Condenação ou caos: o futuro do Brasil em jogo

Condenação do ex-presidente pode redefinir a democracia brasileira, acionar retaliações dos EUA e inaugurar nova fase da guerra híbrida contra o Brasil

Fonte: Reynaldo José Aragon Gonçalves - Publicada em 02 de setembro de 2025 às 10:13

Condenação ou caos: o futuro do Brasil em jogo

Jair Bolsonaro (Foto: Reuters)

O Supremo inicia hoje o julgamento histórico que coloca Bolsonaro e a cúpula golpista diante da lei. Enquanto Lula mantém a linha dura, Trump e o bolsonarismo prometem retaliações. O resultado pode selar não apenas o futuro da democracia brasileira, mas também o lugar do país na disputa geopolítica global.

O dia que pode mudar o Brasil

O Supremo Tribunal Federal inicia hoje, 2 de setembro de 2025, o julgamento de Jair Bolsonaro e de generais envolvidos na trama golpista de 8 de janeiro. O processo marca um divisor de águas: é a primeira vez que um ex-presidente e parte da cúpula militar respondem penalmente por tentativa de subversão da ordem democrática. O caso é acompanhado de perto pelo mundo, especialmente pelos Estados Unidos sob Donald Trump, que já impuseram tarifas e sanções como instrumentos de pressão política.

Internamente, a conjuntura é explosiva. O Congresso, dominado por forças conservadoras e fascistizadas, prepara reações para tentar sabotar o Executivo e enfraquecer o STF. O mercado financeiro opera no limite, entre o risco real das tarifas americanas e o oportunismo especulativo. A mídia mainstream pauta o julgamento como espetáculo, mas relativiza o caráter golpista de Bolsonaro e seus aliados. E setores evangélicos e militares atuam como vetores de instabilidade, reforçando a narrativa do martírio bolsonarista.

O julgamento de hoje, portanto, não é apenas uma questão jurídica: é uma batalha estratégica que vai definir o futuro da democracia, a estabilidade institucional e a soberania do Brasil no tabuleiro global.

STF como linha de contenção

O Supremo Tribunal Federal tornou-se o pilar central de contenção do golpismo no Brasil. Ao assumir o julgamento de Bolsonaro e generais, a Corte não está apenas aplicando a lei, mas também defendendo a sobrevivência do pacto constitucional de 1988. A responsabilização penal é o único caminho para frear a lógica da impunidade que historicamente protegeu militares e políticos envolvidos em atentados contra a democracia.

A ofensiva de hoje acontece sob fogo cruzado. Ministros como Alexandre de Moraes já foram alvo de sanções extraterritoriais impostas pelos Estados Unidos, numa clara tentativa de intimidar a Corte. Trata-se de um movimento típico de guerra híbrida: ao fragilizar juízes, busca-se enfraquecer a capacidade institucional do Brasil de se autodefender.

O STF sabe que sua decisão terá repercussão além das fronteiras nacionais. Uma condenação firme consolidará a imagem de um Judiciário que não se dobra, mas também aumentará o custo da pressão externa. Uma eventual hesitação, por outro lado, alimentaria a percepção de fragilidade e abriria espaço para novas tentativas de ruptura.

A Corte está, portanto, diante do dilema clássico da história brasileira: ou afirma sua autoridade soberana e rompe o ciclo de impunidade das elites golpistas, ou se arrisca a repetir a tragédia de 1964, quando as instituições se renderam à lógica da força.

Congresso: maioria fascista como agente de instabilidade

O Congresso Nacional é hoje uma das maiores ameaças internas à estabilidade institucional. A base bolsonarista, somada ao centrão cooptado por cargos e verbas, formou uma maioria conservadora e cada vez mais fascistizada. Este bloco não atua apenas como oposição parlamentar: funciona como correia de transmissão de pressões externas e internas contra o governo Lula e o STF.

As táticas são conhecidas. Pautas-bomba que comprometem o equilíbrio fiscal, CPIs forjadas para produzir narrativa política e bloqueios orçamentários são utilizados como instrumentos de chantagem. O objetivo não é apenas desestabilizar o Executivo, mas enfraquecer o sistema democrático como um todo, apresentando o julgamento de Bolsonaro como “perseguição política” e tentando normalizar o golpismo como divergência legítima.

É também no Congresso que a extrema-direita articula a produção simbólica de resistência. Deputados e senadores aliados já ensaiam discursos de vitimização do ex-presidente, com forte reverberação nas redes sociais e nas bases evangélicas. A intenção é criar a percepção de que qualquer condenação judicial é uma afronta ao “povo”, invertendo a lógica da lei e corroendo a legitimidade das instituições.

