Porque Datena não combina com a TV Pública

Datena é um nome contraindicado porque representa interesses políticos, e as mídias públicas, em todo o mundo, devem guardar distância dos interesses políticos

Fonte: Tereza Cruvinel - Publicada em 04 de dezembro de 2025 às 13:52

Porque Datena não combina com a TV Pública

Datena (Foto: Reprodução/Instagram)

Minha participação na criação da EBC e da TV Brasil como primeira diretora-presidente – tema de livro que lancei em outubro – não me permite silêncio ou indiferença diante da contratação do comunicador e político José Luiz Datena como apresentador de programas na TV e na Rádio Nacional: ela conflita com os objetivos e princípios fundamentais da comunicação pública, estabelecidos pela prática internacional e pela lei de criação da EBC, por cuja aprovação batalhei ao lado de tantos e tantas.

Datena é um nome contraindicado porque representa interesses políticos, e as mídias públicas, em todo o mundo, devem guardar distância dos interesses políticos e econômicos (por isso nem podem veicular publicidade comercial). É contra-indicado porque sua prática profissional também se vincula a valores incompatíveis com a comunicação pública, tais como o punitivismo policial e a discriminação social.

As mídias da EBC, diz a lei, devem promover o acesso à informação por meio de fontes plurais e a programação deve ter finalidades educativas, artísticas, culturais, científicas e informativas. Datena pode vir a comandar programas com tais características mas há dois outros problemas nesta situação.

Diz a lei que deve existir “autonomia em relação ao Governo Federal para definir produção, programação e distribuição de conteúdo no sistema público de radiodifusão.”  O noticiário diz que o convite a Datena foi “reforçado” pelo presidente Lula, que o recebeu no Planalto na última segunda-feira. Tal ingerência é indevida e devo dizer que nunca aconteceu enquanto presidi a EBC, no segundo governo Lula e durante dez meses no governo Dilma. Lula parece ter mudado de opinião em relação ao funcionamento de uma TV pública.

A outra questão diz respeito ao próprio Datena. Como político que é, sua atuação nos dois canais públicos atenta contra a independência deles. Ele tem partido político (já passou por alguns) e no ano passado foi candidato a prefeito, ocasião em que alvejou um adversário com uma cadeirada.

Depois, sua atuação na TV comercial apresenta conflitos com o que se deve esperar de uma TV e de uma rádio públicas. Elas devem, diz a lei, “oferecer mecanismos para o debate público acerca de temas de relevância nacional e internacional” e “desenvolver a consciência crítica do cidadão, mediante programação educativa, artística, cultural, informativa, científica e promotora de cidadania”.E ainda, “fomentar a construção da cidadania, a consolidação da democracia e a participação na sociedade, garantindo o direito à informação, à livre expressão do pensamento, à criação e à comunicação”.

Convenhamos que a atuação dele na TV comercial não carrega estes predicados. Tratando de segurança pública, violência e criminalidade no programa “O povo na TV” (RedeTV),  ele difunde valores autoritários e preconceituosos e valoriza o punitivismo policial tão predominante no Brasil, pelo qual “bandido tem que morrer”. Ou “bandido bom é bandido morto”.

Outros comunicadores da TV privada, através de programas sensacionalistas, contribuíram para fortalecer a ideia de que os criminosos são sempre pobres, favelados e negros, e para a naturalização da letalidade policial, que nos brinda todos os dias com assassinatos cometidos em favelas e áreas suburbanas.

O convite a Datena tem razão que bem conheço: busca-se, com sua contratação, fazer crescer a audiência das mídias EBC. Passei quatro anos ouvindo essa cobrança da mídia privada e ela persiste, embora hoje não se espanque tanto a EBC como no meu tempo. Sempre respondi dizendo que a audiência é importante mas não pode ser buscada com sacrifício da relevância dos programas.

Se os de Datena vieram a ser relevantes e pertinentes, e trouxerem audiência, ótimo. Foi um acerto. Do contrário, terá sido um erro previsível.

Neste terceiro mandato, Lula já nomeou quatro presidentes da EBC. A nomeação de André Basbaum despertou expectativas positivas em todos os que desejam a reconstrução plena da EBC, ainda afetada pelo desmonte ocorrido nos governos Temer e Bolsonaro, tal como registrei em livro para que seja lembrado e  a reconstrução, cobrada. Torço muito para que a EBC reencontre seu destino, e espero que o caso Datena seja apenas um ponto fora da curva.

Tereza Cruvinel

Colunista/comentarista do Brasil247, fundadora e ex-presidente da EBC/TV Brasil, ex-colunista de O Globo, JB, Correio Braziliense, RedeTV e outros veículos.

