Fake news desta vez passa, mas em 2022...

A “advertência” servirá de parâmetro para as eleições de 2022, quando os atores serão os mesmos. No caso em tela, houve “um lapso temporal”

Denise Assis
Publicada em 29 de outubro de 2021 às 16:27
Fake news desta vez passa, mas em 2022...

Por Denise Assis, para o Jornalistas pela Democracia

No dia 21 de outubro de 2018, um domingo nublado, a ministra Rosa Weber tirou do armário uma vistosa echarpe da Victor Hugo, barrada de azul, escolheu cuidadosamente os óculos de armação escura, escovou os cabelos e rumou para uma “coletiva de imprensa” na sede do TSE, que então presidia. As aspas são por conta do fato de que naquela coletiva os jornalistas não puderam fazer perguntas, o que caracteriza a atividade. O modelo adotado foi, na real, uma palestra, em que por 1h40 os representantes de todas as instituições sediadas em Brasília que compunham a mesa (nunca, antes na história...) tiveram voz e discorreram sobre um pleito empelotado desde o início. Primeiro, por uma facada pra lá de suspeita, que fortuitamente retirou dos debates o inapto candidato lanterninha e o alçou à posição de favorito. Segundo, porque quatro dias antes a jornalista Patrícia Campos Mello, do jornal Folha de São Paulo, havia feito uma denúncia que mereceu não só reflexão de alguns dias para ser respondida, como colocava o pleito – já cercado de controvérsias -, à presidência da República, sob suspeição.

A reportagem tratava de um escândalo na corrida eleitoral: a compra, por apoiadores de Jair Bolsonaro e seu vice, Hamilton Mourão, de pacotes de mensagens no WhatsApp que custaram R$ 12 milhões de reais, para distribuir fake News contra o adversário, o candidato Fernando Haddad, que concorria pelo PT, na vaga de Lula, impedido de disputar, por conta de um tuíte disparado pelo então comandante do Exército, o general Villas Boas, que vinha a ser contraparente de um dos integrantes da vasta mesa montada por Rosa Weber. No caso, o general Sergio Etchegoyen, ocupando o cargo de ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), e um dos artífices do golpe contra a presidente Dilma Rousseff. Sérgio é primo da mulher do general Villas Boas. Uma situação, por si, constrangedora.

A presidente do TSE não escondia o nervosismo. Tampouco a sua pouca intimidade com o tema. E depois de gastar o precioso tempo dos jornalistas, discorrendo sobre um pleito largamente conhecido, pediu a Deus que cuidasse do assunto, pois com fake news o TSE não sabia lidar. Apesar de termos estabelecido um marco regulatório sobre o uso da Internet e sabermos todos que um crime - ainda que sobre um tema “novo” - tem cara de crime, cheiro de crime e deve ter o que todo crime pede: apuração. Ainda assim, a ministra encerrou a coletiva. Em casa, esperávamos pelo óbvio. Que não aconteceu.

Tivesse ela algum conhecimento da história do futebol e, naquele momento, teria feito como Didi, no jogo da final do Brasil contra a Suécia - que jogava em casa - e aos três minutos da partida fez um gol contra o nosso time. Zagalo, mercurial, entrou em crise. Gritava ao lado de Didi, vendo a viola em cacos. Quanto a Didi, com o seu porte de príncipe etíope - como o chamava o cronista Nelson Rodrigues -, pegou a bola, a colocou debaixo do braço e atravessou o gramado, da pequena área até o meio de campo, com a lentidão que os seus nervos de aço e a inteligência emocional lhe permitiram. 

O estádio urrava em torno dele, que desfilava toda a sua elegância e garbo numa caminhada que durou uma eternidade. Era preciso “esfriar” os ânimos. Era necessário ganhar tempo e acalmar o seu time e o do adversário, que já se via com a taça na mão. O desfecho, todos nós sabemos. A explosão do grito: “É campeão”, numa época em que o verde e amarelo nos enchia de orgulho e gosto.

Àquela altura, com os ânimos exaltados, o ódio grassando por toda parte e um tenente do Exército a esbravejar ameaças de morte à presidente do TSE, nas redes sociais, a ministra Rosa deixou-se intimidar. Pelos gritos do oficial e, talvez, pela presença do general, que vinha escrevendo aquela história com esmero. Como contrariá-lo? Com a letra da lei, eu responderia, caso fosse perguntada. Mas em não sendo, engolimos a frustração de ver que a ministra não parou o jogo, não botou a bola no meio do campo para retomar a partida em condições mais tranquilas. Era tudo o que deveria ter feito. Só que não.

Patrícia Campos Mello havia trazido à luz provas consistentes. Fez o dever da apuração redondinho. Nítido estava que ali havia a mão experiente de Steve Bannon, o “mago dos disparos” da campanha de Ronald Trump. Ele havia aparecido em foto recente ao lado de Eduardo Bolsonaro, o filho do candidato beneficiado. Já na campanha Eduardo dizia a que veio: fecharia o Supremo – a que Rosa Weber pertencia – com um cabo e um soldado. Tudo claro e documentado.

Hoje, por unanimidade, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) rejeitou o pedido de cassação dos diplomas e a consequente inelegibilidade por oito anos do presidente da República, Jair Bolsonaro, e do seu vice, Hamilton Mourão, por abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação. O julgamento das ações foi interrompido de véspera e retomado nesta nessa manhã (28/10). Todos os sete ministros da Corte votaram pelo arquivamento “por falta de provas que demonstrassem o impacto de disparos em massa no resultado das eleições de 2018”. E mais: com a ressalva de que falharam os derrotados, que não anexaram ao processo provas suficientes! Tal como no assassinato de Ângela Diniz, (1976) por Doca Street, a culpa era da vítima.

E na maior incoerência jurídica de que se tem notícia – isto vai virar case nas faculdades de Direito -, apesar do arquivamento, a maioria dos ministros optou por uma tese segundo a qual os reconhecidos (no caso) disparos em massa contendo desinformação podem configurar abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação social. A “advertência” servirá de parâmetro para as eleições de 2022, quando os atores serão os mesmos. No caso em tela, houve “um lapso temporal”.

Mas ouçamos quem entende do riscado. O ministro Alexandre de Moraes: — O lapso temporal pode ser impeditivo de uma condenação, mas não é impeditivo da absorção, pela Justiça Eleitoral, do modus operandi que foi realizado (reconheceu), e que vai ser combatido nas eleições 2022. Se houver repetição do que foi feito em 2018, o registro será cassado.

Tradução: “Ai, ai, ai, meninos! Não façam mais isto!!! Desta vez vocês podem ver Round-6 na TV, mas da próxima ficarão proibidos!

Ora, ora, ora... Houve crime, mas não vamos punir o crime! Passou... Lavou tá novo! Não vamos desarrumar o que está “arrumadinho” ... E depois, o país está tão sofrido se recuperando da pandemia... E o Brasil já ficou tão traumatizado com dois impeachments em tão pouco tempo... E tem a economia... E nós ainda não formatamos o candidato-sabonete da terceira via... E pode ser que ele não emplaque... Então nós já combinamos que vamos torcer por esse mesmo, basta que fique quietinho, não suje a roupinha e não se despenteie... (Como “ensinou” o presidente do BTG-Pactual/dublê de empresário da Comunicação).

Ontem, Bolsonaro mostrou a que veio. Largou falando sozinho o primeiro entrevistador que disparou uma pergunta indigesta para ele. Em outra gravação, ensinou como pedir propina e mostrou toda a sua verve de cervejeiro de boteco. E então, André Esteves, vai ficar com ele mesmo? 

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