Conta de Bolsonaro nos EUA pode ser mais antiga

"Documentação obtida pela CPI da Covid-19, cita ONG fundada na Florida em nome de Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão. O que uma coisa tem a ver com outra?", diz

Denise Assis
Publicada em 17 de maio de 2023 às 11:57
Conta de Bolsonaro nos EUA pode ser mais antiga

Jair Bolsonaro e Mauro Cid (Foto: Alan Santos/PR/Divulgação)

Conforme admitiram os advogados de Jair Bolsonaro, na noite de segunda-feira – 15 de maio -, o ex-presidente tem, sim, conta nos Estados Unidos. Eles atribuem a decisão de manter o dinheiro naquele país, ao "temor" sobre os rumos da economia no governo Lula e garantem que a transferência seguiu os requisitos legais. Elas, no entanto, podem ser mais antigas do que alegam. 

Documentação obtida pela Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI da Covid-19, cita ONG fundada na Florida em nome de Jair Bolsonaro e o seu vice, Hamilton Mourão. O que uma coisa tem a ver com outra? Não sabemos, mas onde tem focinho de porco, rabo de porco e pés de porco, é bom investigar para saber se aquilo é um porco.

A defesa do ex-presidente também revelou que ele enviou cerca de R$ 600 mil para uma conta no exterior, aberta em dezembro de 2022. (Guardem essa quantia. Ela pode não ser mero acaso! Confiram no final desse texto).

As declarações dos advogados foram feitas em coletiva de imprensa que tinha como objetivo inicial justificar a troca de mensagens entre o ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, Mauro Cid, e duas assessoras da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro.

“Essa transferência ocorreu de uma conta poupança que ele tinha para outra conta identificada em nome do presidente também nos Estados Unidos. Ele fez isso porque acredita que o atual Governo não vai conduzir corretamente a economia e ele transferiu para outra conta nos Estados Unidos, aberta em dezembro. Todo o dinheiro foi transferido via banco central respeitando as questões legais”, disse o advogado Marcelo Bessa à imprensa na sede do Partido Liberal (PL), em Brasília.

De acordo com informações do Correio Brasiliense, nos bastidores a defesa de Bolsonaro teme que Cid possa fazer declarações contra o ex-presidente, pois o sentimento de Cid e seus familiares, é de que ele foi abandonado por Bolsonaro. 

Os advogados de Bolsonaro têm razão em temer a delação. Como Cid detém todas as informações referentes às transações financeiras familiares, tornou-se um arquivo vivo também de sua história pessoal. Uma delas, pode remontar ao ano de 2021, quando o jornalista Lúcio de Castro, da “SportLight Agência de Jornalismo Investigativo”, publicou no dia 4 de agosto, às 15h47, a seguinte manchete: “Bolsonaro e Mourão figuram em registro nos EUA como diretores de entidade de amigo reverendo” e, no subtítulo, chamava: “Na Junta Comercial do estado americano, presidente brasileiro é diretor de empresa fundada por parceiro de Amilton”.

As informações não surgiram do nada

Lúcio de Castro não tirou essas informações do nada. Seguiu o seu feeling de repórter e perseguiu uma pista que veio a público na CPI da Covid-19 e, à baila, em meio às negociações de compra de vacinas entre o reverendo Amilton e Luiz Paulo Dominguetti, ambos citados e interrogados na Comissão. No título de sua matéria, a “instituição” fundada pelo grupo que envolve o nome de Bolsonaro, arrola também as “Forças Armadas”. 

Castro inicia a reportagem dizendo: “O presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), aparece como diretor de uma entidade aberta no equivalente a junta comercial da Florida junto com Roberto Cohen, citado na CPI como parceiro do reverendo Amilton Gomes de Paula, que confirmou conhecer tal pessoa.

Ele prossegue: “A “Missão Humanitária do Estado Maior das Forças Armadas” foi registrada em Miami em 30 de outubro de 2020, já durante a pandemia. Como diretores, aparecem, no ato de abertura, Jair Bolsonaro (presidente da entidade), Hamilton Mourão (vice) e Roberto Cohen (secretário). A ONG consta como “uma organização diplomática, humanitária, com missão de paz, militar, organização intergovernamental e nonprofit. As entidades “nonprofit” são, em tese, sem fins lucrativos”. 