Assim, o Legislativo não age isoladamente: integra-se ao mercado, à mídia e às pressões externas dos EUA como parte de uma engrenagem híbrida de instabilidade. O julgamento no STF é o estopim para que esse mecanismo atue em plena capacidade nos próximos dias.

Mercado financeiro: chantagens e especulação

O mercado financeiro já se posiciona como um dos principais vetores de pressão neste momento. A condenação de Bolsonaro e dos generais pode ser lida por agentes econômicos como um sinal de estabilidade institucional, mas a engrenagem especulativa tende a operar no sentido inverso: inflar riscos, provocar volatilidade e usar a narrativa de incerteza política como justificativa para manipular preços de ativos.

A ofensiva dos Estados Unidos, com tarifas de 50% e sanções contra autoridades brasileiras, amplia esse terreno fértil para a chantagem econômica. A cada comunicado de Washington ou decisão do STF, bancos e fundos internacionais testam a reação do câmbio e da bolsa, transformando o Brasil em laboratório de lawfare financeiro. O efeito imediato é o aumento da pressão sobre o governo Lula para adotar medidas de contenção que, na prática, reforçam a dependência externa.

Internamente, setores empresariais ligados ao agronegócio e à indústria exportadora aproveitam o ambiente de instabilidade para pressionar por concessões políticas, ecoando o discurso bolsonarista de que a democracia “prejudica os negócios”. A lógica é clara: quanto maior o pânico, maior a capacidade de barganha.

Assim, o mercado se converte em ator político de primeira ordem dentro da guerra híbrida. Não apenas reage ao cenário, mas age deliberadamente para moldá-lo, usando a economia como campo de batalha para fragilizar o governo e questionar a soberania do país.

Mídia mainstream: guerra da narrativa

A cobertura do julgamento de Bolsonaro e dos generais expõe o papel ambíguo da mídia corporativa brasileira. De um lado, há o compromisso formal de informar sobre um processo histórico; de outro, prevalece a tendência de relativizar os crimes golpistas, enquadrando-os como disputa política ou “polarização”.

Esse movimento não é neutro. Ele integra a engrenagem da guerra híbrida, deslocando o foco do debate: em vez de reafirmar que se trata de responsabilização penal por tentativa de golpe, a mídia cria zonas de dúvida, transformando criminosos em atores políticos legítimos. É a mesma lógica usada em 1964, quando editoriais justificaram a ruptura democrática em nome da “ordem”.

O peso da mídia mainstream vai além da informação: ela influencia a percepção do mercado, legitima narrativas do Congresso e oferece eco para os discursos de Washington. A internacionalização da ideia de que o julgamento é “politizado” atende diretamente ao interesse de Trump, que busca deslegitimar qualquer decisão que não favoreça Bolsonaro.

Em suma, a grande imprensa opera como vetor estratégico na guerra de narrativas, disputando corações e mentes e tentando fragilizar a confiança social na Justiça brasileira.

Evangélicos: a fé instrumentalizada

O campo religioso, em especial o segmento evangélico, tornou-se um dos principais pilares de sustentação política do bolsonarismo. Desde antes do 8 de janeiro, líderes midiáticos utilizaram púlpitos e redes sociais para transformar a defesa de Bolsonaro em causa espiritual, deslocando a questão do terreno jurídico para o da “batalha entre o bem e o mal”.

No contexto do julgamento, esse discurso se intensifica. Pastores de grandes denominações alimentam a narrativa de martírio: Bolsonaro seria o “perseguido” por lutar contra forças globais e elites “antipovo”. Essa retórica mobiliza fiéis, radicaliza parte da base e aumenta o risco de manifestações de rua inflamadas pelo componente religioso.

O entrelaçamento entre fé, política e desinformação constitui um vetor clássico de guerra híbrida. As igrejas não apenas reforçam a vitimização do réu, mas também atuam como canais de disseminação de fake news, minando a confiança social no STF e ampliando a pressão sobre Lula. O poder de mobilização do bolsonarismo evangélico é real: milhões de brasileiros recebem suas referências políticas diretamente de púlpitos e cultos televisionados, sem mediação crítica.

Assim, o julgamento de Bolsonaro não será disputado apenas nos tribunais ou na arena política, mas também nos templos e nas telas de culto, onde a extrema-direita já consolidou sua trincheira simbólica.

Militares e policiais: adesão ou contenção?

O julgamento de Bolsonaro e dos generais coloca também à prova a relação das Forças Armadas e das polícias com a democracia. Embora não haja sinais claros de adesão institucional a uma ruptura, núcleos de oficiais da reserva e setores da ativa seguem simpáticos ao bolsonarismo, utilizando redes sociais e associações de classe para disseminar críticas ao STF e ao governo Lula.

