O meu encontro com João de Deus – Parte II

Ele, tão ou mais cético do que eu, aceitou sem resistência passar em Abadiânia na volta ao perceber que o filho debilitado, mais magro do que jamais estivera, peidado da cabeça e sem a mínima condição de pensar racionalmente, precisava daquilo.

Vinicius Canova
Publicada em 19 de dezembro de 2018 às 09:45

Abadiânia vive economicamente em torno de John of God, e a horda esbranquiçada marcha rumo à liturgia espiritual

Meu pai pegou um voo para Porto Alegre na reta final de junho de 2016 a fim de que retornássemos juntos de carro para Rondônia revezando o volante desta feita, o que não ocorreu na ida, lá atrás, em dezembro do ano anterior, porque meu tio não tinha nem tem condições de dirigir.

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Ufa!

Ele, tão ou mais cético do que eu, aceitou sem resistência passar em Abadiânia na volta ao perceber que o filho debilitado, mais magro do que jamais estivera, peidado da cabeça e sem a mínima condição de pensar racionalmente, precisava daquilo.

Chegamos à cidade de João de Deus no entardecer do dia 21 de junho, segundo dia da travessia de volta; porém, eu só seria atendido pela entidade no dia seguinte, uma quarta-feira (22).

Enquanto isso, largamos as tralhas na pousada situada à mesma ruela de chão batido onde fica a Casa de Dom Inácio de Loyola, o hospital espiritual do homem que até hoje é visto como expressão sacrossanta em carne e osso.

Aliás, a pequena rua nos pareceu, logo de cara, a espinha dorsal econômica da cidade, já que a intensa movimentação de brasileiros e estrangeiros faz com que o dinheiro circule através do grande número de comerciantes estabelecidos ao longo da estradinha, sem contar hotéis, pousadas, restaurantes e lanchonetes.

O fluxo que perambula por ali destoa completamente a outros pontos do município em que observamos trafegando pela rodovia ainda no perímetro urbano, antes de aportarmos. Isso justifica o receio dos habitantes ao pensar que João de Deus, já na casa dos 76 anos, possa bater as botas a qualquer momento, levando com ele seus respectivos vertedouros financeiros.    

Naquela região minúscula, as pessoas andam de branco dos pés à cabeça; não é exatamente uma exigência de João de Deus, mas a Casa aconselha o uso da indumentária completamente esbranquiçada para que a energia circule melhor pelo corpo – seja lá o que isso signifique.

Comprar a vestimenta nas lojinhas do entorno também faz parte do ritual turístico; se você levar calças e camisetas de casa, me disse uma senhora muito gentil hospedada ao lado da pousada em que ficamos, e já era sua quarta passagem por Abadiânia, não terá a oportunidade de se contaminar com a energia nativa, que já está ali em todas as coisas justamente por conta da presença dos espíritos hipoteticamente atuando através de John.

Como disse anteriormente, estava disposto a fazer as coisas exatamente da forma como determinava o figurino, pois naquela altura do campeonato o desespero era maior que qualquer senso do ridículo.

Devidamente vestidos de capoeiristas – sem ginga e berimbau – regressamos aos nossos aposentos para descansar: com isso, dormimos e roncamos como nunca.

Sentado na cama da pousada em Abadiânia, devidamente trajado para o encontro com John of God; à época, havia em minha composição estrutural mais cabeça do que corpo

Chegou, então, o grande dia. Era hora da verdade, de me encontrar com o sacerdote da cura e suas entidades sortidas. Como são mais de trinta que ele diz incorporar, não é possível saber quem irá nos atender na hora h.

A partir de agora o que vou relatar adiante é fruto de um esforço descomunal de memória corroborado por mensagens de WhatsApp e e-mails trocados à ocasião. Lembrem-se: eu fui até lá como paciente, digamos assim, não como jornalista. Portanto, não fiz entrevistas nem anotações.

De manhã cedo, naquela quarta-feira, mal colocamos os pés para fora e já nos deparamos com uma imensa peregrinação que cobria praticamente a extensão inteira da rua. A horda branca marchava pontualmente, dentro do horário marcado, de encontro ao processo litúrgico imposto aos visitantes.

Meu velho e eu encorpamos a marcha.

CONTINUA NA PARTE III

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