Demonstrando seriedade no que fazia, Castro diz que “a reportagem enviou e-mail para a assessoria de comunicação da presidência em busca de confirmar ou não a participação do presidente Jair Bolsonaro na instituição aberta na Flórida, mas não obteve resposta”. A reportagem tentou entrar em contato, com o Reverendo Amilton Gouveia de Paula, sem êxito. E procurou também o Capelão Robert Cohen, sem conseguir fazer contato. Castro localizou também “uma empresa de caráter supostamente humanitário aberta pelo reverendo Amilton com endereço em Boca Raton, na Florida, já após o início da CPI da Pandemia. A “Golden Angel Humanitary Foundation” foi aberta em 13 de maio de 2021. Como objeto da empresa aparece “fornecer bens e serviços aos menos afortunados”. (Veja documento a seguir)

 

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Registro de empresa ligada ao reverendo Amilton Gomes de Paula que aponta Bolsonaro como sócio / Junta Comercial da Flórida

Forças Armadas estavam representadas na ONG

De acordo com a apuração do jornalista Lúcio de Castro, “No último dia 15 de março, uma atualização foi feita na junta da Florida. Permaneceram os nomes de Jair Bolsonaro, Hamilton Mourão e Roberto Cohen, que passou a constar como “tenente coronel capelão”. E entraram os nomes de Fernando Azevedo e Silva, então ainda ministro da defesa, e de Raul Botelho, que consta como tenente-brigadeiro do ar, e que na ocasião da abertura ocupava o cargo de chefe do estado-maior do conjunto das forças armadas do ministério da defesa, de onde foi exonerado no dia 20 de maio, indo para a reserva no dia 2 de junho último”. A reportagem alerta também: “Reverendo que negociou vacinas ilegalmente era filiado ao PSL durante campanha de Bolsonaro”. E adverte: “No primeiro registro, o nome do vice Hamilton Mourão aparece sem o “H”. Na posterior atualização já aparece corretamente”.

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/ Junta Comercial da Flórida

“Em 8 de março, o reverendo Amilton Gomes de Paula, que se apresenta como presidente de uma organização chamada de “Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários” (Senah), enviou uma carta para Herman Cardenas, da Davati, onde aparecia o logo da “American Diplomatic Mission of International Relations” (ADMIR).

O documento exibido na matéria de Lúcio foi, segundo ele, obtido pela CPI na apreensão do celular do cabo Dominguetti. “A “ADMIR” tem entre seus diretores Roberto Cohen, que aparece também como secretário da entidade aberta em que consta o nome de Jair Bolsonaro, como mostram os documentos encontrados pela Agência Sportlight de Jornalismo”.

Para complicar ainda mais, eis que aparece na tal ONG nada menos que o filho do presidente americano, (na época ainda no poder) Donald Trump. “A Admir tem como presidente o filho de Donald Trump. Em 2018, o presidente Trump virou presidente de honra da Admir.

Robert Cohen consta ainda em registros como Zigmund Ziegler Roberto Cohen, tenente-coronel israelense e médico, com estreitas ligações com o Brasil e já tendo sido morador do país. Em seu nome aparecem outros registros de empresas “nonprofit” de missões humanitárias, religiosas ou militares e em algumas com sócios brasileiros. Muitas delas abertas nesse ano”.

Houve quem desse atenção à investigação, revelou Lúcio: “Durante a audiência da CPI de ontem, o senador Jean Paul Prates (PT-RN), (atual presidente da Petrobras) afirmou que a “Missão Humanitária do Estado Maior das Forças Armadas do Brasil” aparece citada nos documentos do reverendo Amilton”.

Um ponto desse imbróglio é intrigante. A ousadia. A reportagem da SportLight revela que “Reverendo abriu empresa em Boca Raton com CPI já em curso”. 

E segue: “Sem conhecer os registros encontrados por esta reportagem na junta comercial da Florida e a presença do nome do presidente Jair Bolsonaro entre os diretores, o senador quis saber o que era essa entidade, a relação do reverendo com ela e com o governo brasileiro e se pertencia ao comando militar ou as forças armadas brasileiras, pedindo a confirmação se sim ou não para o reverendo, que afirmou “não ter conhecimento”.

Em outras três empresas em que Robert Cohen aparece nos registros da junta da Florida, entre elas a American Federal Credit Card and Investments Foundation, também inscrita como de “missão humanitária”, consta o nome de Aldebaran Luiz Holleben. Este último foi citado por constar como parceiro do reverendo e por reivindicar o título de “superman”, fato citado na CPI.