O risco imediato não é um golpe clássico, mas sim a “resistência silenciosa”: insubordinação difusa, boicote administrativo e recusa velada de cumprir ordens, sobretudo em áreas sensíveis como inteligência, fronteiras e policiamento ostensivo. Já nas polícias estaduais, altamente permeadas por lideranças bolsonaristas, o perigo de mobilizações de rua com viés golpista é real, principalmente se a narrativa de martírio ganhar força após condenações pesadas.

O governo Lula, atento a esse cenário, reforça protocolos de disciplina e cooperação federativa, além de buscar apoio em setores mais profissionais das Forças Armadas para isolar o núcleo radical. O STF, por sua vez, sinaliza que a responsabilização alcançará militares de alta patente, algo inédito desde a redemocratização, o que pode ter efeito pedagógico, mas também gerar reação corporativa.

O desfecho do julgamento será, portanto, um termômetro para medir se militares e policiais aceitarão sua função constitucional ou se seguirão alimentando o fantasma do golpismo como instrumento de pressão.

Os EUA e a guerra híbrida aberta contra o Brasil

O julgamento de Bolsonaro ocorre sob a sombra pesada de Washington. Desde a volta de Donald Trump à Casa Branca, a política externa dos Estados Unidos adotou o Brasil como alvo prioritário na guerra híbrida. A estratégia é clara: enfraquecer Lula, deslegitimar o STF e manter viva a extrema-direita brasileira como peça de contenção contra o avanço dos BRICS e a política externa soberana.

As ferramentas já estão em campo. A tarifa de 50% sobre produtos brasileiros foi uma retaliação direta, sem paralelo recente, e o enquadramento de ministros do Supremo em sanções Magnitsky mostrou que os EUA cruzaram uma linha vermelha: intervir diretamente em assuntos internos para intimidar a Justiça brasileira. Trata-se de lawfare extraterritorial, um dos instrumentos centrais da guerra híbrida contemporânea.

Trump aposta no bolsonarismo como seu braço avançado no Sul Global. As narrativas de “perseguição política” contra Bolsonaro são replicadas em comunicados oficiais, discursos de congressistas republicanos e em think tanks alinhados a Washington. O objetivo é forçar a leitura internacional de que o Brasil vive uma “caça às bruxas”, minando a legitimidade do processo judicial.

Esse alinhamento não é apenas retórico. O movimento tarifário, combinado ao risco de sanções secundárias, coloca o sistema financeiro brasileiro diante de dilemas de compliance. Bancos podem preferir obedecer a restrições americanas em vez de decisões do STF, um choque de soberania que fragiliza a autonomia nacional e dá aos EUA uma arma silenciosa de pressão.

O que está em jogo, portanto, vai além de Bolsonaro: é o direito do Brasil de decidir seu destino sem tutelas externas. O julgamento de hoje será o estopim para medir até onde Washington está disposto a ir para intervir no processo democrático brasileiro.

Cenários possíveis (0–90 dias)

Nas próximas semanas, três cenários principais se desenham diante do julgamento de Bolsonaro e dos generais. O mais provável, com cerca de 55% de chance, é o da condenação com contenção institucional. Nesse caso, o STF formaria maioria clara pela responsabilização, transmitindo uma mensagem de firmeza e previsibilidade. O Congresso produziria ruído, mas sem conseguir paralisar o governo. Trump manteria a tarifa de 50% e a retórica de pressão, mas não avançaria em novas sanções sistêmicas. O mercado reagiria com volatilidade imediata, mas tenderia à estabilização após o anúncio dos votos. As bases evangélicas reforçariam a narrativa de martírio, porém sem grande mobilização de massa, e as Forças Armadas e polícias ficariam sob controle disciplinar. Os sinais de que esse cenário se consolidou seriam a queda gradual do dólar e do risco país depois do pico inicial, a ausência de pautas-bomba efetivas no Congresso e comunicados neutros vindos de Washington. Nesse desfecho, o Brasil reforçaria a pedagogia contra aventuras golpistas e abriria uma janela para reposicionar sua diplomacia econômica.

