ATÉ ONDE AGUENTAR

E foi aí que descobri que “até onde aguentar” é uma medida com a qual não lido muito bem

Fonte: José Danilo Rangel/Foto de Andrea Piacquadio /pexels.com - Publicada em 20 de novembro de 2025 às 08:53

ATÉ ONDE AGUENTAR

Sábado passado, o sol ainda tava com remela no olho, quando a gente madrugou pra ir correr. Era o segundo sábado (não consecutivo). Mas quem tá contando, né? (A gente tá!).

Dona Vanessa que deu a ideia. Sexta-feira, perto da meia-noite, ela me olha e diz: amor… E do nada sugere: bora correr amanhã de manhã? Penso um pouco, muito pouco mesmo e talvez por isso respondo que sim, bora! 

Só se tu não for escrever, amor, ela complementou. Combinado, eu disse. Se não chover, ela observou. Se não chover… eu repeti. Depois de algumas bobeiras no Youtube, pulamos a parte de passar mais tempo procurando um filme do que assistindo, e fomos dormir.

Às 5h40, o primeiro alarme me acorda, mas não é agora. Afundo a cabeça no travesseiro. Às 5h50, o segundo alarme me acorda. Mas ainda não é agora. Às 6h, mais um alarme, mais um susto e eu sei que ainda outros virão. É o que chamo de protocolo de alvorada da dona Vanessa.

Da corrida, não temos novidades, é chegar lá, aquecer o corpo que reluta, reclamar que tá muito cedo, bocejar, agradecer o sol ameno, ir e voltar até dar 5 cá-eme (quem corre não fala quilômetro).

Antes de correr, comentei com a musa sobre um vídeo que vi. Dizia que, depois de bem aquecido, era bom correr até onde aguentar. Ela ouviu e concordou em tentar. Tentamos! E foi aí que descobri que “até onde aguentar” é uma medida com a qual não lido muito bem.

Feito o vídeo pras redes sociais, iniciada a gravação no Strava, começamos a corrida. Sem hora pra parar, mas já perigando! Do alto, vendo a pista se estender quase infinita adiante, calculei, em pânico, uma eternidade pra ir e outra pra voltar.

Depois desses cálculos catastróficos, a ansiedade passou a fazer checagens obsessivas. A cada passo que eu dava, perguntava: ainda aguenta? Mais um passo: ainda aguenta? Outro passo: ainda aguenta?

Sim, sim e sim, eu ia dizendo. A canela ameaçou doer, senti o dedo atritando contra o tênis: ainda aguenta? O joelho tentou incomodar, o calção desceu um pouco: ainda aguenta? O cadarço desamarrou, eu parecia não sair do lugar: ainda aguenta?

Quando finalmente parei, senti que ainda aguentava mais um pouco.

ATÉ ONDE AGUENTAR

E foi aí que descobri que “até onde aguentar” é uma medida com a qual não lido muito bem

José Danilo Rangel/Foto de Andrea Piacquadio /pexels.com
Publicada em 20 de novembro de 2025 às 08:53
ATÉ ONDE AGUENTAR

Sábado passado, o sol ainda tava com remela no olho, quando a gente madrugou pra ir correr. Era o segundo sábado (não consecutivo). Mas quem tá contando, né? (A gente tá!).

Dona Vanessa que deu a ideia. Sexta-feira, perto da meia-noite, ela me olha e diz: amor… E do nada sugere: bora correr amanhã de manhã? Penso um pouco, muito pouco mesmo e talvez por isso respondo que sim, bora! 

Só se tu não for escrever, amor, ela complementou. Combinado, eu disse. Se não chover, ela observou. Se não chover… eu repeti. Depois de algumas bobeiras no Youtube, pulamos a parte de passar mais tempo procurando um filme do que assistindo, e fomos dormir.

Às 5h40, o primeiro alarme me acorda, mas não é agora. Afundo a cabeça no travesseiro. Às 5h50, o segundo alarme me acorda. Mas ainda não é agora. Às 6h, mais um alarme, mais um susto e eu sei que ainda outros virão. É o que chamo de protocolo de alvorada da dona Vanessa.

Da corrida, não temos novidades, é chegar lá, aquecer o corpo que reluta, reclamar que tá muito cedo, bocejar, agradecer o sol ameno, ir e voltar até dar 5 cá-eme (quem corre não fala quilômetro).

Antes de correr, comentei com a musa sobre um vídeo que vi. Dizia que, depois de bem aquecido, era bom correr até onde aguentar. Ela ouviu e concordou em tentar. Tentamos! E foi aí que descobri que “até onde aguentar” é uma medida com a qual não lido muito bem.

Feito o vídeo pras redes sociais, iniciada a gravação no Strava, começamos a corrida. Sem hora pra parar, mas já perigando! Do alto, vendo a pista se estender quase infinita adiante, calculei, em pânico, uma eternidade pra ir e outra pra voltar.

Depois desses cálculos catastróficos, a ansiedade passou a fazer checagens obsessivas. A cada passo que eu dava, perguntava: ainda aguenta? Mais um passo: ainda aguenta? Outro passo: ainda aguenta?

Sim, sim e sim, eu ia dizendo. A canela ameaçou doer, senti o dedo atritando contra o tênis: ainda aguenta? O joelho tentou incomodar, o calção desceu um pouco: ainda aguenta? O cadarço desamarrou, eu parecia não sair do lugar: ainda aguenta?

Quando finalmente parei, senti que ainda aguentava mais um pouco.

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