Jornalismo Lava Jato estilo B.O. só serve o prato feito das delações

Ao longo dos último cinco anos, com honrosas exceções, o “jornalismo investigativo” se limitou a servir de porta-voz da Lava Jato

Ricardo Kotscho
Publicada em 12 de setembro de 2019 às 11:41
Jornalismo Lava Jato estilo B.O. só serve o prato feito das delações

Ricardo Kotscho é jornalista e integra o Jornalistas pela Democracia. Recebeu quatro vezes o Prêmio Esso de Jornalismo e é autor de vários livros.

"Ao longo dos último cinco anos, com honrosas exceções, o “jornalismo investigativo” se limitou a servir de porta-voz da Lava Jato, na maioria das vezes sem investir em apurações próprias", avalia o jornalista Ricardo Kotscho, um dos mais renomados jornalistas brasileiros, que recebeu por quatro vezes o Prêmio Esso e integra o Jornalistas pela Democracia. "Com a divulgação dos diálogos dos procuradores pelo The Intercept, em parceria com outros veículos, ficamos sabendo que até a pauta do dia era acertada entre eles com repórteres e editores, e não só com o Jornal Nacional", acrescenta

O lugar de Moro é a cadeia e o esquecimento de sua sombria criatura — Lula Livre (Foto: REUTERS/Leonardo Benassatto)

Entre outros estragos na vida nacional, a Lava Jato rebaixou o jornalismo a transcrever boletins de ocorrência, os chamados B.O, servidos no prato feito das delações.

Podem reparar: até a linguagem mudou, tornou-se mais burocrática e tosca, no estilo do juridiquês de Sergio Moro e seus procuradores.

Ao longo dos último cinco anos, com honrosas exceções, o “jornalismo investigativo” se limitou a servir de porta-voz da Lava Jato, na maioria das vezes sem investir em apurações próprias.

Com a divulgação dos diálogos dos procuradores pelo The Intercept, em parceria com outros veículos, ficamos sabendo que até a pauta do dia era acertada entre eles com repórteres e editores, e não só com o Jornal Nacional.

Engana-se quem imagina que a aliança mídia-Lava Jato formada para o golpe de 2016 já se esgotou com a prisão de Lula.

Para se defender das denúncias da Vaza Jato e embaralhar o noticiário, esta semana voltaram suas baterias novamente para Lula e seu irmão Frei Chico, Dilma e, agora, o deputado federal David Miranda, do PSOL, que é casado com Glenn Greenwald, o editor do The Intercept.

Sempre que a coisa aperta para o lado de Moro & Dallagnol, eles ressuscitam as velhas delações do ex-ministro petista Antonio Palocci, que está em prisão domiciliar.

O fato novo do dia foi a revelação de que, apenas dois dias após as primeiras denúncias da Vaza Jato, o Coaf enviou ao Ministério Público um relatório que aponta “movimentações atípicas” de 2,5 milhões na conta do deputado David Miranda.

O MP abriu imediatamente uma investigação sobre as movimentações bancárias de Miranda. Mas nesta quarta-feira a Justiça barrou a tentativa de quebrar o sigilo fiscal do deputado. Miranda afirmou que as movimentações são compatíveis com sua renda familiar. Junto com Glenn, o deputado tem uma empresa de turismo.

Nota divulgada pela assessoria de imprensa da ex-presidente Dilma Rousseff constata a coincidência da ofensiva contra a ex-presidente com  as denúncias da Vaza Jato:

“É curioso que a ofensiva da Lava Jato contra Dilma Rousseff ocorra no momento em que os procuradores da República e o ex-juiz Sergio Moro estão sob suspeita, desmascarados pelo The Intercerpt Brasil e demais veículos de imprensa que revelaram as manipulações e distorções feitas a respeito da gravação ilegal entre a então presidenta e o ex-presidente Lula”.

A nota afirma ainda que “a democracia está sob o fogo cruzado dos amigos da ditadura, da tortura e das milícias”.

Em lugar de fazer reportagens para comprovar ou não as delações, como o Intercept faz com as gravações que obteve de fonte anônima com as conversas entre procuradores e juízes de Curitiba, um grupo de jornalistas “especializados” em Lava Jato, o mesmo que comemorou a prisão de Lula, adota o método copia e cola.

O resultado é um jornalismo preguiçoso, chato, burocrático, repetitivo, sem espaço para o contraditório, que “normaliza” as ações da Lava Jato.

Claro que em todas as redações ainda há profissionais que resistem ao prato feito, mas o estrago provocado pela Lava Jato no jornalismo em geral pode ser tema para estudos na academia.

Em todas as áreas, a história recente do Brasil agora pode ser dividida entre antes e depois da Lava Jato, que degradou as relações institucionais, o sistema político e quebrou a economia do país.

O resto é consequência. Deu no que deu.

Vida que segue.

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