O segundo cenário, com probabilidade de 30%, é o da condenação acompanhada de escalada híbrida externa e interna. Nele, após o veredicto, Washington ampliaria o cerco com ajustes tarifários adicionais e até a ameaça de sanções secundárias. O setor bancário responderia com “overcompliance”, encarecendo o crédito e travando o risco Brasil. O Congresso deflagraria CPIs e bloqueios orçamentários, e a mídia internacional ecoaria a narrativa de “judicialização da política”. Nesse ambiente, as bases bolsonaristas testariam atos de rua mais agressivos, com risco de incidentes envolvendo polícias estaduais. Os gatilhos para esse cenário seriam pronunciamentos diretos de Trump ligando a condenação a novas punições, ofensivas coordenadas de lideranças evangélicas e adesão explícita do centrão a pautas de sabotagem fiscal. Os sinais a observar seriam comunicados da OFAC e do USTR mencionando o Brasil, anúncios de bancos sobre políticas de risco, fuga para ativos de proteção e aumento de manifestações inflamadas em capitais. As consequências seriam duras: encarecimento do crédito, deterioração das expectativas econômicas e fortalecimento da narrativa internacional de perseguição política, o que exigiria resposta integrada do governo, do STF e do Banco Central.

O terceiro cenário, menos provável (15%), é o da reversão parcial ou atraso relevante. Um pedido de vista ou uma modulação do julgamento poderia protelar os efeitos plenos das decisões. Esse movimento aliviaria tensões imediatas e abriria espaço para um canal técnico com Washington, mas manteria intacto o risco estrutural de interferência e rearticulação golpista. Os gatilhos para esse cenário seriam empates técnicos em pontos processuais ou a avaliação de que é melhor reduzir choques simultâneos com o mercado, a polícia e as igrejas. Os sinais seriam comunicados do STF destacando “segurança jurídica”, gestos diplomáticos do Itamaraty em direção ao USTR e recuos retóricos temporários de atores domésticos. Embora traga um curto respiro, esse cenário corre o risco de ser interpretado como fragilidade institucional, alimentando a aposta de que uma nova ofensiva poderia prosperar.

Diante desses cenários, algumas medidas transversais se tornam urgentes. É essencial que STF, Planalto e PGR comuniquem-se de forma unificada, transmitindo fatos, fundamentos e um calendário claro. Na frente financeira, uma mesa de crise entre Banco Central, Febraban e AGU deve prevenir o “overcompliance” e proteger os meios de pagamento. Em segurança pública, o governo precisa reforçar protocolos com governadores e corregedorias para impedir a politização de polícias militares. Na guerra informacional, é necessário manter uma célula de resposta rápida capaz de neutralizar boatos virais em menos de uma hora. E, no campo externo, a diplomacia deve intensificar a defesa do Brasil na OMC e articular-se com União Europeia, BRICS e vizinhos latino-americanos, isolando os custos da escalada imposta por Washington.

Conclusão estratégica

O julgamento de Bolsonaro e dos generais inaugura um momento de definição histórica. Não se trata apenas de responsabilizar indivíduos por crimes contra a democracia, mas de enfrentar uma engrenagem híbrida que combina Congresso fascistizado, chantagens do mercado, manipulação midiática, mobilização religiosa, tensões militares e interferência direta dos Estados Unidos. Cada um desses vetores age em sincronia para fragilizar o Estado brasileiro e manter vivo o projeto golpista.

A grande tendência é a condenação do núcleo bolsonarista, e isso abrirá uma janela crítica de 90 dias em que pressões internas e externas tentarão transformar a vitória judicial em instabilidade política e econômica. O STF e o governo Lula sabem que não há espaço para recuo: qualquer sinal de hesitação alimentará a percepção de fraqueza e abrirá caminho para novas ofensivas. Trump tampouco recuará, pois aposta no bolsonarismo como peça estratégica no Sul Global.

A conclusão inevitável é que o Brasil entrou em uma fase de guerra híbrida aberta, na qual cada decisão institucional terá repercussões geopolíticas imediatas. Para resistir, será necessário consolidar uma frente de defesa ampla, que una STF, Executivo e sociedade civil em torno da soberania jurídica, econômica e informacional. O país precisa se preparar para conter o choque externo, blindar o sistema financeiro, controlar narrativas e manter disciplina nas forças de segurança.

Hoje é o dia que pode mudar o Brasil. A justiça confronta finalmente o golpismo. O resultado não definirá apenas o destino de Bolsonaro e de seus generais, mas o futuro da democracia e da soberania brasileira diante do avanço da extrema-direita global.