A reportagem encontrou também uma empresa de caráter supostamente humanitário aberta pelo reverendo Amilton com endereço em Boca Raton, na Florida, já após o início da CPI da Pandemia. A “Golden Angel Humanitary Foundation” foi aberta em 13 de maio de 2021. Como objeto da empresa aparece “fornecer bens e serviços aos menos afortunados”.

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A "Golden Angel", ou "Anjo Dourado", mais nova pessoa jurídica do reverendo da vacina / Junta comercial da Flórida

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Link para a reportagem original: Bolsonaro e Mourão figuram em registro nos EUA como | Política (brasildefato.com.br)

Diálogos do grupo que negociou vacina revela propina de R$ 600 mil

Todo essa, documentação exibida na CPI da Covid, foi discutida e precisa ser confrontada com os diálogos contidos no Relatório Final, da Comissão Parlamentar de Inquérito. O registro dessa ONG e a apuração da CPI, conversam entre si? É preciso pesquisar. Fato é que a “cabalística” quantia de R$ 600 mil citada nos diálogos sobre o recebimento de propina, coincide exatamente com a quantia que fugiu do Brasil, segundo os advogados de Bolsonaro, por meios legais, e com medo do Lula. 

Confiram o que diz o relatório final da CPI:

6.8.2.2 Troca de mensagens com “Guilherme Filho Odilon”

(Página 360)

Trata-se do filho de José Odilon Torres, que aparece em outro diálogo. Aparentemente Dominghetti estava vendendo AstrazZeneca para vários estados (Minas Gerais, Piauí, Amapá, Mato Grosso, entre outros).

Odilon faz proposta com a Sputnik (02/03), para vender a estados e municípios, mas o preço baixo (US$ 8,75 a dose) e a falta de autorização da Anvisa desanimam Dominghetti.

Dominghetti informa estar em processo com o MS para vender a AstraZeneca a US$ 3,50 (02/03), o que bate com o que informou na CPI. Diz que o Ministério “sempre terá o caminho mais seguro sobre vacinas”. Depois Odilon pergunta como seguem as tratativas com a AstraZeneca no governo federal (03/03). Sem avanços é a resposta. Em 5 de março, Dominghetti diz que a “bola está com presidente”. “Se lê [sic] não autorizar não vende”. Depois diz: “acho (Página 360) que ele vai postergar até o último momento”. Em 9 de março Dominghetti diz “Presidente se posicionou contra neste momento”.

Não fica claro se falava do Presidente da República ou do Presidente da Davati. Contudo, outras mensagens (mais adiante) apontam tratar-se provavelmente do Presidente da República. Dominghetti confirma mais à frente que as vacinas estavam na Índia.

6.8.2.3 Troca mensagens com “Odilon Nilza Tim”

(Página 361)

Trata-se de José Odilon Torres da Silveira Júnior. Odilon foi apontado por Dominghetti na CPI como o parceiro comercial que lhe apresentou o Coronel Blanco.

Na conversa, Dominghetti fala que AstraZeneca vai ofertar o preço de US$ 12,51 a dose. Odilon diz em 4 de fevereiro que “devido ao desconto que o Roberto solicitou, o Cristiano negociou com seu fabricante e ficou 12,51 dólares, agora a comissão caiu para R$ 600.000,00 /5”.

Odilon pede em áudio para Dominghetti para ser rápido, pede para fechar “nos 22 (...) e volta tudo o que era antes”. Dá a entender que há outros interessados na venda e que o preço inicial era US$ 22 a dose, e que Roberto Dias pediu um desconto e teria caído para US$ 12,51. Dominghetti encaminha mensagem pra Odilon onde se lê: “Pede para o Dias ligar para o Cristiano com urgência” [destacamos]. Depois escreve “Estamos perdendo o lote todo”.

AstraZeneca vai declinar a venda para o Brasil, Dominghetti escreve depois. Há vários pedidos para o Dias ligar para o Cristiano. Cristiano aguarda contato do Dias. 

Após Odilon encaminhar notícia de jornal dizendo que Pazuello estava interessado em 30 milhões de doses das vacinas russa e indiana até março, Dominghetti responde “temos”.

Nunca é demais lembrar. Tudo isso acontecia enquanto as pessoas morriam sufocadas em hospitais, sem oxigênio, entubadas sem anestesia – em muitos casos, quando faltou o anestésico –, e sem vacina, porque a negociações eram por propina, não por vacinas para salvar vidas.

Denise Assis

Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar". É Integrante do Jornalistas pela Democracia.

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