Porque Datena não combina com a TV Pública

Datena é um nome contraindicado porque representa interesses políticos, e as mídias públicas, em todo o mundo, devem guardar distância dos interesses políticos

Tereza Cruvinel
Publicada em 04 de dezembro de 2025 às 13:52
Porque Datena não combina com a TV Pública

Datena (Foto: Reprodução/Instagram)

Minha participação na criação da EBC e da TV Brasil como primeira diretora-presidente – tema de livro que lancei em outubro – não me permite silêncio ou indiferença diante da contratação do comunicador e político José Luiz Datena como apresentador de programas na TV e na Rádio Nacional: ela conflita com os objetivos e princípios fundamentais da comunicação pública, estabelecidos pela prática internacional e pela lei de criação da EBC, por cuja aprovação batalhei ao lado de tantos e tantas.

Datena é um nome contraindicado porque representa interesses políticos, e as mídias públicas, em todo o mundo, devem guardar distância dos interesses políticos e econômicos (por isso nem podem veicular publicidade comercial). É contra-indicado porque sua prática profissional também se vincula a valores incompatíveis com a comunicação pública, tais como o punitivismo policial e a discriminação social.

As mídias da EBC, diz a lei, devem promover o acesso à informação por meio de fontes plurais e a programação deve ter finalidades educativas, artísticas, culturais, científicas e informativas. Datena pode vir a comandar programas com tais características mas há dois outros problemas nesta situação.

Diz a lei que deve existir “autonomia em relação ao Governo Federal para definir produção, programação e distribuição de conteúdo no sistema público de radiodifusão.”  O noticiário diz que o convite a Datena foi “reforçado” pelo presidente Lula, que o recebeu no Planalto na última segunda-feira. Tal ingerência é indevida e devo dizer que nunca aconteceu enquanto presidi a EBC, no segundo governo Lula e durante dez meses no governo Dilma. Lula parece ter mudado de opinião em relação ao funcionamento de uma TV pública.

A outra questão diz respeito ao próprio Datena. Como político que é, sua atuação nos dois canais públicos atenta contra a independência deles. Ele tem partido político (já passou por alguns) e no ano passado foi candidato a prefeito, ocasião em que alvejou um adversário com uma cadeirada.

Depois, sua atuação na TV comercial apresenta conflitos com o que se deve esperar de uma TV e de uma rádio públicas. Elas devem, diz a lei, “oferecer mecanismos para o debate público acerca de temas de relevância nacional e internacional” e “desenvolver a consciência crítica do cidadão, mediante programação educativa, artística, cultural, informativa, científica e promotora de cidadania”.E ainda, “fomentar a construção da cidadania, a consolidação da democracia e a participação na sociedade, garantindo o direito à informação, à livre expressão do pensamento, à criação e à comunicação”.

Convenhamos que a atuação dele na TV comercial não carrega estes predicados. Tratando de segurança pública, violência e criminalidade no programa “O povo na TV” (RedeTV),  ele difunde valores autoritários e preconceituosos e valoriza o punitivismo policial tão predominante no Brasil, pelo qual “bandido tem que morrer”. Ou “bandido bom é bandido morto”.

Outros comunicadores da TV privada, através de programas sensacionalistas, contribuíram para fortalecer a ideia de que os criminosos são sempre pobres, favelados e negros, e para a naturalização da letalidade policial, que nos brinda todos os dias com assassinatos cometidos em favelas e áreas suburbanas.

O convite a Datena tem razão que bem conheço: busca-se, com sua contratação, fazer crescer a audiência das mídias EBC. Passei quatro anos ouvindo essa cobrança da mídia privada e ela persiste, embora hoje não se espanque tanto a EBC como no meu tempo. Sempre respondi dizendo que a audiência é importante mas não pode ser buscada com sacrifício da relevância dos programas.

Se os de Datena vieram a ser relevantes e pertinentes, e trouxerem audiência, ótimo. Foi um acerto. Do contrário, terá sido um erro previsível.

Neste terceiro mandato, Lula já nomeou quatro presidentes da EBC. A nomeação de André Basbaum despertou expectativas positivas em todos os que desejam a reconstrução plena da EBC, ainda afetada pelo desmonte ocorrido nos governos Temer e Bolsonaro, tal como registrei em livro para que seja lembrado e  a reconstrução, cobrada. Torço muito para que a EBC reencontre seu destino, e espero que o caso Datena seja apenas um ponto fora da curva.

Tereza Cruvinel

Colunista/comentarista do Brasil247, fundadora e ex-presidente da EBC/TV Brasil, ex-colunista de O Globo, JB, Correio Braziliense, RedeTV e outros veículos.

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