Reynaldo José Aragon Gonçalves

Reynaldo Aragon é jornalista especializado em geopolítica da informação e da tecnologia, com foco nas relações entre tecnologia, cognição e comportamento. É pesquisador do Núcleo de Estudos Estratégicos em Comunicação, Cognição e Computação (NEECCC – INCT DSI) e integra o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Disputas e Soberania Informacional (INCT DSI), onde investiga os impactos da tecnopolítica sobre os processos cognitivos e as dinâmicas sociais no Sul Global. Editor do site codigoaberto.net

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Condenação ou caos: o futuro do Brasil em jogo

Condenação do ex-presidente pode redefinir a democracia brasileira, acionar retaliações dos EUA e inaugurar nova fase da guerra híbrida contra o Brasil

Reynaldo José Aragon Gonçalves
Publicada em 02 de setembro de 2025 às 10:13
Condenação ou caos: o futuro do Brasil em jogo

Jair Bolsonaro (Foto: Reuters)

O Supremo inicia hoje o julgamento histórico que coloca Bolsonaro e a cúpula golpista diante da lei. Enquanto Lula mantém a linha dura, Trump e o bolsonarismo prometem retaliações. O resultado pode selar não apenas o futuro da democracia brasileira, mas também o lugar do país na disputa geopolítica global.

O dia que pode mudar o Brasil

O Supremo Tribunal Federal inicia hoje, 2 de setembro de 2025, o julgamento de Jair Bolsonaro e de generais envolvidos na trama golpista de 8 de janeiro. O processo marca um divisor de águas: é a primeira vez que um ex-presidente e parte da cúpula militar respondem penalmente por tentativa de subversão da ordem democrática. O caso é acompanhado de perto pelo mundo, especialmente pelos Estados Unidos sob Donald Trump, que já impuseram tarifas e sanções como instrumentos de pressão política.

Internamente, a conjuntura é explosiva. O Congresso, dominado por forças conservadoras e fascistizadas, prepara reações para tentar sabotar o Executivo e enfraquecer o STF. O mercado financeiro opera no limite, entre o risco real das tarifas americanas e o oportunismo especulativo. A mídia mainstream pauta o julgamento como espetáculo, mas relativiza o caráter golpista de Bolsonaro e seus aliados. E setores evangélicos e militares atuam como vetores de instabilidade, reforçando a narrativa do martírio bolsonarista.

O julgamento de hoje, portanto, não é apenas uma questão jurídica: é uma batalha estratégica que vai definir o futuro da democracia, a estabilidade institucional e a soberania do Brasil no tabuleiro global.

STF como linha de contenção

O Supremo Tribunal Federal tornou-se o pilar central de contenção do golpismo no Brasil. Ao assumir o julgamento de Bolsonaro e generais, a Corte não está apenas aplicando a lei, mas também defendendo a sobrevivência do pacto constitucional de 1988. A responsabilização penal é o único caminho para frear a lógica da impunidade que historicamente protegeu militares e políticos envolvidos em atentados contra a democracia.

A ofensiva de hoje acontece sob fogo cruzado. Ministros como Alexandre de Moraes já foram alvo de sanções extraterritoriais impostas pelos Estados Unidos, numa clara tentativa de intimidar a Corte. Trata-se de um movimento típico de guerra híbrida: ao fragilizar juízes, busca-se enfraquecer a capacidade institucional do Brasil de se autodefender.

O STF sabe que sua decisão terá repercussão além das fronteiras nacionais. Uma condenação firme consolidará a imagem de um Judiciário que não se dobra, mas também aumentará o custo da pressão externa. Uma eventual hesitação, por outro lado, alimentaria a percepção de fragilidade e abriria espaço para novas tentativas de ruptura.

A Corte está, portanto, diante do dilema clássico da história brasileira: ou afirma sua autoridade soberana e rompe o ciclo de impunidade das elites golpistas, ou se arrisca a repetir a tragédia de 1964, quando as instituições se renderam à lógica da força.

Congresso: maioria fascista como agente de instabilidade

O Congresso Nacional é hoje uma das maiores ameaças internas à estabilidade institucional. A base bolsonarista, somada ao centrão cooptado por cargos e verbas, formou uma maioria conservadora e cada vez mais fascistizada. Este bloco não atua apenas como oposição parlamentar: funciona como correia de transmissão de pressões externas e internas contra o governo Lula e o STF.

As táticas são conhecidas. Pautas-bomba que comprometem o equilíbrio fiscal, CPIs forjadas para produzir narrativa política e bloqueios orçamentários são utilizados como instrumentos de chantagem. O objetivo não é apenas desestabilizar o Executivo, mas enfraquecer o sistema democrático como um todo, apresentando o julgamento de Bolsonaro como “perseguição política” e tentando normalizar o golpismo como divergência legítima.

É também no Congresso que a extrema-direita articula a produção simbólica de resistência. Deputados e senadores aliados já ensaiam discursos de vitimização do ex-presidente, com forte reverberação nas redes sociais e nas bases evangélicas. A intenção é criar a percepção de que qualquer condenação judicial é uma afronta ao “povo”, invertendo a lógica da lei e corroendo a legitimidade das instituições.

