação criminal, extrapolou seu poder regulamentar (art. 130-A, §2, I, da CF) inovando no ordenamento jurídico. Isso porque, além de competir privativamente à União legislar sobre matéria processual e penal (art. 22, I, da CF), a norma questionada permitiu ao Ministério Público dispensar a ação penal e adentrar em estabelecimentos para vistorias, inspeções e quaisquer outras diligências sem o crivo do Poder Judiciário, em completa violação ao texto constitucional”.

A ADI, que recebeu o número 5793, está sob relatoria do ministro Ricardo Lewandowski. É também assinada por Jarbas Vasconcelos, presidente da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas, e Charles Dias, procurador nacional de defesa das prerrogativas. A OAB chama a atenção para a quebra dos princípios de reserva legal, segurança jurídica, indisponibilidade da ação penal, imparcialidade, impessoalidade, ampla defesa, contraditório, devido processo legal e inviolabilidade de domicílio, além de usurpar a competência privativa da União e da instituição policial, para extrapolar, inclusive, o poder regulamentar conferido ao CNMP.

São questionados ainda vários dispositivos inconstitucionais que permitem ao Ministério Público a instauração de procedimento investigatório ou a transferência desta tarefa à autoridade policial de acordo com sua conveniência. Para a Ordem, por se tratar de apuração que pode resultar em privação de liberdade, não é compatível, com o princípio da impessoalidade, permitir que o MP possa escolher quem ou o que deverá investigar. “Não há espaço, no estado republicano, para discricionariedade em matéria de persecução criminal. A opção pela investigação direta ministerial deve ocorrer em circunstâncias específicas, que justifiquem a dispensa do aparato policial”.

“Não é, portanto, cabível o alijamento da missão constitucional precípua da autoridade policial em função do acréscimo de poderes ao Ministério Público. Trata-se de instituições autônomas e independentes, pelo que é inadequada a redução dos poderes investigatórios da polícia por meio de uma resolução editada pelo Conselho Nacional do Ministério Público”. E mais: a referida resolução não delimita hipóteses objetivas em que o MP poderá dispensar a estrutura de investigação da Polícia, além de não haver critérios suficientes que diferenciem as situações em que deverá ocorrer o acordo de não persecução, à instauração da investigação pelo MP ou a investigação pela autoridade policial. É amplamente meritória a ação do Ministério Público no combate à corrupção e à criminalidade no país. Mas é fundamental que jamais se desvie do absoluto respeito aos princípios constitucionais, sob pena da medicação combater o mal matando o paciente.

Comentários

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    Noel Andrade 25/10/2017

    Cabe a todos os cidadãos e principalmente aos operadores do Direito, insurgir-se a qualquer ato que viole a Sagrada Constituição Federal, e os basilares princípios que jamais devem serem mitigados, que são eles sem sombra de dúvidas o do Contraditório e Ampla Defesa, não podemos no anseio desenfreado em nome da "Justiça" mitigar Direitos outros conquistados a duras "batalhas"!

  • 2
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    edgard feitosa 25/10/2017

    Vamos traduzir para o popular toda esta filigrana jurídica: o paciente (políticos corruptos; empresários e ruralistas que cometem crimes ambientais; poderosos de colarinho branco, etc.), devem ficar fora do alcance do remédio (Ministério Público); sob o argumento do devido processo legal e do contraditório, felpudas bancas de advogados caríssimos defendem o indefensável: os corruptos são os mais inocentes mocinhos, e o MP o culpado; pelo contraditório o bandido é quem deve prender o xerife;

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