Assim, o Legislativo não age isoladamente: integra-se ao mercado, à mídia e às pressões externas dos EUA como parte de uma engrenagem híbrida de instabilidade. O julgamento no STF é o estopim para que esse mecanismo atue em plena capacidade nos próximos dias.

Mercado financeiro: chantagens e especulação

O mercado financeiro já se posiciona como um dos principais vetores de pressão neste momento. A condenação de Bolsonaro e dos generais pode ser lida por agentes econômicos como um sinal de estabilidade institucional, mas a engrenagem especulativa tende a operar no sentido inverso: inflar riscos, provocar volatilidade e usar a narrativa de incerteza política como justificativa para manipular preços de ativos.

A ofensiva dos Estados Unidos, com tarifas de 50% e sanções contra autoridades brasileiras, amplia esse terreno fértil para a chantagem econômica. A cada comunicado de Washington ou decisão do STF, bancos e fundos internacionais testam a reação do câmbio e da bolsa, transformando o Brasil em laboratório de lawfare financeiro. O efeito imediato é o aumento da pressão sobre o governo Lula para adotar medidas de contenção que, na prática, reforçam a dependência externa.

Internamente, setores empresariais ligados ao agronegócio e à indústria exportadora aproveitam o ambiente de instabilidade para pressionar por concessões políticas, ecoando o discurso bolsonarista de que a democracia “prejudica os negócios”. A lógica é clara: quanto maior o pânico, maior a capacidade de barganha.

Assim, o mercado se converte em ator político de primeira ordem dentro da guerra híbrida. Não apenas reage ao cenário, mas age deliberadamente para moldá-lo, usando a economia como campo de batalha para fragilizar o governo e questionar a soberania do país.

Mídia mainstream: guerra da narrativa

A cobertura do julgamento de Bolsonaro e dos generais expõe o papel ambíguo da mídia corporativa brasileira. De um lado, há o compromisso formal de informar sobre um processo histórico; de outro, prevalece a tendência de relativizar os crimes golpistas, enquadrando-os como disputa política ou “polarização”.

Esse movimento não é neutro. Ele integra a engrenagem da guerra híbrida, deslocando o foco do debate: em vez de reafirmar que se trata de responsabilização penal por tentativa de golpe, a mídia cria zonas de dúvida, transformando criminosos em atores políticos legítimos. É a mesma lógica usada em 1964, quando editoriais justificaram a ruptura democrática em nome da “ordem”.

O peso da mídia mainstream vai além da informação: ela influencia a percepção do mercado, legitima narrativas do Congresso e oferece eco para os discursos de Washington. A internacionalização da ideia de que o julgamento é “politizado” atende diretamente ao interesse de Trump, que busca deslegitimar qualquer decisão que não favoreça Bolsonaro.

Em suma, a grande imprensa opera como vetor estratégico na guerra de narrativas, disputando corações e mentes e tentando fragilizar a confiança social na Justiça brasileira.

Evangélicos: a fé instrumentalizada

O campo religioso, em especial o segmento evangélico, tornou-se um dos principais pilares de sustentação política do bolsonarismo. Desde antes do 8 de janeiro, líderes midiáticos utilizaram púlpitos e redes sociais para transformar a defesa de Bolsonaro em causa espiritual, deslocando a questão do terreno jurídico para o da “batalha entre o bem e o mal”.

No contexto do julgamento, esse discurso se intensifica. Pastores de grandes denominações alimentam a narrativa de martírio: Bolsonaro seria o “perseguido” por lutar contra forças globais e elites “antipovo”. Essa retórica mobiliza fiéis, radicaliza parte da base e aumenta o risco de manifestações de rua inflamadas pelo componente religioso.

O entrelaçamento entre fé, política e desinformação constitui um vetor clássico de guerra híbrida. As igrejas não apenas reforçam a vitimização do réu, mas também atuam como canais de disseminação de fake news, minando a confiança social no STF e ampliando a pressão sobre Lula. O poder de mobilização do bolsonarismo evangélico é real: milhões de brasileiros recebem suas referências políticas diretamente de púlpitos e cultos televisionados, sem mediação crítica.

Assim, o julgamento de Bolsonaro não será disputado apenas nos tribunais ou na arena política, mas também nos templos e nas telas de culto, onde a extrema-direita já consolidou sua trincheira simbólica.

Militares e policiais: adesão ou contenção?

O julgamento de Bolsonaro e dos generais coloca também à prova a relação das Forças Armadas e das polícias com a democracia. Embora não haja sinais claros de adesão institucional a uma ruptura, núcleos de oficiais da reserva e setores da ativa seguem simpáticos ao bolsonarismo, utilizando redes sociais e associações de classe para disseminar críticas ao STF e ao governo Lula.

O risco imediato não é um golpe clássico, mas sim a “resistência silenciosa”: insubordinação difusa, boicote administrativo e recusa velada de cumprir ordens, sobretudo em áreas sensíveis como inteligência, fronteiras e policiamento ostensivo. Já nas polícias estaduais, altamente permeadas por lideranças bolsonaristas, o perigo de mobilizações de rua com viés golpista é real, principalmente se a narrativa de martírio ganhar força após condenações pesadas.

O governo Lula, atento a esse cenário, reforça protocolos de disciplina e cooperação federativa, além de buscar apoio em setores mais profissionais das Forças Armadas para isolar o núcleo radical. O STF, por sua vez, sinaliza que a responsabilização alcançará militares de alta patente, algo inédito desde a redemocratização, o que pode ter efeito pedagógico, mas também gerar reação corporativa.

O desfecho do julgamento será, portanto, um termômetro para medir se militares e policiais aceitarão sua função constitucional ou se seguirão alimentando o fantasma do golpismo como instrumento de pressão.

Os EUA e a guerra híbrida aberta contra o Brasil

O julgamento de Bolsonaro ocorre sob a sombra pesada de Washington. Desde a volta de Donald Trump à Casa Branca, a política externa dos Estados Unidos adotou o Brasil como alvo prioritário na guerra híbrida. A estratégia é clara: enfraquecer Lula, deslegitimar o STF e manter viva a extrema-direita brasileira como peça de contenção contra o avanço dos BRICS e a política externa soberana.

As ferramentas já estão em campo. A tarifa de 50% sobre produtos brasileiros foi uma retaliação direta, sem paralelo recente, e o enquadramento de ministros do Supremo em sanções Magnitsky mostrou que os EUA cruzaram uma linha vermelha: intervir diretamente em assuntos internos para intimidar a Justiça brasileira. Trata-se de lawfare extraterritorial, um dos instrumentos centrais da guerra híbrida contemporânea.

Trump aposta no bolsonarismo como seu braço avançado no Sul Global. As narrativas de “perseguição política” contra Bolsonaro são replicadas em comunicados oficiais, discursos de congressistas republicanos e em think tanks alinhados a Washington. O objetivo é forçar a leitura internacional de que o Brasil vive uma “caça às bruxas”, minando a legitimidade do processo judicial.

Esse alinhamento não é apenas retórico. O movimento tarifário, combinado ao risco de sanções secundárias, coloca o sistema financeiro brasileiro diante de dilemas de compliance. Bancos podem preferir obedecer a restrições americanas em vez de decisões do STF, um choque de soberania que fragiliza a autonomia nacional e dá aos EUA uma arma silenciosa de pressão.

O que está em jogo, portanto, vai além de Bolsonaro: é o direito do Brasil de decidir seu destino sem tutelas externas. O julgamento de hoje será o estopim para medir até onde Washington está disposto a ir para intervir no processo democrático brasileiro.

Cenários possíveis (0–90 dias)

Nas próximas semanas, três cenários principais se desenham diante do julgamento de Bolsonaro e dos generais. O mais provável, com cerca de 55% de chance, é o da condenação com contenção institucional. Nesse caso, o STF formaria maioria clara pela responsabilização, transmitindo uma mensagem de firmeza e previsibilidade. O Congresso produziria ruído, mas sem conseguir paralisar o governo. Trump manteria a tarifa de 50% e a retórica de pressão, mas não avançaria em novas sanções sistêmicas. O mercado reagiria com volatilidade imediata, mas tenderia à estabilização após o anúncio dos votos. As bases evangélicas reforçariam a narrativa de martírio, porém sem grande mobilização de massa, e as Forças Armadas e polícias ficariam sob controle disciplinar. Os sinais de que esse cenário se consolidou seriam a queda gradual do dólar e do risco país depois do pico inicial, a ausência de pautas-bomba efetivas no Congresso e comunicados neutros vindos de Washington. Nesse desfecho, o Brasil reforçaria a pedagogia contra aventuras golpistas e abriria uma janela para reposicionar sua diplomacia econômica.

O segundo cenário, com probabilidade de 30%, é o da condenação acompanhada de escalada híbrida externa e interna. Nele, após o veredicto, Washington ampliaria o cerco com ajustes tarifários adicionais e até a ameaça de sanções secundárias. O setor bancário responderia com “overcompliance”, encarecendo o crédito e travando o risco Brasil. O Congresso deflagraria CPIs e bloqueios orçamentários, e a mídia internacional ecoaria a narrativa de “judicialização da política”. Nesse ambiente, as bases bolsonaristas testariam atos de rua mais agressivos, com risco de incidentes envolvendo polícias estaduais. Os gatilhos para esse cenário seriam pronunciamentos diretos de Trump ligando a condenação a novas punições, ofensivas coordenadas de lideranças evangélicas e adesão explícita do centrão a pautas de sabotagem fiscal. Os sinais a observar seriam comunicados da OFAC e do USTR mencionando o Brasil, anúncios de bancos sobre políticas de risco, fuga para ativos de proteção e aumento de manifestações inflamadas em capitais. As consequências seriam duras: encarecimento do crédito, deterioração das expectativas econômicas e fortalecimento da narrativa internacional de perseguição política, o que exigiria resposta integrada do governo, do STF e do Banco Central.

O terceiro cenário, menos provável (15%), é o da reversão parcial ou atraso relevante. Um pedido de vista ou uma modulação do julgamento poderia protelar os efeitos plenos das decisões. Esse movimento aliviaria tensões imediatas e abriria espaço para um canal técnico com Washington, mas manteria intacto o risco estrutural de interferência e rearticulação golpista. Os gatilhos para esse cenário seriam empates técnicos em pontos processuais ou a avaliação de que é melhor reduzir choques simultâneos com o mercado, a polícia e as igrejas. Os sinais seriam comunicados do STF destacando “segurança jurídica”, gestos diplomáticos do Itamaraty em direção ao USTR e recuos retóricos temporários de atores domésticos. Embora traga um curto respiro, esse cenário corre o risco de ser interpretado como fragilidade institucional, alimentando a aposta de que uma nova ofensiva poderia prosperar.

Diante desses cenários, algumas medidas transversais se tornam urgentes. É essencial que STF, Planalto e PGR comuniquem-se de forma unificada, transmitindo fatos, fundamentos e um calendário claro. Na frente financeira, uma mesa de crise entre Banco Central, Febraban e AGU deve prevenir o “overcompliance” e proteger os meios de pagamento. Em segurança pública, o governo precisa reforçar protocolos com governadores e corregedorias para impedir a politização de polícias militares. Na guerra informacional, é necessário manter uma célula de resposta rápida capaz de neutralizar boatos virais em menos de uma hora. E, no campo externo, a diplomacia deve intensificar a defesa do Brasil na OMC e articular-se com União Europeia, BRICS e vizinhos latino-americanos, isolando os custos da escalada imposta por Washington.

Conclusão estratégica

O julgamento de Bolsonaro e dos generais inaugura um momento de definição histórica. Não se trata apenas de responsabilizar indivíduos por crimes contra a democracia, mas de enfrentar uma engrenagem híbrida que combina Congresso fascistizado, chantagens do mercado, manipulação midiática, mobilização religiosa, tensões militares e interferência direta dos Estados Unidos. Cada um desses vetores age em sincronia para fragilizar o Estado brasileiro e manter vivo o projeto golpista.

A grande tendência é a condenação do núcleo bolsonarista, e isso abrirá uma janela crítica de 90 dias em que pressões internas e externas tentarão transformar a vitória judicial em instabilidade política e econômica. O STF e o governo Lula sabem que não há espaço para recuo: qualquer sinal de hesitação alimentará a percepção de fraqueza e abrirá caminho para novas ofensivas. Trump tampouco recuará, pois aposta no bolsonarismo como peça estratégica no Sul Global.

A conclusão inevitável é que o Brasil entrou em uma fase de guerra híbrida aberta, na qual cada decisão institucional terá repercussões geopolíticas imediatas. Para resistir, será necessário consolidar uma frente de defesa ampla, que una STF, Executivo e sociedade civil em torno da soberania jurídica, econômica e informacional. O país precisa se preparar para conter o choque externo, blindar o sistema financeiro, controlar narrativas e manter disciplina nas forças de segurança.

Hoje é o dia que pode mudar o Brasil. A justiça confronta finalmente o golpismo. O resultado não definirá apenas o destino de Bolsonaro e de seus generais, mas o futuro da democracia e da soberania brasileira diante do avanço da extrema-direita global.

Reynaldo José Aragon Gonçalves

Reynaldo Aragon é jornalista especializado em geopolítica da informação e da tecnologia, com foco nas relações entre tecnologia, cognição e comportamento. É pesquisador do Núcleo de Estudos Estratégicos em Comunicação, Cognição e Computação (NEECCC – INCT DSI) e integra o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Disputas e Soberania Informacional (INCT DSI), onde investiga os impactos da tecnopolítica sobre os processos cognitivos e as dinâmicas sociais no Sul Global. Editor do site codigoaberto.net

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Comentários

  • 1
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    wilkon neves botelho pinto 03/09/2025

    Já devia estar na prisão há muito tempo

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